A identidade deste casal será preservada. Para eles, o mito do amor romântico tem mesmo de sair de cena. Para eles, o significado do amor não está preso a tal conceito, mas se define para ambos como “cumplicidade e respeito”. Eles compartilham da ideia de que “todo relacionamento ao meu ver começa com o amor romântico e, com o tempo, vamos construindo o amor genuíno, ficamos felizes com a felicidade do outro. Sem posse ou algo tóxico”.
Há mais de uma década este casal revela que passou a viver um relacionamento aberto. “Decidimos em 2009, depois de algumas fantasias entre o casal. São 14 anos de vivência numa relação liberal e aberta. A nossa regra é comunicar com antecedência quando for sair. Não me vejo num relacionamento monogâmico e cheio de cobranças por pouca coisa”.
Ao pensar sobre a ilusão do amor romântico, o casal deixa claro que, antes de mais nada, é importante definir dois conceitos que são, muitas vezes, confundidos. “Amor é diferente de paixão. Gosto de exemplificar os dois conceitos de forma simples e objetiva. Paixão é algo excitante, porém, nos apaixonamos milhares de vezes no decorrer da vida e ela tem início, meio e fim. Tem como características marcantes a intensidade e, algumas vezes, a irracionalidade. Já o amor é uma ‘construção social’ em que dois indivíduos se doam e se propõem a mudar, evoluir para gerar uma unidade. Amor demanda tempo e, por justamente ter essa característica, de demandar tempo, dedicação e confiança não é tão fácil de ser replicado quanto a paixão. As pessoas confundem muito porque não têm amor próprio. Se o indivíduo não sabe se amar, é impossível amar o outro, o que sobra é pura dependência emocional.”
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Para o casal, a relação aberta tem pontos positivos, o que não significa se livrar das armadilhas. “Há diversos benefícios. O primeiro é a desconstrução do ciúme que, ao nosso ver, é a maior fonte de desgaste em um relacionamento. Somos mais sinceros com o que queremos e sentimos. Não precisamos fazer rodeios para falar a um homem ou mulher se eles são bonitos e que dão tesão. Como todo relacionamento, corremos o risco da perda, mas isso ocorre em qualquer forma de relacionamento. A perda ocorre se o casal deixar o cuidado das rotinas do amor de lado e, com isso, a relação se torna uma parceria pura e simplesmente”.
Depois de 14 anos, eles contam que estão seguros e felizes com a escolha. Ainda sabendo que há quem os apoie, respeite e quem também não os entenda. “Hoje, após tanto tempo, nossos amigos em sua maioria são liberais, já que a compatibilidade de ideias é fundamental na amizade.”
ROMANCE Para quem o amor romântico funciona? Ou realmente ele está em contagem regressiva para desaparecer da sociedade? Renata Lanza de Melo Franco, psicóloga, especialista em sexologia e educação sexual e terapeuta de casal, explica que essa é uma esfera razoavelmente carente em termos de dados científicos, mas o modelo monogâmico pode, sim, funcionar para alguns casais.
“Ele é válido e possível de ser fonte de felicidade conjugal, mas não deve ser a única opção e nem obrigatório para quem não se identifica com ele. É preciso entender o que faz sentido para cada caso, analisando-se as implicações de cada escolha e o que cada pessoa dá conta de viver. São diversas as possibilidades e, por isso, é importante analisar cada contexto e a cultura em que se insere. Independentemente da escolha do modelo da relação, é primordial que haja consentimento entre todas as partes e que a comunicação seja sempre clara e respeitosa, já que é por meio do diálogo e da escuta do outro é que é possível chegar a um lugar de mais satisfação e parceria no relacionamento.”
Ao ser questionada sobre as armadilhas do amor romântico, Renata destaca que falar em amor romântico não significa falar apenas do sentimento de amor. “Sabemos que o amor é uma construção social que se apresenta de maneiras diferentes em cada período da história. Ele só passou a ser uma possibilidade no casamento a partir do século 19, com o surgimento do ‘amor romântico’. Antes disso, os casamentos se davam por interesses econômicos e políticos.”
Para ela, o amor romântico é um modelo calcado na idealização da pessoa amada e na busca da felicidade eterna a dois, com suas crenças, valores e expectativas, que podem gerar muitas insatisfações pessoais, além de interferências negativas nas relações. “É aquele velho clichê que diz que somente estaremos completos quando encontrarmos nossa cara-metade”, nossa alma gêmea. É até cruel esperar essa complementação total entre os que se amam, pois essa idealização da alma gêmea é uma ilusão. Com isso, implementa-se o ciúme e o sentimento de posse. Não é possível prometer que nunca mais iremos amar outra pessoa, nem mesmo sentir atração por outro alguém, pelo resto da vida.”
“CONTRATOS” Entre as novas formas de amor e seus “contratos”, a psicóloga e educadora sexual ensina que muitas variáveis estão envolvidas em cada configuração. “Os envolvidos em relacionamentos não monogâmicos e/ou abertos têm acordos entre si que dependem do que cada um acredita ou dá conta de viver. Atualmente, vê-se formas de se relacionar afetiva e/ou sexualmente que tenham regras e combinados bem particulares de cada dupla (ou trio, ou quarteto etc)”, explica.
“Em alguns casos, as regras são fluidas e se modificam; em outros, ainda, a regra é não ter regra. Conforme as experiências vão acontecendo, os “contratos” podem ser renegociados, reformulados e refeitos. É primordial existir assertividade e clareza na comunicação entre as partes envolvidas. Os incômodos precisam ser verbalizados e acolhidos. Uma boa comunicação assertiva entre os parceiros é fundamental para a satisfação da relação. Além, é claro, do consentimento.”
Conforme a psicóloga, os adeptos dos relacionamentos abertos normalmente entendem que é natural sentir atração por outras pessoas que não a parceria. Com isso, costumam ter possibilidade de viverem mais livremente no que diz respeito à expressão de seus desejos. “Um ponto negativo é o grande preconceito que ainda existe em relação a quem decide por esse estilo de união. Formas de amor que desafiam o tradicionalismo costumam sofrer repressões. Porém, estamos vendo sinais de um processo migrando de um padrão mais rígido para um entendimento mais amplo”, acrescenta. O futuro ainda é incerto, mas transformações já estão acontecendo.”
Renata enfatiza que é fundamental que a sociedade reconheça a existência das várias possibilidades para os relacionamentos, e que não existe a certa ou a errada. “Recomendo ler bastante sobre o assunto para estudá-lo e, claro, procurar terapia para tratar das questões mais difíceis que surgirem.”
Novas configurações
Discussões sexuais pautadas pelo comportamentos:
1 - Sapiossexual: termo utilizado para definir pessoas que sentem atração sexual pela inteligência, se atrai e se envolve pela inteligência do outro acima de qualquer atributo físico, estético ou social. Atração puramente pelo intelecto.
2 - Assexual: é a falta total, parcial ou condicional de atração sexual a qualquer pessoa, independente do sexo biológico ou gênero. Assexuais tendem em sua maioria a apresentar pouco ou inexistente interesse nas atividades sexuais humanas.
3 - Demissexual: caracteriza pelo surgimento de atração sexual somente quando existe envolvimento ou conexão emocional ou afetiva com essas pessoas. A pessoa se sente atraída por outra apenas quando há um vínculo afetivo entre elas. Ela apresenta um caráter condicional: o tesão só aparecerá caso intimidade, confiança ou admiração se fizerem presentes.
4 - Poliamor: Possibilidade de estabelecer mais de uma união afetivo-sexual com a concordância de todas as partes envolvidas. Existe vínculo amoroso/afetivo.
5 - Relação aberta: são mais associados a pessoas que têm um parceiro principal, mas podem ter outros relacionamentos mais casuais, principalmente sexuais, com outras pessoas.
6 - Poligamia: quando uma pessoa criar laços matrimoniais com várias outras ao mesmo tempo, com o conhecimento de todos os envolvidos.
7 - Polifidelidade: envolve diversos relacionamentos amorosos e sexuais, mas apenas entre os indivíduos que pertencem a este grupo.
8 - Trisal: relacionamento a três, geralmente fechado (onde os três não costumam sair com outras pessoas). Ou seja, é um relacionamento não monogâmico, mas não necessariamente é um relacionamento aberto.
9 - Anarquia Relacional: modelo de relacionamento em que há relação afetiva entre duas ou mais pessoas, mas sem que adotem qualquer noção de hierarquia, não sendo regido por regras pré-estabelecidas.
10 - Casal swinger: casal que pratica troca de casais, ou seja, não existe exclusividade sexual entre o casal, mas existe a exclusividade do vínculo amoroso entre os dois.
* Fonte: Renata Lanza de Melo Franco, psicóloga, especialista em sexologia, educação sexual e relacionamentos/Pesquisa
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