Além de condições como tamanho e peso, a pesquisa mostrou que cães que passeiam com mais frequência são considerados menos agressivos que os outros

Além de condições como tamanho e peso, a pesquisa mostrou que cães que passeiam com mais frequência são considerados menos agressivos que os outros

Sergei Gapon/AFP

 

Mordidas, rosnados e latidos. Mesmo que comuns entre cães, esses comportamentos podem trazer transtornos e até colocar em risco pessoas e outros animais. Para entender o que causa esse tipo de reação, um novo estudo publicado na revista Applied Animal Behaviour Science relacionou fatores morfológicos, ambientais e sociais com as manifestações de agressividade dos pets. Os resultados mostram que, para além das características físicas, o comportamento do animal é moldado pelo contexto em que ele está inserido.

 

Por meio de um cruzamento de dados, o estudo feito por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) com 665 cães de diferentes raças e vira-latas mostrou que, além de condições como tamanho e peso, a incidência de agressividade está associada à história de vida desses animais e às características do tutor. "O objetivo dessa pesquisa é tentar oferecer uma perspectiva nova para o estudo da agressividade canina. Existem vários outros fatores, inclusive genéticos, que podem afetar as características e o desenvolvimento comportamental de um cão", contextualiza Flávio Ayrosa, primeiro autor do artigo.

 

 

 

Fugindo da abordagem tradicional, que delimita a raça do cão a característica decisiva para o seu nível de hostilidade, os cientistas aplicaram questionários priorizando a descrição de outros fatores envolvidos na vida do animal, como aspectos morfológicos e a rotina com os tutores. A coleta de dados se deu por meio de três questionários on-line: dois deles, desenvolvidos pela equipe de pesquisa do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP), avaliaram informações gerais do animal e do tutor e a interação entre eles.

 

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Por sua vez, o Canine Behavioral Assessment and Research Questionnaire (C-BARQ) foi traduzido, validado para o português e escolhido para avaliar o ambiente e a rotina canina, tendo como base domicílios urbanos. "O maior benefício desse questionário é a possibilidade de ter uma comparação com grandes amostras de cães do mundo todo e ver como essas diferenças têm uma raiz cultural e vão afetar o desenvolvimento dos animais", comenta Ayrosa.

 

A equipe também considerou, na análise, peso, altura, morfologia do crânio, sexo e idade dos animais. De acordo com os pesquisadores, essas particularidades possibilitam diferentes formas de interação entre o cão e o ambiente, o que resulta na expressão de comportamentos variados. "Você não tem uma tendência forte de um fator só. O que existe são perfis e características que estão sempre interagindo", reitera Ayrosa.

 

Entre os resultados, a equipe concluiu que o tamanho do animal é decisivo. "A altura afeta a percepção das pessoas e de outros cães sobre eles", afirma Ayrosa. "Em um cachorro grande, como o pitbull, rosnar é encarado de maneira diferente. Então, estudos mostram que, em um contexto urbano, cachorros maiores são mais adestrados para mostrarem menos esses sinais (de agressividade). Seria uma questão de como o tamanho do cachorro se traduz para o nosso contexto", detalha.

 

O peso, outro atributo, também influencia. À medida que o cachorro é mais pesado, por exemplo, ele se torna mais lento e menos reativo, o que influencia no seu grau de agressividade. O cruzamento dos dados evidenciou, ainda, que o risco de maior agressão dirigida ao tutor tende a ser maior entre os braquicefálicos (com focinho mais curto), em comparação aos mesocefálicos, cuja parte do corpo tem comprimento médio, considerando a proporção com a cabeça.

 

PASSEIOS Quanto ao comportamento e às características do tutor, a análise indicou que os cães que passeiam com mais frequência são considerados menos agressivos, e os que têm mulheres como tutores demonstraram um comportamento menos hostil, quando comparados aos tutorados por homens.

 

Para Eduardo Bessa, professor da Faculdade de Ciências da Vida e da Terra da Universidade de Brasília (UnB), campus Planaltina, o artigo mostra que os aspectos genéticos se complementam com questões ambientais, e que, a depender da criação, uma raça vista como dócil pode até se tornar agressiva. "Essa construção da agressividade e do comportamento como um todo é derivada de fatores como base genética, morfologia e tamanho, mas também por fatores ambientais, como criação, adestramento e até quantidade de passeios", afirma. "A interação entre esses fatores é o que gera o resultado comportamental."

 

O professor ressalta que, apesar da genética ser relevante, ela não é o único aspecto que vai determinar o comportamento de um cachorro. "Existe uma base genética que não é desprezível. Nós temos, sim, raças que foram selecionadas ao longo das gerações para serem mais agressivas, como é o caso do rottweiler e do dobermann", afirma. "Você tem um substrato genético de uma raça que é considerada muito agressiva, mas que, no ambiente certo de criação, pode desenvolver um comportamento diferente daquele que é esperado."

 

Ayrosa contribui com essa perspectiva afirmando que, quando uma pessoa escolhe determinada raça de cachorro, ela também cria expectativas por determinados comportamentos. Mas essas características, enfatizam, podem ser coibidas ou incentivadas. "Se você educar, qualquer cachorro pode se tornar agressivo ou qualquer cachorro pode se tornar menos agressivo", conclui.

 

*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza