A má alimentação foi responsável por 70% dos novos casos de diabetes 2 registrados em 2018, segundo uma pesquisa publicada na revista Nature Medicine. Usando um modelo computacional e dados de 184 países, incluindo o Brasil, os cientistas da Universidade de Tufts, nos Estados Unidos, calcularam que comer mal contribuiu para mais de 14,1 milhões de diagnósticos da doença naquele ano. Excesso de carboidratos refinados e de carne processada, além da ingestão insuficiente de grãos integrais, foram os principais fatores associados.



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O levantamento mostra que, somente no Brasil, o número de novos casos do distúrbio metabólico associados à alimentação passou de 193.990 (1990) para 532.972 (2018). Percentualmente, há cinco anos, 83,3% dos diagnósticos brasileiros de diabetes 2 tiveram relação com uma dieta inadequada. No país, os pesquisadores identificaram um aumento significativo no consumo de carne processada — como salame, salsicha e mortadela — nas duas últimas décadas. Esse tipo de produto estaria associado a 46,5% das notificações da doença em 2018. Já a baixa ingestão de cereais integrais pesou em 37,9% das ocorrências no mesmo ano.

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"Nosso estudo sugere que a baixa qualidade dos carboidratos é um dos principais impulsionadores de diabetes tipo 2 atribuível à dieta em todo o mundo, e com variações importantes por país e ao longo do tempo", disse, em nota, o autor sênior Dariush Mozaffarian, professor de nutrição na Tufts. "Essas novas descobertas revelam áreas críticas para foco nacional e global a fim de melhorar a nutrição e reduzir a carga devastadora do diabetes."

A doença, que afeta mais de 62 milhões somente nas Américas, é caracterizada pela resistência das células à insulina. Como interfere no funcionamento de diversos órgãos e pode causar problemas distintos — amputações, cegueira e insuficiência renal, por exemplo —, o distúrbio tem um impacto crescente nos sistemas de saúde, além de ser responsável por 1,5 milhão de mortes prematuras por ano, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).





O estudo baseia-se em um banco de dados dietético global e acrescenta registros demográficos, estimativas de casos de diabetes 2 e informações sobre a influência das escolhas alimentares em pacientes de distúrbios metabólicos publicadas em artigos anteriores. Uma das constatações é a de que, globalmente, uma dieta pobre em nutrientes e rica em ultraprocessados está causando uma proporção maior da incidência total da doença em homens, adultos jovens e moradores de áreas urbanas.

Em termos regionais, Europa Central e Oriental (especialmente Polônia e Rússia) e Ásia Central apresentaram os maiores casos de diabetes 2 associados à dieta. Na América Latina, onde a incidência também foi alta, além do Brasil, destacam-se Colômbia e México — nesses dois países, o excesso de consumo de bebidas açucaradas soma-se à ingestão de carnes processadas e de grãos processados como principal causa alimentar da doença.

O sul da Ásia e a Ásia Subsaariana foram as regiões onde a dieta menos impactou na prevalência de diabetes 2. Nos 30 países mais populosos que entraram no estudo, Índia, Nigéria e Etiópia tiveram o menor número de casos da doença relacionados à alimentação não saudável.





Epidemia global

"Sem controle e com incidência projetada apenas para aumentar, o diabetes tipo 2 continuará a impactar a saúde da população, a produtividade econômica e a capacidade do sistema de saúde, além de impulsionar as desigualdades de saúde em todo o mundo", afirma Meghan O'Hearn, primeira autora do estudo. "Essas descobertas podem ajudar a informar as prioridades nutricionais para médicos, formuladores de políticas e atores do setor privado, pois incentivam escolhas alimentares mais saudáveis que abordam essa epidemia global".

O endocrinologista João Lindolfo Borges, da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), concorda. "O que precisa ser feito é educação alimentar governamental, como já foi feito em alguns lugares do mundo, valorizando alguns tipos de alimentação, explicando o que são os alimentos ultraprocessados, as carnes processadas, o uso excessivo de refrigerantes e as consequências disso", diz. Ele ressalta que os dados mostram um aumento da doença em jovens, quando, na década de 1990, os diagnósticos eram mais comuns a partir dos 50 anos.


Segundo O'Hearn, outros estudos recentes estimaram que 40% dos casos de diabetes tipo 2 em todo o mundo são atribuídos a uma dieta abaixo do ideal, percentual inferior aos 70% relatados no artigo atual. Ela atribui a diferença a informações consideradas na análise da equipe de Tufts e que não estavam presentes nas demais pesquisas. Entre elas, a inclusão da ingesta de grãos refinados, que acabou se revelando um dos principais contribuintes para a incidência da doença. Também foram incluídos dados atualizados sobre hábitos alimentares baseados em pesquisas dietéticas nacionais ao nível individual em vez de estimativas agrícolas, como o de costume.





Três perguntas para

Bruno Babetto, médico pós-graduado em endocrinologia e metabologia da clínica Tivolly

Bruno Babetto

(foto: Arquivo pessoal)


O que pode explicar o aumento mundial nos casos de diabetes?

O diabetes tipo 2 é uma das emergências de saúde global que mais cresce no século 21. Esse aumento é impulsionado pelo envelhecimento da população, desenvolvimento econômico e aumento da urbanização, levando a estilos de vida mais sedentários e a maior consumo de alimentos não saudáveis associados à obesidade. No estudo publicado na Nature Medicine, os maiores índices de diabetes tipo 2 foram atribuídos à ingestão insuficiente de grãos, à ingestão excessiva de arroz refinado, trigo e carne processada.

Ademais, em geral, nos países em desenvolvimento, a doença atribuível à dieta foi geralmente maior entre residentes urbanos versus rurais e em indivíduos com maior escolaridade versus com menor escolaridade. Ou seja, o estudo corrobora com a preocupação global de médicos, cientistas, gestores públicos e sociedade em geral acerca do crescente e alarmante número de pessoas atingidas pelo diabetes tipo 2.

Como deve ser a alimentação do paciente de diabetes 2?

A terapia nutricional é uma das partes mais desafiadoras do tratamento, com impacto decisivo na obtenção e na manutenção do controle glicêmico. Entende-se por terapia nutricional não somente a educação alimentar ou o controle de peso, especialmente por meio de uma alimentação saudável, mas também mudanças de estilo de vida (mais ativo e menos sedentário). Além de ser essencial para a obtenção do bom controle glicêmico, a terapia nutricional é decisiva para o sucesso da terapia farmacológica. As medicações são um suporte importante no tratamento. Mas o que deve ocorrer é a verdadeira mudança no estilo de vida.




Quais as implicações do estudo para políticas de saúde pública?

O Brasil tem cerca de 15,7 milhões de pessoas com a doença, mais de 14 milhões com tipo 2, ocupando o sexto lugar no ranking mundial. A estimativa para 2045 é de que mais de 23 milhões de pessoas terão diabetes no país, segundo o último Atlas do Diabetes da International Diabetes Federation. Esses milhões de brasileiros necessitam de orientações específicas para o planejamento e mudanças de hábitos alimentares e no estilo de vida. O diabetes continua a ser um desafio sério e crescente para a saúde. Pessoas que vivem com a doença correm o risco de desenvolver várias complicações debilitantes e potencialmente fatais, levando a uma maior necessidade para cuidados médicos, qualidade de vida reduzida e morte. Globalmente, o diabetes está entre as 10 principais causas de mortalidade. Por isso, políticas públicas que promovam o diagnóstico precoce (controle da pressão arterial, do colesterol e do peso), bem como a educação quanto a alimentação saudável, menor ingestão de alimentos processados, e promoção de vida ativa (atividades físicas regulares, combate ao sedentarismo e ao sobrepeso), são essenciais no tratamento

 

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