Cozinhar é pura química. Ela começa na magia das reações, das misturas de temperos e especiarias com os alimentos e fecha o ciclo com todos ao redor da mesa, saboreando o prato e reagindo ao sabor e troca de vivências. Redescobrir a experiência de transformar e preparar a própria comida é mergulhar na sua história, na da sua família e também na da humanidade.
É a chance diária de presentear o paladar e despertá-lo para valores tão caros, guardados na memória e, sim, formar novas lembranças. Momento sagrado para compartilhar a vida, a alegria, o afeto, os saberes, as dúvidas, os pesares e dores, hora de aprender, dividir e relaxar em meio a tempos de aceleração de tudo.
No entanto, ainda que o cozinhar, a alimentação saudável e equilibrada, a gastronomia, enfim, a comida, estejam na mente das pessoas, com programas pipocando na TV e no mundo virtual, há quem dedique cada vez menos tempo ao preparo das refeições. Podem até se preocupar com a qualidade e quantidade de calorias ingeridas, mas grande parte dispensa o tempo dentro da cozinha pela praticidade perigosa de consumir produtos industrializados, muitos mascarados de “saudáveis”.
Quem sabe é hora de rever esse comportamento, mudar de hábitos e voltar a vivenciar uma alimentação mais natural, fresca, sem conservantes - a chamada comida de verdade. Um chef muito conhecido de BH, Renato Quintino, que comanda o Espaço Renato Quintino, onde dá aulas de gastronomia para pequenas turmas há quase duas décadas (são 25 de cozinha), começou a se aventurar nesse universo aos 16 anos, sem imaginar que seria seu ramo profissional.
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“Gosto de cozinhar desde a adolescência, fazia pão e torta de banana, que ficavam muito bons. Tenho formação em filosofia, artes plásticas e, um dia, decidi que iria trabalhar preparando alimentos e nunca mais parei. Os melhores momentos da minha vida estão na cozinha. Cozinho diariamente no trabalho ou em casa e tenho a companhia dos meus filhos, João e Alice (agora nem tanto porque ela está morando na Holanda), e da minha mulher, Cláudia. Adoro, é o meu trabalho, mas acima de tudo um prazer.”
União
Renato Quintino diz que cozinhar é um momento de concentração ao lidar com o preparo do alimento, picar, temperar, sentir os aromas e sabores. “Também é hora de agregar. A cozinha é união, o melhor lugar da casa para o mineiro, que gosta de mesa farta, generosa e simples. A atmosfera de compartilhar o alimento é um ritual desde as antigas civilizações. Não é à toa que restaurante significa restaurar, ou seja, o cozinhar envolve o receber, ser anfitrião, a hospitalidade, hora de relaxar e na companhia da família. É perfeito.”
Com os filhos, Renato conta que aconteceu de forma natural. “Desde criança. Saíam comigo para comprar café moído na hora. Além disso, a cultura gastronômica faz parte do dia a dia da educação também. Cozinhar o próprio alimento. E nossa cozinha é um lugar para a família conversar todos os assuntos. A cozinha aceita falar de negócios, de situações de conflito e de amor, enfim, é um protocolo importante da humanidade. Na mitologia grega há diversos rituais envolvendo a comida, desde o casamento até os momentos fúnebres. Cozinha é emoção.”
Para o jornalista e redator João, filho de Renato, a família sempre prezou pela qualidade dos alimentos, sabor e momentos compartilhados. “A cozinha é o lugar da conversa em família, lugar de encontro, de ouvir e falar e celebrar, além de comer bem. É espaço de afeto, carinho e, em algum momento, virou um hobby para mim, um grande prazer e paixão.”
Lugar de afeto
João destaca que a comida ou a culinária envolve história, cultura, memória. “Você aprende a se conhecer, se conectar e apreciar não só o alimento, mas os momentos em que se está junto dos seus. Tenho vários pratos deliciosos e afetivos, mas a massa carbonara, um prato simples, barato e fácil, me faz carregar boas lembranças ao lado do meu pai. Fizemos várias vezes juntos. A cozinha é um lugar afetivo para nós dois. Temos a companhia da minha mãe e irmã, que assumem mais o papel da degustação”, conta.
Na correria com a finalização de um mestrado na Holanda, Alice conseguiu contar a relação da cozinha e do cozinhar com a família. “Na casa dos meus pais, a cozinha e a comida são coisas sérias. Todos cozinham muito bem, principalmente meu pai. Qualquer coisa em que ele encosta, tem um gostinho especial. A família tem muito afeto e o cozinhar agrega memória de infância, de acolhimento e aconchego. Para mim, morando na Holanda há sete anos, mato a saudade quando meus pais e meu irmão me visitam e, se estão aqui, sempre opto por almoçar em casa para poder aproveitar ao máximo os pratos do meu pai.”
Alice diz que os pratos que mais gosta da cozinha brasileira são feijoada, moqueca e o franguinho com quiabo. “É meu preferido. E tudo com gosto de casa, uma forma que me faz sentir no Brasil.” Para a mestranda, cozinhar para o outro é uma forma de cuidado. “Em casa, meu pai sempre cozinhou para a gente, com muito carinho. Lembro, desde criança, de pedir para ele me preparar uma torrada com queijo, cortada em quadradinhos. Ele fazia com o maior cuidado. E hoje, eu com 30 anos, continuo pedindo a torrada com queijo em quadradinhos.”
Ela revela que seu marido, Nout, também gosta de cozinhar e se arrisca ao lado do sogro chef. Enfim, Renato não só cozinha e ensina, foi dono de restaurantes, empresário, se tornou um estudioso, um viajante de roteiros gastronômicos autorais, e escreve sobre o tema. Tem publicado o livro “A Invasão dos Incas Venusianos – Receitas de Todos os Mundos”, com 150 receitas de autoria própria, em 2013, estruturado em capítulos que expressam diferentes contextos e referências da gastronomia pelo mundo.
Cozinhar o próprio alimento, valorizar a comida de verdade, de forma equilibrada e saudável, não é só um ato para ter energia e saciar a fome. Cozinhar é mais do que isso. É também cuidado com a saúde emocional, é desafiador, estimula a criatividade e contribui com a formação e desenvolvimento de vínculos com outras pessoas. Se você se inspirou, conheça mais histórias de vidas compartilhadas na cozinha.
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