Ainda é latente o preconceito com os solteiros na sociedade atual e “o solteirão” e “a solteirona” acabam sendo vistos de forma ambígua pelas pessoas. “Se por um lado são considerados independentes e livres para fazer o que quiser, por outro, de forma pejorativa, são apontados como os encalhados, aqueles que ninguém quis, por algum tipo de problema de personalidade, de temperamento, de falta de beleza ou de qualidades para atrair um par”, comenta Cynthia Dias Pinto Coelho, psicóloga e sexóloga.
Para Cynthia Coelho, embora haja uma variedade de tipos de família nos dias atuais, cada vez mais aceitas em sua diversidade pela sociedade, os solteiros ainda sofrem com olhares de crítica ou de piedade, como se fossem pessoas para quem o casamento não aconteceu e que tal fato não dependeu de sua vontade. “É como se a solteirice não fosse considerada como escolha, opção ou estilo de vida. Ela pode, sim, ser uma escolha. O que não pode haver é o preconceito, a discriminação ou o pré-julgamento com as pessoas que não se casaram, que é o chamado singlismo.”
“Nos encontros de família, no ambiente de trabalho e nas relações interpessoais, o solteiro sofre. Não faz diferença se aquela pessoa escolheu ser solteira, se ela não encontrou a sua famosa cara-metade, se ela se dedicou a cuidar da família de origem ou se investiu na profissão. O fato é que as pessoas sofrem com discriminações de ordens diversas. “Esse preconceito não ocorre apenas na esfera dos comentários, mas se traduz de forma concreta nas relações de trabalho, de contratação de serviços, na compra de produtos, como seguros ou viagens, e até nos convites para eventos sociais."
O singlismo atinge homens e mulheres, mas há diferenças de olhares e na intensidade de críticas conforme o gênero. “Talvez haja algum resquício do pensamento passado, de que a mulher foi feita para o casamento, para a maternidade e para a submissão ao marido, que supostamente seria a cabeça pensante do casal. Assim, a falta do casamento na vida de uma mulher fica associada à sua insuficiência de qualidades para atrair alguém que a leve ao altar e se disponha a passar a vida com ela”, diz Cynthia.
“Os termos ‘encalhada’, ‘solteirona’ e ‘a que ficou pra titia’ são usados ainda nos tempos atuais. O curioso é que o preconceito começa já na própria família da mulher solteira. É comum que os irmãos ou primos combinem juntos saídas para restaurantes ou viagens de férias, mas a irmã e a prima solteira costumam ser excluídas desses convites pelo simples fato de não terem um par. Ou seja, sua companhia e presença deixam de ter valor apenas porque elas não têm um homem ao seu lado”, destaca.
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A psicóloga enfatiza que ao contratar o pedreiro, o eletricista, o pintor ou o encanador para um reparo em sua casa, a solteira costuma pagar um preço muito mais alto do que o cobrado do homem solteiro e o prazo de entrega costuma ser dilatado ou atrasado sem nenhum respeito ou consideração em função de sua suposta fragilidade física para cobrar ou brigar pelo seu direito. O mesmo acontece numa oficina mecânica na hora dos reparos em seu automóvel.
Singlismo velado
“O assédio sexual se torna mais abusivo com as mulheres solteiras do que com as casadas, como se a solteira fosse disponível para o assédio e para o desejo masculino, inclusive da parte de homens casados, que costumam vê-las como frágeis ou carentes, as que aceitam e toleram qualquer coisa em troca da companhia masculina. Ainda no que se refere à sexualidade, é comum que pessoas solteiras sejam alvo de questionamentos sobre sua orientação sexual, sugerindo indiretamente uma homossexualidade não assumida”, enfatiza Cynthia Coelho.
Ela acrescenta que talvez haja, por parte dos questionadores, uma exceção no preconceito quando se trata de mulheres muito bem-sucedidas no trabalho, já que elas obtiveram sucesso profissional e financeiro sem depender de apoio ou ajuda de um marido. “Mas até nessas situações pode haver um singlismo velado, pois costumam dizer: “fulana se casou com o trabalho”, como se casar e ter sucesso profissional fossem coisas mutuamente excludentes”.
Como ficam os homens nessa história
O singlismo também atinge os homens, de forma mais branda. “Existem dois lados curiosos nessa questão. Num primeiro olhar, o homem considerado “solteirão” pode ser visto como alguém esperto, a ser admirado pelos amigos, principalmente na faixa etária mais madura. Por ser alguém livre, pode sair com todas as mulheres que quiser, sem ter que se comprometer com ninguém e arcar com os custos emocionais e exigências relacionais, por exemplo, experimentando uma diversidade de parceiras sexuais”, explica Cynthia.
“Tal visão é alimentada apenas pelo prazer instantâneo que as relações fugazes oferecem, sem levar em conta os benefícios da parceira e do cuidado que só existem nas relações amorosas em que há comprometimento e envolvimento amoroso, como em um relacionamento mais sério, no casamento ou em uniões estáveis. Os amigos que estão em relacionamentos infelizes acabam por se realizar, inconscientemente, nas aventuras do amigo “solteirão”. Este, por sua vez, se sente o máximo, ainda que por alguns anos, como o pegador garanhão”, diz a sexóloga.
Já num segundo olhar, a especialista lembra que esse comportamento pode sugerir uma imaturidade e uma incapacidade de criar laços afetivos mais profundos, que requerem doação, compromisso, concessões e engajamento. Assim, acrescenta a psicóloga, o singlismo aparece como uma forma de rotular os homens solteiros como problemáticos emocionalmente, que não conseguem se envolver em relacionamentos sérios, ou ainda, aqueles que não conseguiram amadurecer o suficiente para se casar e seguem vinculados à figura materna eternamente.
Compaixão
Eles também podem ser vistos como egoístas, que não conseguem construir uma vida a dois por pensarem apenas em suas vontades, ou como pessoas que não assumem responsabilidades. “De alguma forma, esse perfil de homem pode ser parcialmente excluído dos programas de outros casais amigos, por ser visto como um ‘mau exemplo’ para os homens casados, na opinião das esposas. Mas em geral há uma tolerância maior com o homem solteiro do que com a mulher solteira e ele desperta mais a compaixão do que a crítica, pelo menos no ambiente familiar, podendo ser tratado como ‘o coitadinho que não deu sorte no amor’, o que lhe rende um cuidado maior por parte das irmãs e familiares.”Para ler...
“Não sou feliz, mas tenho marido”, da jornalista argentina Viviana Gómez Thorpe. O livro, de 2021, é da Editora Letraviva e tem 176 páginas. É quase impossível não rir durante a deliciosa leitura da obra Nele, a autora demonstra sua peculiar capacidade de descrever em minúcias as aventuras e desventuras de uma vida a dois. Dotada de um humor inteligente, consegue pontuar algumas questões nas relações humanas, sem a pretensão de filosofar ou de avaliar cada uma delas. Baseada em experiências reais de Viviana, a ficção mostra uma jornalista que descobriu, ao longo do trabalho, que poderia ser uma espécie de biógrafa de muitas outras mulheres em todo o mundo. Esta capacidade de "ironizar" o dia a dia pode ser uma das chaves do sucesso do título que ficou por nove meses entre os mais vendidos na Argentina.
"Segregados: como os solteiros são estereotipados, estigmatizados e ignorados e vivem felizes", de Bella DePaulo, Editora Babelcube Inc., de 2018, 421 páginas, é baseado em décadas de pesquisas científicas e em uma vasta coleção de histórias sobre diversos tipos de solteiro. A autora desmistifica a vida de solteiro e mostra que praticamente tudo que já ouviu sobre os benefícios do casamento e sobre os perigos de ficar solteiro é grosseiramente exagerado ou simplesmente errado. Embora os solteiros sejam isolados com um tratamento injusto no trabalho, no mercado de consumo e na estrutura federal tributária, eles não são simplesmente vítimas da “solteirofobia”. Os solteiros estão vivendo mesmo felizes para sempre.