RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - Já se tornou algo comum ler ou assistir relatos de pessoas que utilizam o medicamento Zolpidem. Basta abrir as redes sociais que vídeos, textos e até brincadeiras com os efeitos colaterais do remédio pulam na tela do celular ou do computador. Sonambulismo, compras compulsivas e alucinações são os mais citados.
"Tomei dois porque um não estava funcionando. Mas tem duas pessoas pequenininhas mexendo embaixo da cama e levando umas coisas embora", diz uma usuária do Tiktok. No Twitter, um garoto afirma não se lembrar do que fez na noite anterior. "Eu joguei VRchat sob efeito de Zolpidem com meu amigo até o dia amanhecer. Quando acordei, achei que tivesse sonhado, até que ele me contou o que realmente aconteceu."
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A popularização do medicamento gerou explosão nas vendas nos últimos anos. Segundo a Anvisa, centre 2019 e 2021, elas cresceram 73% para a versão de 5mg. O aumento de problemas de sono entre brasileiros, somado aos inúmeros relatos de usuários nas redes sociais, faz com que a procura pelo medicamento e o uso sem recomendação médica cresça, segundo especialistas.
Só no segundo semestre de 2022, mais de 10 milhões de caixas deste medicamento foram vendidas no Brasil, o que representa mais da metade do consumido em todo o ano de 2021, segundo a CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos). Recomendado para quem tem insônia primária (sem causa subjacente) ou secundária (causada por fatores externos), o fármaco ajuda na indução do sono e em sua manutenção.
O neurocientista e professor Leandro Freitas Oliveira afirma que o medicamento tem efeito hipnótico. Segundo ele, o hemitartarato de Zolpidem, princípio ativo do medicamento, favorece o neurotransmissor gaba, cuja ação consiste em inibir impulsos nervosos e promover relaxamento e concentração. A associação do hipnótico com o gaba aumenta os receptores responsáveis por receberem informações inibitórias, gerando depressão no sistema nervoso.
Entre os vídeos publicados por usuários nas redes sociais estão aqueles em que os pacientes se gravam sob os efeitos do medicamento. Segundo Oliveira, a ação do princípio ativo com o neurotransmissor é o que pode causar perda de memória ou confusão mental, efeitos citados por usuários. "Mas é importante ressaltar que os efeitos colaterais variam de acordo com cada pessoa", diz.
O profissional atribui a popularização do medicamento à necessidade de resultados imediatos, sem a busca de tratamento adequado para o que causa a insônia. Oliveira pontua que a psicoterapia é uma forma eficaz de cuidar do problema.
"Muitas vezes, as pessoas não estão interessadas em uma psicoterapia para entender a origem da ansiedade e da dificuldade do sono. Então elas optam pelos fármacos, o que é mais rápido, já que a psicoterapia demanda tempo", afirma.
Por outro lado, a psiquiatra Mayara Cezário pontua que o medicamento se tornou popular em decorrência da sensação de bem-estar que promove, como o relaxamento e a indução do sono. O uso inadequado, porém, traz riscos. A profissional pontua que a utilização sem prescrição médica, com doses acima do recomendado, pode causar dependência.
"É preciso um acompanhamento para descontinuar o uso. Até porque elas podem ter efeitos na memória e na cognição em decorrência disso. Nós vemos pessoas que usam vários comprimidos por dia, até mesmo uma cartela por dia. E isso pode ter esse impacto na saúde", aponta Mayara.
A interrupção abrupta do tratamento pode gerar insônia de rebote, uma dificuldade de dormir transitória que pode ser ainda superior àquela que causou a prescrição do medicamento, segundo a bula. Além disso, parar de tomar o remédio sem acompanhamento também pode resultar em alterações de humor, ansiedade e agitação.
Relatos de redes sociais fizeram com que os efeitos colaterais, que incluem agitação, alucinações, pesadelos e até depressão, se tornassem conhecidos. Rogério Panizzutti, professor do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), afirma que as reações podem ser reduzidas ou evitadas se o paciente consumir o remédio e dormir em seguida.
O docente pontua que efeitos colaterais acontecem porque muitos se engajam em atividades que comprometem o processo do sono, como mexer no celular ou assistir televisão, após a dose.
"Os médicos que prescrevem muitas vezes não alertam para os perigos. Eu, por exemplo, recomendo que a pessoa tome o remédio na cama pronta para dormir, porque há uma alteração de consciência, tonturas, sonolência, dor de cabeça, comportamentos desinibidos, perda de memória ou até mesmo alucinações", aponta Panizzutti.