A cannabis medicinal já faz parte da vida de pacientes diagnosticados com diferentes tipos de doenças, como Alzheimer e Parkinson, além de quadros de epilepsia, mas a sua utilização tem potencial para se expandir. Uma pesquisa divulgada ontem na revista BMJ Supportive & Palliative Care aponta que a substância pode ser receitada com segurança para pessoas que sofrem com dores causadas pelo câncer.
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Segundo o estudo, realizado em vários centros médicos do Canadá e liderado por Antonio Vigano, da Universidade de McGill, em Montreal, produtos que combinam os ingredientes ativos tetrahidrocanabinol (THC) e canabidiol (CBD) na mesma medida são particularmente eficazes. Conforme os pesquisadores, os resultados levam a concluir que a cannabis medicinal é um caminho satisfatório quando as drogas convencionais não conseguem atuar de forma efetiva.
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Durante a pesquisa, os especialistas analisaram as respostas ao tratamento de 358 adultos com câncer num período de três anos e meio, entre maio de 2015 e outubro de 2018. A idade média dos pacientes era de 57 anos, 48% dos quais eram homens. Os três diagnósticos mais comuns foram tumor urogenital, de mama e de intestino. A dor foi o sintoma mais relatado, sendo descrito por 72,5% das pessoas observadas, o que motivou a prescrição de cannabis medicinal.
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Ao longo da avaliação, produtos com maior concentração de THC, equilibrados entre THC e CBD e com mais CBD foram ministrados em 24,5%, 38% e 16,5% dos pacientes, respectivamente, e a via oral foi a mais recomendada, correspondendo a 59% das receitas.
Escala
Segundo o artigo, a intensidade da dor dos pacientes, os sintomas, o número total de medicamentos tomados e o consumo diário de morfina foram monitorados a cada três meses, durante um ano. Para avaliar a sensação dolorosa, os cientistas utilizaram uma escala móvel de zero, nenhuma a 10 (a pior possível). Também classificaram o alívio em 0% a 100%.
Comparado ao período pré-tratamento, o número de episódios de dor relatado pelos participantes, sofreu reduções, variando de 41,3% (aos três meses de observação) a 32,8% (em nove meses). A severidade da sensação também foi menor: diminuição da percepção de 37,5% (aos três meses) a 31,9% (em nove meses). Além disso, a cannabis medicinal parecia ser segura e bem tolerada, com 15 efeitos colaterais moderados a graves relatados por 11 pacientes, e outros 13 considerados menores. Os mais comuns foram sonolência e fadiga.
A médica oncologista Patrícia Schorn, coordenadora do Centro de Oncologia e Hematologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, explica de que forma as substâncias atuam no corpo para controlar as dores desencadeadas pela doença. "A cannabis age em receptores coccidioides presentes no sistema nervoso central. Tais receptores são relacionados a analgesia, bem-estar, controle de náuseas e sono. Estão presentes normalmente no organismo", assinala.
Opioides
Conforme os cientistas canadenses, mais da metade dos pacientes que passam por tratamento anticancerígeno e dois terços daqueles com doença avançada ou terminal sentem dor. Opioides mais fortes associados a outros medicamentos, como anti-inflamatórios e anticonvulsivantes, costumam ser prescritos para aliviar o sintoma.
No entanto, essas drogas trazem muitos efeitos adversos: para uma em cada três pessoas, a analgesia não será alcançada, além de ter que lidar com incômodos como náusea, sonolência, constipação e depressão respiratória.
Ricardo Augusto Bergold, médico anestesiologista especialista em dor oncológica, destaca a importância do estudo de novas drogas para tornar mais confortável o tratamento desses pacientes. "A utilização dos derivados da cannabis pode auxiliar na redução da dosagem dos opioides. Eles são importantes, porém, causam constipação e alterações hormonais. Nesse contexto é que as pesquisas envolvendo essa classe de medicações auxiliam a transpor, principalmente, o preconceito, e auxiliam a embasar a utilização dos fármacos."
As conclusões dos autores do estudo mostram também que a quantidade total de medicamentos consumidos caiu consideravelmente em todos os checapes trimestrais e o uso de opioides diminuiu nas três primeiras avaliações. Para Bergold, isso se deve à interação entre a cannabis e as outras drogas. "O uso da cannabis faz parte da abordagem 'multimodal' do controle da dor. São diversas classes de medicações que, quando usadas em conjunto, possibilitam a redução da dosagem de medicações com maior potencial para efeitos indesejados, como os derivados da morfina."
Validação
Apesar dos resultados animadores, novos estudos devem ser feitos para validar o uso da cannabis medicinal para esses fins, acredita a oncologista Patrícia Schorn. "É muito importante evidenciar que o estudo demonstra eficácia e segurança na utilização de cannabis. Porém, ele é observacional, é de fundamental importância a confecção de estudos robustos e randomizados, onde o medicamento é comparado de forma tecnicamente ideal."
Por meio de comunicado, os pesquisadores assinalaram que os resultados positivos do trabalho se devem também à boa administração dos medicamentos pelos profissionais da saúde. "O perfil de segurança particularmente bom da cannabis medicinal encontrado nesse estudo pode ser parcialmente atribuído à supervisão rigorosa dos profissionais de saúde que autorizaram, dirigiram e monitoraram o tratamento."
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