(foto: Freepik)

Algumas páginas de jornais e revistas dos anos 1990 e 2000, quando circulam nas redes sociais, causam grande estranhamento. Entre elas, imagens de jovens mulheres com corpos comuns — e bonitos — sofrendo escrutínio e sendo atacadas por estarem "gordas demais".





 

Alguns desses exemplos são a estrela teen Hilary Duff, que era considerada a protagonista "cheinha" da Disney; Kate Winslet, que durante uma festa do Oscar foi atacada por um comentarista que dizia que ela estava a ponto de explodir dentro do vestido; e Renée Zellweger, eternizada como a protagonista Bridget Jones, uma mulher gorda em busca do amor. Britney Spears, no MTV Awards de 2007, foi atacada e chamada de fora de forma repetidas vezes. 

 

 

 

E, por que voltar a falar no desrespeito que essas mulheres viveram no passado e que prejudicou inúmeras adolescentes e jovens em termos de autoestima e aceitação? Porque corremos o risco de repetir os mesmos erros. Nos últimos anos, uma diversidade nunca antes vista apareceu nas passarelas. Algumas marcas e nomes específicos no mundo da moda passaram a trazer corpos e biotipos diversos vestindo peças modernas e bem cortadas. O processo se estendeu e, mesmo na alta-costura, passamos a ver homens e mulheres de todos os tamanhos.

 

Um relatório feito pela Vogue Business mostrou que, nesta temporada de desfiles internacionais, ocorridas no início do ano, os looks plus size representaram apenas 0,6% entre as 9.137 produções mostradas em 219 semanas de moda, incluindo Nova York, Londres, Milão e Paris. 





 

Em Londres, considerada a semana de moda inclusiva da temporada, cerca de 7% dos looks eram mid ou plus size. Em Milão, apenas 0,2% dos modelos apresentados eram plus size e 1,7% mid size.

 

Naia Silveira, especialista em tendências na WGSN, empresa líder em tendências de comportamento e consumo, confirma que houve a retomada de corpo mais magros nas passarelas, mas acrescenta que, apesar desse processo, grande parte da indústria está focada na direção contrária, buscando contemplar a maior diversidade de corpos possíveis.

 

Ela afirma que essa volta ao enaltecimento do corpo tem sido observada em um movimento global conhecido como "moeda antiga", no qual a Geração Z tem trazido de volta conceitos dos anos 2000, incluindo a magreza e o corpo dito "perfeito". "Temos mapeado esse movimento desde 2021, porém ele não tem sido entendido como uma tendência macro, mas, sim, como algo mais voltado para a nostalgia na moda e na beleza", comenta.

 

No entanto, mesmo acreditando que essa onda não deve se estender, Naia ressalta a importância de diversas marcas estarem dispostas a reescrever suas políticas de inclusão. Ela menciona a importância da linguagem na comunicação com o consumidor. "No setor esportivo, termos como 'queimar gordura' ou 'tonificar e enrijecer' podem parecer preconceituosos e não fazem sentido para as pessoas que se exercitam e consomem moda fitness, por razões que vão além da aparência, incluindo a saúde mental e as doenças físicas crônicas", acrescenta.





 

A especialista em tendências menciona ainda o lado do que o consumidor quer ver — e consumir. Um estudo conduzido pelo Institute of Digital Fashion, em 2021, revelou que os consumidores querem ver mais representatividade nos ambientes virtuais. A diversidade e a inclusão são fundamentais para a criação de espaços nos quais as pessoas se sintam representadas e livres para se expressar.

 

“Sempre fui perfeita” Foi assim que a modelo plus size Tereza Raquel de Souza Gomes, 28 anos, respondeu a uma senhora que acreditava estar fazendo um grande elogio ao dizer que, ao perder alguns quilos, ela estava "quase ficando perfeita".

 

Esse tipo de comentário não é novidade para a modelo, que começou a engordar quando tinha 14 anos. Crescendo nos anos em que a magreza extrema era celebrada, sofria com comentários negativos dentro da própria casa e, mesmo quando tinha 50kg, era sempre a "mais cheinha".





 

Na vida adulta, Tereza se deparou com o termo plus size pela primeira vez. "Nunca imaginei que mulher gorda poderia ser modelo e me apaixonei ao ver mulheres, como eu, se sentindo lindas e empoderadas. Vi que era o que queria para minha vida", lembra.

 

Em 2018, ela se tornou modelo e começou a dividir suas experiências nas redes sociais. O processo foi extremamente positivo para Tereza, que lembra de sempre se achar bonita, mas de questionar sua autopercepção por comentários e pela opinião alheia. "Quando eu me vi como uma mulher gorda, continuei me achando bonita e pensei o que poderia fazer com isso. Assim, passei a dividir minhas experiências", comenta.

 

E, para quem aparece cobrando sobre sua saúde, ela afirma que os exames estão sempre em dia e que nunca faltou disposição para trabalhar, cobrir eventos, desfilar e cuidar das filhas. 

 

A internet é vista como uma forma de se curar e se sentir bem consigo mesma, buscando trazer outras mulheres para o mesmo processo. "Todo mundo já sabe o lado negativo, então eu busco trazer positividade, alegria e autoestima."






Tereza vê o atual processo, no qual a diversidade parece estar desaparecendo, como algo assustador. "Eu não via pessoas reais nas capas de revista e, quando finalmente conseguimos trazer, querem voltar a nos empurrar um padrão surreal", lamenta.

 

A principal preocupação da modelo é como isso pode impactar as gerações mais novas e afirma que já tem sentido parte dessa pressão no trabalho. Mesmo as marcas plus size, por exemplo, têm diminuído as formas das roupas "como uma forma de obrigar as pessoas a emagrecer", reclama.

 

Tereza acrescenta que as modelos plus size mais famosas, por exemplo, costumam vestir entre 48 e 50, numeração inicial das marcas plus. "Nem o corpo plus que vemos é totalmente real, mesmo a diversidade que vemos acaba sendo fora da realidade. Por isso, eu me esforço para mostrar um corpo real para minhas seguidoras e minhas filhas."





 

MAS E A SAÚDE?

Ao ver um corpo gordo, é muito comum que algumas pessoas tentem mascarar o preconceito questionando a saúde daquela pessoa. E, como mostrou Tereza, a saúde vai muito bem, obrigada.

 

Desde que façam atividades físicas regularmente e cuidem da saúde como qualquer pessoa, as mulheres e os homens acima do peso podem e são saudáveis. O que não é nem um pouco recomendado é o emagrecimento rápido e com o uso de medicamentos sem orientação médica.

 

A britânica Kate Winslet já foi muito criticada em decorrência do que é considerado "excesso de peso"

(foto: Justin Tallis/AFP)
Yago Fernandes, médico atuante em endocrinologia da equipe Nutrindo Ideais e especialista em emagrecimento e hipertrofia, explica que esse tipo de emagrecimento, com dietas forçadas, medicamentos e restrições, costuma ser temporário e pode trazer uma série de problemas de saúde, como a carência de nutrientes — dietas restritivas podem levar à hipovitaminose, especialmente de vitamina D, B12, ferro e zinco —, fraqueza, indisposição, queda de cabelo, unhas rarefeitas, sonolência e aumento de colesterol (LDL, colesterol ruim).





 

O uso do termo "remédio para emagrecer" já é, para Yago, equivocado. "É extremamente pejorativo. O ideal seria deixar essa classe de medicamentos como controle da obesidade, que podem e precisam ser usados em casos específicos ou de síndromes metabólicas, por exemplo", comenta.

 

Mas ressalta que o intuito do remédio não deve ser emagrecer e, sim, tratar a obesidade e outras condições associadas ao excesso de peso. O Ozempic, que tem sido usado e divulgado por celebridades e pela mídia, é um medicamento que traz uma série de contraindicações e não deve nunca ser usado sem orientação de um especialista ou somente para a perda de peso.

 

"As pessoas ignoram toda a saúde para perder dois ou três quilos, para entrar em uma roupa específica ou para se enquadrar em um padrão que não condiz com seu biotipo, e é necessário que até os médicos tenham atenção ao receitar esse tipo de tratamento", comenta. 

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