Duas gestações solidárias para duas amigas.

Primeiro, a maquiadora Luciene Alves de Melo, de 38 anos, se ofereceu para ser barriga solidária para uma amiga que teve câncer e não poderia passar por uma gestação.





A moradora de Goiânia diz que não pensou duas vezes. Filha adotiva, doadora de sangue, de medula óssea e também de óvulos, a maquiadora afirma que desde muito pequena se dedica a ajudar outras pessoas.

“Já tinha ouvido falar, por cima, sobre barriga solidária. Essa minha amiga já tinha um filho gerado dessa maneira e sonhava em completar a família tendo um segundo filho. Ela tinha um último embrião e precisava de alguém para gestar para ela”, conta.

A criança, de quem Luciene é madrinha, nasceu em 2022 e completou um ano em abril.

O procedimento de gestação de substituição, popularmente conhecido como barriga solidária, é diferente da chamada barriga de aluguel, quando existe um interesse financeiro por trás da gestação e não autorizada no Brasil.

A gestação de substituição não tem fins lucrativos e é prevista em resolução do Conselho Federal de Medicina, que busca garantir mais segurança nos procedimentos quanto para as pessoas envolvidas. (Veja mais detalhes abaixo)

“A cessão temporária do útero não pode ter caráter lucrativo ou comercial e a clínica de reprodução não pode intermediar a escolha da cedente”, diz trecho da resolução.





Ainda conforme a norma, a gestação de substituição pode ser realizada por familiares de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até 4º grau (mãe ou filha, vó, irmã, tia, sobrinha e prima). Caso contrário, como na situação de Luciene, é preciso uma autorização do Conselho Regional de Medicina (CRM).

Para obter essa autorização, é necessário um laudo psiquiátrico e exames médicos que comprovem a boa saúde da mulher que vai gestar a criança. A autorização demora em torno de dois meses para ser emitida pelo órgão, prazo que pode variar conforme o estado em que foi solicitada.

“É importante fazer avaliações para saber se a mulher está apta a passar pelo processo de gestar e depois lidar com o esvaziamento uterino, sabendo que o filho não é dela. É algo possível, mas que precisa ser trabalhado para preservar a saúde dessa mulher no futuro”, explica Carolina Hanna, psiquiatra do Hospital Sírio-Libanês.





“Esse acompanhamento pode ser mais ou menos intensivo, dependendo do suporte social e familiar que essa mulher tiver. Caso aconteça, até pela questão hormonal, uma situação pós-parto delicada, ela pode contar com um amparo.”

Nova gestação

Um ano após o nascimento do afilhado, Luciene está gestando mais um menino, para outra amiga que não pode engravidar por ter nascido com problemas no útero.

“Sempre sonhei em poder ajudar duas mães através da barriga solidária, mas não esperava que fosse tão próxima uma gestação da outra. Quando recebi o convite dessa outra amiga para gestar o filho que ela tanto sonha, fiquei surpresa e muito feliz”, comenta.


Luciene está ajudando a segunda amiga a realizar o sonho de ser mãe

(foto: Arquivo pessoal)

Todo o procedimento teve que ser realizado mais uma vez junto ao CRM. Luciene passou por avaliação psiquiátrica e médica, que atestaram boas condições para uma nova gravidez.





O procedimento foi feito em janeiro, e a maquiadora está no quarto mês de gestação.

“Para mim, estar grávida nunca foi difícil. Na minha cabeça, sei que aquele bebê não é meu. A maior dificuldade é no puerpério, porque os hormônios colocam em cheque a nossa razão e nossos sentimentos. Por isso é importante fazer todo o acompanhamento psicológico correto até um ano após o nascimento do bebê”, diz a maquiadora.

Luciene é mãe de um rapaz de 18 anos e diz que não pretende gerar mais crianças através do procedimento de gestação de substituição.

Como é o procedimento

O procedimento é realizado por meio de fertilização in vitro (FIV), técnica de reprodução assistida feita em laboratórios e clínicas autorizadas.

Nesse processo, é feita a união do espermatozoide do pai com o óvulo da mãe, em laboratório, para formação do embrião que depois é introduzido no útero de substituição. O material genético da mulher que vai gestar o bebê não é utilizado no procedimento.





A idade máxima das candidatas à gestação por técnicas de reprodução assistida é de 50 anos.

“As exceções a esse limite são aceitas com base em critérios técnicos e científicos, fundamentados pelo médico responsável, sobre a ausência de comorbidades não relacionadas à infertilidade da mulher e após esclarecimento ao (s) candidato (s) sobre os riscos envolvidos para a paciente e para os descendentes eventualmente gerados a partir da intervenção, respeitando a autonomia da paciente e do médico”, detalha a resolução.

Regras para barriga solidária no Brasil

No Brasil, as regras para a gestação de substituição, ou barriga solidária, estão descritas na resolução 2.320/2022 do Conselho Federal de Medicina. Ela detalha que:

A cedente temporária do útero deve:

- Ter ao menos um filho vivo;

- Pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (primeiro grau: pais e filhos; segundo grau: avós e irmãos; terceiro grau: tios e sobrinhos; quarto grau: primos);

- Caso não seja familiar até o quarto grau, deverá ser solicitada autorização do Conselho Regional de Medicina (CRM).

Nas clínicas de reprodução assistida, os seguintes documentos e observações devem constar no prontuário da paciente, segundo o CFM:

- Termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos pacientes e pela cedente temporária do útero, contemplando aspectos biopsicossociais e riscos envolvidos no ciclo gravídico-puerperal, bem como aspectos legais da filiação;

- Relatório médico atestando a adequação da saúde física e mental de todos os envolvidos;

- Termo de Compromisso entre o(s) paciente(s) e a cedente temporária do útero que receberá o embrião em seu útero, estabelecendo claramente a questão da filiação da criança;

- Compromisso, por parte do(s) paciente(s) contratante(s) de serviços de reprodução assistida, públicos ou privados, com tratamento e acompanhamento médico, inclusive por equipes multidisciplinares, se necessário, à mulher que ceder temporariamente o útero, até o puerpério;

- Compromisso do registro civil da criança pelos pacientes, devendo essa documentação ser providenciada durante a gravidez;

- Aprovação do(a) cônjuge ou companheiro(a), apresentada por escrito, se a cedente temporária do útero for casada ou viver em união estável.

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