Depois da detecção da contaminação de duas aves silvestres pelo vírus causador da gripe aviária, em Marataízes e Vitória, no Espírito Santo, anunciada em tom de alerta pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), na última segunda-feira (15/5), o Ministério da Saúde notifica suspeita da doença em um ser humano na capital capixaba. O caso foi observado nessa quarta-feira (17/5) e a pasta divulgou a informação por meio de comunicado.
O paciente, que está isolado e acompanhado por equipes de saúde da cidade, é um homem de 61 anos que trabalha em um parque onde está uma ave que testou positivo para a doença. Ele manifesta sintomas gripais leves. Ainda assim, trata-se de uma suspeita - não há casos confirmados em humanos no Brasil.
A influenza aviária é transmitida pelo contato com aves doentes, vivas ou mortas. Diante das ocorrências em alguns países, já é de conhecimento que o vírus não infecta os seres humanos de maneira fácil e, mesmo quando isso acontece, normalmente a transmissão entre pessoas não é sustentada.
O assunto está na pauta do dia depois da informação do Mapa sobre a contaminação de duas aves da espécie Thalasseus acuflavidus, de nome popular trinta-réis-de-bando, no Espírito Santo, as primeiras ocorrências no Brasil. Mesmo com o alerta, são aves silvestres e não animais criados para produção industrial de carne e ovos.
A gripe aviária é uma doença viral altamente contagiosa que afeta, principalmente, aves silvestres e domésticas. Atualmente, o mundo tem passado por uma pandemia da doença. A maioria dos casos está relacionada ao contato de aves silvestres migratórias com aves de subsistência, de produção ou aves silvestres locais.
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A gripe aviária tem vários subtipos de vírus - H5N1, H5N8, H7N9 ou H9N2. O H3N8 é o mais recente e foi o causador da morte de uma mulher de 56 anos na China. O pediatra, epidemiologista e mestre em medicina tropical, professor emérito da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais e assessor científico do Hermes Pardini, José Geraldo Leite Ribeiro explica que "esse é o último tipo de preocupação, mas eventualmente outros influenza A de origem aviária chegaram a atingir humanos, mas nunca com transmissão interhumana. E essa é a grande preocupação e motivo de vigilância epidemiológica da Organização Mundial da Sáude (OMS). Claro, falando de saúde humana, porque também há um potencial de impacto econômico destes bichos, principalmente nos criadores de aves, muito importante".
Segundo o especialista, os vírus influenza infectam todos os animais de interesse de produção, como aves, bovinos, caprinos, porcos, mas o maior risco de uma ponte direta de um vírus desses animais para o homem é realmente em relação à influenza aviária. José Geraldo esclarece que, eventualmente, ocorrem óbitos causados por vírus da influenza aviária em humanos, esporadicamente. "Mas nenhum destes vírus adquiriu ainda a capacidade de se transmitir entre os humanos. Geralmente, os que têm adoecido são pessoas que cuidam diretamente de aves, são infectados e têm doença grave", informa. O epidemiologista destaca que, embora com sintomas semelhantes à influenza, os quadros causados por esses vírus de origem aviária costumam ser mais graves, "com percentual de óbito maior do que os relacionados aos vírus influenza do homem".
O vírus, que também já foi detectado em populações de cavalos e focas, circula desde de 2022 e o motivo da atenção é sobre a possibilidade de se espalhar pelo mundo. Os sintomas são basicamente os mesmos de uma gripe comum, como tosse, dor de garganta, secreção nasal, dor abdominal, mal-estar e febre. "A diferença nos casos de H3N8 é que a progressão da doença é muito rápida e com complicações mais graves, como pneumonia grave e insuficiência respiratória. Então, o início dos sintomas é semelhante, o que diferencia é a intensidade e a progressão da doença que é extremamente rápida porque o vírus não está acostumado a infectar seres humanos", aponta o infectologista e coordenador da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital Vila da Serra, Cristiano Galvão de Melo.
Cristiano destaca ainda que é um vírus que ainda não preocupa e não coloca a população em alerta, justamente porque não tem a capacidade de infecção em humanos e a transmissão é muito difícil. "O vírus não tem capacidade de infectar um ser humano em contato com outro ser humano. Daí não haver motivo de preocupação de infecção entre as pessoas. E, mesmo que ocorra essa transmissão, o vírus terá dificuldade em provocar doença em seres humanos. Então, no momento, não tem nenhum alarme, risco, nada que possamos nos preocupar com disseminação como ocorreu com a COVID-19", pondera.
Já existe um plano de contingência com estratégias para situações em que não há casos e também para possíveis registros de surtos de gripe aviária, pontua o especialista em doenças infecciosas e parasitárias e professor de medicina veterinária do Centro Universitário de Brasília (CEUB), Lucas Edel. Ações de vigilância ativa em aves, vacinação de aves, abate preventivo de aves infectadas e medidas de biossegurança nas granjas são algumas das medidas utilizadas para controlar e prevenir a doença em humanos. "A Influenza, de uma forma geral, costuma se manifestar de forma mais grave em pessoas com algum tipo de imunossupressão. Idosos e crianças, que têm sistemas imunológicos em declínio e em formação, respectivamente, podem ser considerados grupos de maior risco", acrescenta.
Sobre as precauções a serem tomadas em relação à doença, Lucas reforça que, no momento, não há recomendações diretas para a população, mas sim para criadores ou pessoas que trabalham diretamente com aves. "É importante seguir medidas de biossegurança, como lavar bem as mãos após o contato com aves, evitar o contato com aves doentes, utilizar equipamentos de proteção adequados e garantir a limpeza e desinfecção de ambientes e equipamentos relacionados à criação de aves."
E, sobre como a gripe aviária pode afetar a indústria avícola e a economia em geral, o especialista reforça que o impacto negativo da detecção de influenza aviária é que pode gerar uma condição no mundo de falta de vigilância e controle dessa doença, o que pode ter repercussões significativas na economia regional, nacional e internacional. "Por exemplo, se for detectada influenza aviária em uma granja com duas mil ou cinco mil aves, todas as aves precisam ser abatidas, o que pode causar um peso econômico considerável. Além disso, a detecção de influenza aviária no Brasil, sendo um dos principais exportadores de carne de aves do mundo, pode levar à suspensão das exportações dessa carne", diz Lucas.
O vírus H3N8 foi detectato pela primeira vez na América do Norte e era considerado, até agora, como suscetível de ser transmitido para cavalos, cães e leões marinhos e, principalmente, em pássaros. Em abril e maio de 2022, foi confirmada sua presença em humanos na China, até então sem causar mortes. Em março de 2023, uma chinesa foi hospitalizada com pneumonia grave e faleceu vítima da gripe aviária, segundo confirmou a OMS. "A paciente tinha múltiplas condições subjacentes" e "antecedentes de exposição a aves de criação vivas antes do aparecimento da doença e antecedentes de presença de aves selvagens ao redor de sua casa", disse a entidade em comunicado. Recentemente, também foram confirmados focos em aves silvestres e domésticas em países como Argentina, Bolívia, Uruguai, Colômbia, Venezuela, Chile e Equador.
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