Em mais de duas décadas, nenhum medicamento novo beneficiou pacientes de glioma de baixo grau, um tipo de tumor cerebral que atinge especialmente homens jovens e saudáveis. Um estudo apresentado no congresso da Sociedade Norte-Americana de Oncologia Clínica (Asco), que encerrou, ontem, em Chicago, nos Estados Unidos, traz esperança de uma droga que reduziu em 61% o risco de morte e a progressão do tumor. A substância vorasidenibe também retardou o uso de uma terapia tóxica, comparada ao placebo.
O estudo Indigo é o primeiro de fase 3 com grupo de controle voltado ao glioma de grau 2 com uma mutação chamada IDH1/2. Embora o prognóstico da doença seja melhor do que o de tumores com outro perfil genético, o tratamento atual está defasado e, no geral, os pacientes precisam passar por radioterapia e quimioterapia no começo do tratamento.
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Na pesquisa, a probabilidade dos participantes que tiveram acesso ao medicamento oral não serem submetidos a essas duas terapias mais tóxicas em 24 meses foi de 83,4%. Já no grupo placebo, o percentual foi de 27%.
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"Os pacientes com essa doença são tipicamente jovens, em média na quarta década de vida no momento do diagnóstico. Eles são saudáveis e estão se esforçando para manter uma vida normal, permanecer ativos, trabalhar e criar famílias, apesar do diagnóstico de um tumor cerebral maligno", disse o oncologista Ingo Mellinghoff, do Memorial Sloan Kettering Cancer, nos EUA, na apresentação do estudo. "Os resultados oferecem uma chance de mudar o paradigma de tratamento para esse tipo de glioma e podem trazer a primeira nova terapia direcionada para glioma de baixo grau", completou.
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O Indigo incluiu 331 pacientes com idade entre 16 e 71 anos, diagnóstico de gliomas de grau 2 e mutações IDH1/2 e que haviam sido submetidos a cirurgia para a retirada do tumor. Eles foram divididos em dois grupos aleatórios: o primeiro (168 pessoas) recebeu uma dose diária oral de vorasidenibe e o segundo (163) ficou com placebo.
Os ciclos do medicamento foram de 28 dias. O objetivo primário era avaliar a sobrevida livre de progressão da doença, enquanto o secundário foi analisar o tempo até que fosse necessário partir para um novo tratamento (químio e radioterapia).
Em média, nos participantes que usaram o medicamento, a doença voltou 27,7 meses depois do tratamento, versus 11,1 meses com placebo. "Nosso estudo mostra que o vorasidenibe atrasa significativamente o crescimento do tumor e a necessidade de terapias mais tóxicas", destacou Mellinghoff. Os principais efeitos colaterais foram fadiga, dor de cabeça, diarreia, náusea e elevação reversível de uma enzima hepática. A substância foi considerada segura.
"O estudo concentrou-se em pacientes que estavam no período de observação e espera antes do início da radiação e da quimioterapia. Essa janela na doença nos permitiu conduzir um ensaio controlado por placebo com um único agente e identificar um sinal muito claro de atividade da droga", disse o oncologista. "Esse é um projeto muito diferente da maioria dos ensaios atuais em glioma, que se concentram no cenário de doença recorrente ou em combinações com terapias estabelecidas", observou.
Rimas Vincas Lukas, oncologista da Universidade de Northwestern (EUA), que não participou do estudo acredita que o medicamento mudará a forma como a doença é tratada. "A potencial aprovação do vorasidenibe pode atrasar a necessidade de terapias mais agressivas, marcando uma mudança de paradigma nessa doença", afirma. "É realmente um passo importante em direção a uma terapia de câncer menos tóxica e mais precisa para esses pacientes jovens."
Incurável
Embora os gliomas mutantes IDH de grau 2 sejam considerados menos agressivos devido à progressão mais lenta, em comparação com os glioblastomas IDH de tipo selvagem, eles não podem ser curados e causam incapacidade significativa e mortalidade prematura entre os indivíduos afetados, diz o artigo sobre o estudo, publicado na revista The New England Journal of Medicine. Após a cirurgia, muitos pacientes são, inicialmente, acompanhados com ressonâncias magnéticas cerebrais em série, antes que a radiação e a quimioterapia se tornem necessárias para manter a doença sob controle.
"À medida que os dados amadurecem, será interessante ver que tipo de impacto o vorasidenibe terá na sobrevida geral", sugere Lukas. "Nessa doença, felizmente os pacientes vivem muito tempo, o que é diferente de muitas das doenças com as quais nós, como neuro-oncologistas, estamos acostumados. No glioma de baixo grau, estamos falando de uma escala de décadas, e não de meses."
O oncologista acredita que a aceitação do medicamento será rápida com a aprovação antecipada da droga para essa indicação, o que já aconteceu nos Estados Unidos. Ele também afirma que os médicos poderão, com o tempo, indicar o vorasidenibe para pacientes que já estão sendo tratados com quimioterapia ou radioterapia e para aqueles com o tumor em estágios mais avançados.
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