Uma pesquisa do Conselho Federal de Farmácia (CFF), por meio do Instituto Datafolha (2019), constatou que a automedicação é um hábito comum a 77% dos brasileiros. Quase metade (47%) se automedica pelo menos uma vez por mês, e um quarto (25%) o faz todo dia ou pelo menos uma vez por semana. O estudo detectou ainda uma outra modalidade de automedicação, aquela em que a pessoa foi ao profissional de saúde, teve um diagnóstico, recebeu a receita, mas não usa o medicamento conforme orientado, altera a dose receitada. Comportamento relatado pela maioria dos entrevistados (57%), especialmente homens (60%) e jovens de 16 a 24 anos (69%).
O risco é enorme, ainda mais com uso de medicamento viralizando na internet e nas redes sociais, tendo visibilidade com celebridades, sub-celebridades, influencers, famosos... O zolpidem é a bola da vez. O medicamento é um hipnótico com efeito sedativo, relaxante e ansiolítico, indicado para insônia, mas com as pessoas ingerindo-o para depressão, tristeza.
De acordo com Davi Teixeira Urzedo Queiroz, neurologista do Hospital Vila da Serra, "o zolpidem é um medicamento indicado para quem tem insônia, tanto pela demora em começar a dormir, mas também para aquelas pessoas que acordam muito durante a noite. Mas não é tão simples assim. O ideal, conforme as recomendações, é que ao fazer uso do zolpidem, a pessoa se planeje para dormir entre 7 a 8 horas por noite. Dessa forma, uma das maneiras mais equivocadas de se fazer o uso do medicamento é não programar o horário do sono – a consequência é que, ao acordar pela manhã, ainda pode haver efeito do medicamento, com redução da atenção e da concentração, de modo que a pessoa se coloca em risco ao dirigir e até mesmo ao atravessar a rua".
O neurologista destaca que muitas pessoas acabam utilizando doses maiores do que as recomendadas devido ao receio de que a dose habitual não faça o efeito desejado. "Compreendo a aflição de quem está, por vezes, há noites sem dormir, mas a dose elevada pode causar um risco aumentado de quedas, principalmente em quem tem mais de 65 anos, alterações comportamentais (agitação, ansiedade, alucinações) e até mesmo confusão mental."
Ideação e tendência suicida
Davi Teixeira Urzedo Queiroz explica que alguns estudos mostraram que o zolpidem pode causar alterações comportamentais e neuropsiquiátricas, como transtorno depressivo e ansiedade: "Há, inclusive, estudos que mostram um risco aumentado de ideação e tendência suicida. Dessa forma, pacientes que já apresentam transtornos de humor não deveriam fazer uso do medicamento, a não ser que haja indicação médica e, quando houver, que o acompanhamento do paciente seja feito com bastante cuidado".
O neurologista alerta que há relatos de sintomas de abstinência do medicamento, ou seja, sintomas de que o corpo está "dependente" do zolpidem, mas são raros. "Quando há suspensão do medicamento, seja pelo controle adequado da insônia, com mudanças comportamentais e de hábitos, ou por necessidade de troca do medicamento, recomenda-se que a redução da dose seja feita de forma gradual; não por uma dependência do medicamento, mas sim para evitar alguns efeitos colaterais que chamamos de "rebote", que seriam efeitos contrários aos previstos pelo medicamento – por um a dois dias pode haver uma maior dificuldade para iniciar o sono, por exemplo. De toda forma, são efeitos transitórios, que não vão persistir, além de não caracterizar dependência em si."
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Higiene do sono
O médico frisa que o principal tratamento da insônia são medidas comportamentais e de higiene do sono. "O que ocorre muitas vezes é que a pessoa se sente incapaz de conseguir dormir sem tomar o medicamento, porém não cria as mudanças em seus hábitos para que isso possa acontecer. Acaba sendo interpretado como um vício ou dependência do medicamento, mas vale sempre lembrar que o principal tratamento da insônia são as mudanças de alguns hábitos."
Risco do consumo com álcool
O neurologista alerta que o zolpidem age no cérebro por meio de alguns receptores dos neurônios que reduzem a atividade cerebral, como uma espécie de sedativo. "O álcool atua de forma semelhante, por isso que depois de um momento de euforia com o uso do álcool, a pessoa fica sonolenta, cambaleando e acaba, por vezes, desmaiando. Fazer uso de bebidas alcoólicas e do zolpidem ao mesmo tempo aumenta muito a chance de que o efeito sedativo seja ainda maior. Daí o grande risco de se envolver em acidentes, de se machucar ao cair, de desmaiar, de apresentar alucinações, confusão mental, comportamento agressivo, amnésia, ansiedade e depressão."
Dirigir sem saber, fazer sexo e não se lembrar
O fato de o assunto zolpidem ter viralizado na internet é bem perigoso, avisa Davi Teixeira Urzedo Queiroz. "Muito preocupante. O zolpidem pode apresentar efeitos adversos que chamamos de distúrbios do sono. Esses efeitos são sonambulismo, fazer coisas enquanto ainda dorme e não se lembrar depois: a pessoa pode levantar durante a noite e comer, pode sair de casa e dirigir o próprio carro, pode apresentar alucinações durante o sonambulismo, além de haver relatos de quem teve relação sexual e não se recordou. Há casos em que os distúrbios do sono causaram graves acidentes, inclusive óbitos. Esses eventos têm mais chance de acontecer em pacientes do sexo feminino, com uso concomitante de álcool, ingestão do medicamento antes do horário previsto, e também quanto maior for a dose do medicamento."
Uso inadequado, sem acompanhamento médico
Para o neurologista, o que mais preocupa é que cada vez mais se observa o uso inadvertido do zolpidem, sem indicação adequada, sem acompanhamento médico. "Dessa forma, estão mais frequentes os casos de pessoas que se acidentam ou provocam algum dano a terceiros pelo uso incorreto do medicamento."
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Entre 2012 e 2021, o número de caixas comercializadas de zolpidem subiu 676%, segundo dados fornecidos pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Entre janeiro e junho deste ano, 10,6 milhões de caixas do remédio foram comercializadas, o que representa mais da metade (55,6%) do total de 2021. A média de caixas vendidas por mês em 2020 foi de 1,94 milhão; em 2021, 1,58 milhão. Só no primeiro semestre deste ano, esse número chegou a 1,76 milhão.
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Controle de receita médica
Um salto de consumo assustador, mesmo sendo um medicamento com controle de receita médica. "De fato, o medicamento é controlado e a receita deve ficar retida. Porém, há uma tendência enorme de "troca de experiência" entre os próprios pacientes. Quem aqui não tem um vizinho, amigo ou colega que comentou, "Você está com dificuldade para dormir? Tome esse remédio aqui que meu médico me passou, é ótimo!?" Nesse cenário, temos uma pessoa que detém a prescrição médica para compra e outra que não possui, mas a primeira acaba consumindo além do esperado, já que compartilha o medicamento. Há ainda situações em que as farmácias, principalmente de bairros e cidades menores, permitem que o paciente leve a receita depois", alerta o médido neurologista.
Conheça o zolpidem quimicamente
Alexandra Flávia Gazzoni, coordenadora do curso de biomedicina da Estácio BH, explica que existem classes distintas de medicamentos sedativos-hipnóticos. O zolpidem é um gente não benzodiazepínico. "Os benzodiazepínicos são fármacos hipnóticos e ansiolíticos com ação nos receptores GABA-A, que estão localizados nas membranas sinápticas – um dos locais de ação dos fármacos nos tecidos neuronais (neurônios). Eles não têm atividade antipsicótica, nem ação analgésica ou algum efeito ansiolítico proeminente e não afetam o sistema nervoso autônomono. Ao contrário dos benzodiazepínicos, os fármacos não benzodiazepínicos apresentam um maior efeito sedativo e, assim, a sedação é o principal efeito atribuído ao zolpidem".
O zolpidem é de ação curta e isso significa, conforme a bioméica, que "ele apresenta um início rápido de atividade, ou seja, sua ação é rápida apresentando um tempo de início de sintomas de duas, quatro horas em média após a sua ingestão".
Alexandra diz que, por apresentar um maior efeito sedativo, quando comparado aos seus efeitos miorrelaxante, ansiolítico e anticonvulsivante, "zolpidem é indicado para tratamento de insônia ocasional, transitória ou crônica. O fármaco diminui o tempo de indução do sono, ou seja, o paciente cai no sono mais rápido, com aumento da duração do sono sem despertares noturnos".
Dependência física psíquica
E quais os riscos do uso inadequado? "O medicamento tem potencial de desenvolvimento de abuso e capacidade de gerar tolerância ao uso exagerado. No entanto, o principal risco no seu uso indiscriminado e equivocado é a dependência física e psíquica. Assim, muitas vezes o fármaco é utilizado como medida imediata, conduta que mascara a existência de um possível problema maior, que muitas vezes ainda é desconhecido pelo paciente. O uso do zolpidem pode provocar pesadelos, nervosismo, irritabilidade, agitação, agressividade, acessos de raiva, alucinações, distúrbios de comportamento e, até mesmo, aumentar os casos de suicídio e tentativa de suicídio em pacientes com ou sem depressão. Nestes últimos, o uso do medicamento exacerba os episódios depressivos e, portanto, os medicamentos hipnóticos são contraindicados em pacientes que sofrem ou estão em risco de depressão".
Outro risco, alerta a biomédica, é que a fórmula do zolpidem, com uso errado, pode afetar o efeito de outras medicações que a pessoa precise. "Sim, pode afetar. A combinação de zolpidem com outros fármacos é muito prejudicial, principalmente em idosos, pessoas debilitadas ou quem utiliza uma polifarmácia (usam muitos fármacos diários), uma vez que estes fármacos podem aumentar o estado de sonolência e comprometimento psicomotor."
Fernando Zor, risco do vício
Fernando Zor, dupla de Sorocaba, revelou que era viciado em zolpidem - remédio para tratamento de insônia. Segundo o sertanejo, ele tomava diariamente até 15 comprimidos do medicamento para “amenizar as angústias" durante o período em que teve depressão.
Zor contou que chegou a ficar sete dias internado para tratar a dependência química após ter uma crise de ansiedade em um voo. À época, ele misturou o medicamento com bebida alcóolica e não conseguiu prosseguir com a viagem para o Canadá - onde mora sua filha."Foi a pior experiência da minha vida", contou.
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