Correr, nadar e pedalar. Três esportes que, juntos, evoluíram de treino de férias dos atletas de um Clube de Atletismo, em 1974, em San Diego, nos Estados Unidos, para modalidade olímpica, com estreia nas Olimpíadas de Sidney, na Austrália, nos anos 2000.
Usar tênis, pé de pato e bicicleta, na sequência, é uma prática que não tem nem cinquenta anos de existência. E, nesse meio tempo, não foram só as habilidades técnicas dos atletas que passaram por aprimoramentos: o conhecimento científico sobre o organismo de quem se dedica a esportes de alto rendimento também evoluiu.
E um recorte das descobertas feitas pela ciência se destaca: a relação entre a performance dos atletas e a saúde do intestino. Isso porque a eficiência nos treinos e nas provas está diretamente ligada ao equilíbrio dos trilhões de micro-organismos que compõem a microbiota intestinal.
Foi o que indicou uma pesquisa recente da Universidade de Harvard, feita com amostras de corredores que participaram da Maratona de Boston, uma das mais famosas corridas de longa distância do mundo, num trajeto de 42,195 km que liga as cidades de Hopkinton e Boston, em Massachusetts, nos Estados Unidos. Os cientistas identificaram a alta concentração de uma espécie de bactérias que atua na decomposição do ácido lático – composto que se acumula no organismo após a prática de exercícios físicos intensos. As evidências levam os pesquisadores a acreditarem que o ácido lático seja a fonte de alimento dessas bactérias.
E mais: dados da pesquisa americana mostraram que há diferença entre as colônias de bactérias que habitam o intestino de remadores e ultramaratonistas, o que sugere que a modalidade esportiva também influencia a composição da microbiota intestinal.
Intensidade é a palavra-chave
As alterações causadas pela atividade física no sistema digestório – e no organismo como um todo – são reflexo do grau de intensidade com que a prática é incluída na rotina. Em doses regulares, os exercícios melhoram a saúde intestinal.
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“Melhora a comunicação entre células intestinais, o efeito barreira, controle dos processos inflamatórios, síntese de neurotransmissores, processo digestivo, processo absortivo e saúde mitocondrial. Tudo isso é impactado de forma positiva pelo exercício físico”, destaca o nutricionista esportivo e professor do Puravida Prime, Marcelo Carvalho.
Já no caso do alto rendimento, a intensidade demanda cuidados a mais. Segundo o especialista, toda vez que um atleta decide migrar do wellness (bem-estar) para o fitness (foco no resultado), o intestino pode sofrer efeitos negativos causados pela busca do melhor resultado.
Na pele
As consequências do desgaste muscular reverberam pelo sistema digestório, em forma de desconforto gástrico e intestinal, mas, também, de maneira visível, pelo suor – que é uma das causas dos problemas. O professor do Puravida Prime explica que três mecanismos importantes se modificam com a prática da atividade física intensa:
- Hipoperfusão intestinal | o sangue recrutado para grupos musculares estimulados pelo exercício físico deixam de circular em abundância pelo intestino, resultando no chamado ambiente de hipóxia (falta de oxigênio);
- Hipertermia | a temperatura corporal sobe e o suor produzido em decorrência da atividade física leva à disbiose intestinal – o desequilíbrio no intestino que causa uma série de desconfortos;
- Hiperatividade do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal | o cortisol a mais liberado durante o exercício físico, ou para a manutenção da glicemia, resulta numa sinalização inflamatória do intestino.
Treino intestinal
O caminho para evitar o mal-estar gástrico é treinar o intestino. A inserção de carboidratos extra na dieta e ao longo do treino deve ser feita de forma gradativa. O escalonamento segue a mesma lógica dos pesos, na musculação. Embora a recomendação seja ingerir 90 gramas de carboidrato a cada hora de exercício físico intenso, caso você decida implementar essa meta apenas no dia da prova, o resultado será catastrófico, com possíveis quadros de diarréia e vômito.
“Uma das formas de treinar o intestino, muitas vezes, é você consumir o carboidrato e sair para treinar, para forçar o seu sistema digestório a entender esse mecanismo de peristalse e digestão e absorção em meio a esse fluxo sanguíneo direcionado para a musculatura em altas intensidades. Essa é uma das estratégias feitas para treinar o intestino”, ensina Marcelo Carvalho.
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Suplementação
É possível investir em soluções para potencializar o aporte proteico dos atletas profissionais, como os flavobióticos, que têm a função de fornecer carboidrato e restabelecer a função intestinal. Na prática, no dia seguinte aos exercícios, o atleta atingirá o máximo de recuperação que o sistema imune dele tenha sido capaz de refazer, preparando o corpo para que ele esteja apto novamente a tolerar mais uma sessão de esforço.
Bom lembrar
As condutas nutricionais e o comportamento da microbiota intestinal variam conforme o esporte e a intensidade da atividade física praticada. O impacto no sistema digestório tende a ser mais nocivo no caso dos atletas de alto rendimento. Existem, no mercado, alternativas para suplementar a alimentação a fim de melhorar a oferta de carboidratos e otimizar a recuperação muscular. Mas, o melhor caminho, é o treino intestinal, que consiste na inserção gradativa de carboidratos durante a prática esportiva.
Considerando as especificidades de cada atleta, a recomendação é consultar um profissional de confiança ao optar por atividades que requisitem maior esforço do que aquele com que você está habituado.