"Sexo vende e divide opiniões, e assim cresce o assunto nas redes sociais, gerando likes e repostagens"
Stany Rodrigues Campos de Paula, sexóloga e ginecologista
Como explicar corpos expostos, quase nus no carnaval, mas, por outro lado, o topless condenado na praia, sendo crime, um ato obsceno? Como entender o alto consumo de produtos eróticos, mas não se falar a respeito? E o acesso a sites fechados de conteúdo adulto e um “silêncio ensurdecedor” sobre o tema? Para Stany Rodrigues Campos de Paula, sexóloga e ginecologista do Hospital Vila da Serra, “existe uma contradição do que é possível no carnaval como sendo um momento de permissão social para o exercício da sexualidade e do prazer sexual, e as redes sociais, por sua vez, que estimulam um erotismo sem identidade que se contradiz com a religiosidade? As transgressões são a forma de manifestação dessa sexualidade e o consumo de pornografia vem, como esse exemplo, chocando aqueles que não conseguem ter um discurso de educação e de questionamento, trazendo a pauta de forma distorcida para a sociedade julgar. Não tem lado correto. Os dois extremos estão fazendo um desserviço para a sociedade”.
Ao pensar nas contradições entre o conservadorismo e a liberdade de expressão, para a sexóloga, as pessoas estão falando mais de sexo, mas os tabus continuam sendo uma movimentação social nas redes, onde as opiniões se dividem. “Ainda assim, as pessoas têm a figura da mãe como virgem sem pecado, e não conseguem interpretar o direito de homens e mulheres de buscar seu prazer, alimentando a ideia de que as pessoas acima de 40 anos não podem ter vida sexual. Sexo vende e divide opiniões, e assim cresce o assunto nas redes sociais, gerando likes e repostagens”.
Com tantas amarras, interpretações equivocadas e crenças ainda são comuns comportamentos vivenciados com outras pessoas que não os parceiros. Assim, fantasias e fetiches permanecem como tabus na hora de apimentar a experiência sexual e o que se ouve é “com a minha mulher, não”: “Acho que a falta de diálogo e as fantasias ainda estão no pecado, no não permitido, mas cada vez que esse assunto vem à tona é possível utilizar a educação sexual para levá-lo de uma forma mais adequada, e com isso permitir que “a minha mulher” acesse os direitos ao prazer que as “que não são minha mulher” têm direito”, acredita a sexóloga.
Nova geração
E não é só no sexo, mas o mundo vive um movimento conservador, com ênfase na exaltação dos papéis dos gêneros tradicionais. No século 21, a sexualidade ainda é um tema que carrega preconceitos e estereótipos. O programa da TV Globo, “Amor e Sexo”, comandado por Fernanda Lima, fez sucesso em 2009 (ficou 10 anos no ar), mas em um nicho. Ao sair do ar, fãs culparam o “ultraconservadorismo” do brasileiro, que rejeitou pautas progressistas.
“De todas as taras sexuais, não existe nenhuma mais estranha do que a abstinência”, disse o escritor e cronista Millôr Fernandes na década de 1970, naquela que se tornaria uma de suas frases mais conhecidas. E, hoje em dia, o que se vê é uma nova geração com pouca disposição para o ato sexual. Uma nova onda não marca o retorno dos jovens a velhos preconceitos. E, em outro cenário, com a tecnologia a favor e o fácil acesso ao sexo à distância, muitos preferem a onipresença das redes sociais do que o contato presencial e físico, o que seria algo novo, nada conservador”, explica a especialista.
“A geração millenium transa menos que as outras e também se envolve menos em vários outros assuntos, não tem um enfrentamento e a tolerância que as outras gerações têm. De um lado, as redes sociais aproximam e reencontram, mas por outro, diminuem as interações sociais. O toque é necessário para aflorar os desejos, os instintos e as sensações que não podem ser replicadas por uma tela ou um emoji”, diz..
No fim, a liberdade, a quebra de tabus e a naturalidade para falar sobre sexualidade e vivenciar o sexo seriam mais fáceis com a educação sexual. Para a sexóloga, a educação sexual começa desde quando os filhos nascem, no toque do corpo, na impressão dos sentidos, na fala natural, na valorização do prazer não erótico, das carícias e dos afagos, na permissão do beijo, na educação quanto ao abuso. “Se não conversamos com os filhos desde o começo sobre as sensações que temos no corpo, sobre a importância de se cuidar e não permitir que outros nos toquem de forma inadequada, não conseguiremos educar de forma não preconceituosa, ao não diferirmos os direitos e deveres de meninas e meninos devido ao gênero, responder as perguntas feitas nas idades adequadas, explicarmos sobre higiene e proteção.”
Conforme Stany, tudo isso se faz na tenra idade, e a escola deve ser uma fonte de educação. Em nenhum momento, acrescenta, ela incentivará a iniciação sexual precoce, e sim falará dos limites e das responsabilidades que o indivíduo tem em relação ao seu corpo e ao do outro. “Trazer o afeto para a relação e não apenas um jogo sexual. Descobrir como é importante a educação sexual e reprodutiva nas escolas como aliada dos pais e da família para diminuir as violências e a gravidez na adolescência.”
Para ler...
A psiquiatra Carmita Abdo, professora da Faculdade de Medicina na Universidade de São Paulo, é referência na medicina quando o assunto é a vida sexual dos brasileiros - em 2003 ela coordenou o maior estudo sobre sexualidade do país, o Prosex e até hoje referência para pesquisas de comportamento - em seu mais recente livro, de 2021, “Sexo no cotidiano“, pela editora Contexto, o primeiro escrito para o público em geral, e não só para médicos, onde discorre sobre o tema de maneira simples e sem preconceitos. Entre as falas do livro, que faz parte da Coleção Cotidiano, que busca explicar temas complexos do dia a dia de maneira dinâmica, sem perder a profundidade e relevância, tem: "O conceito de sexo saudável muda com o tempo. O que ontem era aberração, hoje pode ser extravagante, incomum ou até uma forma de ‘apimentar’ a vida sexual e ‘sair da rotina’"; E: "Sexo é a boca, a mão, o pênis e a vagina. No entanto, sexo também é obsessão, prazer, desejo ou repulsa. Prisão ou liberdade. Fome ou saciedade. Sexo é a força que nos põe na cama e a energia que nos tira dela. Sem a qual você não deita nem levanta, não vira a noite nem relaxa e dorme. É funcional ou disfuncional; convencional ou inusitado. É a primeira vez com virgindade e a última como despedida. Sexo é tudo o que existe e o que não existe sexo também é. Por isso, sexo é um fantasma que assombra a memória de quem já o teve e perdeu, vendeu, comprou ou emprestou. É a devoção de quem nunca rezou.”
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