A funcionária pública municipal Cynthia Andréia Antão Pires, de 45 anos, sempre manteve em dia seus exames preventivos e, desde os 40, fazia regularmente mamografia e ultrassom. Em 2019, não foi diferente e os exames não apresentaram nenhuma alteração.
Em fevereiro de 2020, ela percebeu, durante o banho, um pequeno caroço em seu seio esquerdo. “Achei estranho e conversei com duas colegas enfermeiras para saber se seria o caso de procurar uma mastologista, já que os exames recentes não tinham mostrado alterações e ambas recomendaram investigar. Assim fiz.”
Quando iniciou esse processo, passou pela cabeça dela que poderia ser um câncer e, ao se despedir da mastologista com os pedidos de exames em mãos, ela se lembra de ter dito: “Independentemente do que for, vai dar tudo certo! E assim foi!”.
Em abril, o resultado do histopatológico apontou um carcinoma invasivo tipo 3. Ela estava no trabalho quando abriu o resultado e no primeiro impacto o que sentiu foi medo e susto. Em seguida, ao compartilhar com suas amigas do trabalho a notícia, chorou por alguns minutos. “Fui acolhida e, daquele momento em diante, conectei-me com minha crença mais profunda de ser amada por Deus e de ter minha vida toda posta em suas mãos. Mesmo sem saber o que eu viveria dali em diante, descansei meu coração na certeza de que estava tudo certo e de que eu viveria a experiência do câncer da melhor forma possível, uma vez que sou cuidada por um Deus amoroso e que pensa nos detalhes.
Ela, neste período, pensava em fazer o seu melhor, primeiro por ela mesma e depois por aqueles a quem ama: filho, mãe, família e amigos que estavam naquele momento passando juntos com Cynthia pela loucura de uma pandemia, que impunha a todos o isolamento e toda a sorte de incertezas.
“Durante um ano e meio de tratamento, a fé me manteve em permanente estado de descanso. Experimentei a profundidade e a beleza de viver um dia de cada vez, lição que vale para qualquer pessoa em qualquer situação, porque o momento mais incrível da nossa vida é o agora. A cada medicamento que eu recebia, mentalizava que estava recebendo um elixir de cura e cada profissional de saúde eu enxergava como um anjo.” Nesse período, ela buscou aprender coisas novas e permitiu-se descansar.
RISADAS
Nas sessões de quimioterapia, quando ia acompanhada por uma amiga, dava, com ela, muitas risadas. “Fui grata, muito grata por poder estar em casa com meu filho durante meu tratamento devido à nova rotina de aulas remotas que a pandemia nos submeteu”, conta. Foi grata pelo trânsito tranquilo, pela facilidade em agendar consultas devido à pandemia. Um paradoxo incompreensível para ela: ser grata por ter descoberto um câncer durante a pandemia.
“Foi muito triste ver tantas pessoas morrendo nesse período. Mas eu nunca temi a morte. Não tenho medo da morte. O câncer me revelou que pior do que temer a morte é não fazer boas escolhas na vida, mantendo situações adoecedoras, que tiram diariamente a alegria e esperança. Estar morta em vida é a verdadeira tragédia.”
E nesse processo profundo de refletir sobre tudo isso, ela foi renascendo aos poucos ao longo do tratamento. Hoje, Cynthia tem uma visão completamente renovada sobre essa mesma fé que a sustentou ao longo desse período. Fez muitas mudanças, novas escolhas e continuou vivendo um dia de cada vez, tentando fazer de cada um deles a melhor experiência para ela e, se possível, para quem a cerca também. “Sigo curada, só por hoje, com muita fé em Deus, fé no amor e fé na vida.”
EXISTÊNCIA
Segundo a psicóloga Fernanda Fusco, especializada em educação parental, a psicologia se pronuncia sobre a fé com o olhar sobre aquilo que motiva a vida de uma pessoa ou o que dá significado à sua existência. “De acordo com as experiências que tenho observado nos atendimentos clínicos, a religiosidade e a espiritualidade são assuntos sempre presentes no cotidiano das pessoas e são muito relevantes para o equilíbrio de suas funções psíquicas”, diz.
“A OMS (2002) aponta os conceitos que envolvem a saúde mental como bem-estar subjetivo, autoeficácia percebida, autonomia, competência e autorrealização de potencial emocional e intelectual, tal como aspectos vinculados à qualidade de vida, à capacidade de amar, de trabalhar e de se relacionar com o outro. Podemos colocar a fé como o pilar central desses conceitos, pois, embora ela não seja verificável empiricamente, há inúmeros artigos científicos que apontam a fé como uma ferramenta terapêutica complementar, que impulsiona a pessoa a buscar o significado e o sentido da vida, o que por consequência ajuda na saúde ou no tratamento de saúde que o indivíduo está passando.”
Fernanda ressalta que existem artigos científicos cujos relatos se baseiam na percepção de que as pessoas com mais fé evoluem melhor quanto aos sintomas clínicos. “A fé é a pressuposição de uma certeza que não sabemos necessariamente o que é, mas que constataremos posteriormente. Baseada nessas afirmações e na leitura de vários autores como Freud, Winnicott e Dalgalarondo, por exemplo, ela é um rico campo de estudos para os processos psicológicos, cuja percepção é notada na clínica quando há redução da ansiedade ou da culpa, mesmo na mudança de posturas dos pacientes frente a algum desafio em suas vidas ou nas variáveis motivacionais.