
homem e mulher sorrindo
PixabayA falta de cuidado com a saúde bucal é associada a complicações em outras partes do corpo, para além de cáries e gengivite. Há fortes evidências científicas, por exemplo, da relação com doenças do coração. Agora, um estudo publicado na revista Neurology sugere que a doença gengival e a perda de dentes estão ligadas a mudanças no hipocampo esquerdo do cérebro, estrutura fundamental para a formação de memórias e na doença de Alzheimer.
Leia também: Inverno pode aumentar sensibilidade nos dentes, explica cirurgiã-dentista
Após fazer o ajuste por idade, os cientistas concluíram que a atrofia em razão de um dente a menos em participantes com doença gengival leve foi equivalente a quase um ano de envelhecimento cerebral. Para aqueles com a condição grave, o resultado foi equiparado a 1,3 ano. "Nosso estudo descobriu que essas condições podem desempenhar um papel na saúde da área do cérebro que controla o pensamento e a memória, dando às pessoas outro motivo para cuidar melhor de seus dentes", enfatiza, em nota, Satoshi Yamaguchi, um dos autores e pesquisador da Tohoku University in Sendai, no Japão.
Leia também: Inverno pode aumentar sensibilidade nos dentes, explica cirurgiã-dentista
Funções complexas
Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa Lúcia e membro titular da Sociedade Brasileira de Neurologia, explica que o hipocampo desempenha um papel central em funções cognitivas complexas. "O encolhimento ou a disfunção dele pode ter consequências negativas para a memória, o aprendizado, a orientação espacial, as emoções e outros processos. É uma área crítica do cérebro para o funcionamento saudável da nossa mente", explica.
Luiz Cláudio Modesto, neurologista do Hospital Anchieta, em Brasília, lembra que se trata de uma área suscetível a doenças como epilepsia e demências. A atrofia progressiva dessa região, portanto, pode aumentar a incidência dessas enfermidades. "Por ter uma estrutura especial, o hipocampo é mais vulnerável a alguns processos inflamatórios infecciosos, tóxicos, traumáticos ou de envelhecimento. Por isso que existem patologias mais específicas para ele, sendo uma delas o Alzheimer", afirma.
Ainda segundo Modesto, apesar de não comprovar que a má higiene bucal causa prejuízos cerebrais — as evidências mostram uma ligação entre os dois fenômenos —, a pesquisa é interessante para avaliar a correlação entre o volume do hipocampo e a quantidade de dentes perdidos, além da profundidade da raiz dentária e os processos inflamatórios gengivais. "De forma indireta, fazendo análise de dados, quem tem mais dentes, mas um processo inflamatório importante apresenta mais inflamação crônica em curso e pode ter implicação desses eventos inflamatórios em doenças cerebrais", complementa.
Cuidados periódicos
Na avaliação de Cynthia Miranda, dentista e coordenadora de Odontologia do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, os resultados obtidos pela equipe japonesa enfatizam a necessidade de cuidados periódicos com os dentes. "As pesquisas vêm mostrando que doenças na boca podem ter reflexos sistêmicos, havendo a necessidade de conscientizar as pessoas quanto à importância das visitas periódicas ao dentista."
A opinião é compartilhada por Ilana Marques, odontopediatra da clínica IGM Odontopediatria. "À medida que esse conhecimento se propaga, espera-se que as pessoas tenham mais consciência da importância dos cuidados bucais e apliquem esse conhecimento em seu dia a dia, diminuindo, dessa forma, os problemas que podem ser causados pela doença gengival".
Leia também: Alimentação e saúde bucal: qual é a relação dos dois?
Yamaguchi indica a adoção de outras práticas. "Controlar a progressão da doença gengival por meio de visitas regulares ao dentista é crucial, e dentes com doença gengival grave podem precisar ser extraídos e substituídos por dispositivos protéticos apropriados." A equipe planeja realizar estudos com grupos maiores de voluntários, superando uma das limitações do trabalho atual, conduzido apenas em uma região do Japão.
*Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza
Palavra de especialista: Envelhecimento multifatorial
"Do ponto de vista prático, não se pode dizer que a doença dentária causará Alzheimer. O que pode-se dizer é que, de modo multifatorial, hábitos como sono prejudicado, flora intestinal ruim, alimentação inadequada, proteínas inadequadas na dieta, mal cuidado com os dentes, com a higiene e com a atividade física, desencadeiam o envelhecimento cerebral mais precoce ou predispõe para doenças degenerativas, como o Alzheimer. Nessa visão de múltiplos fatores, cada um dos cuidados é importante. Então, se os hábitos forem melhores, as pessoas terão menos risco de desenvolver doenças degenerativas."
*Para comentar, faça seu login ou assine