Crianças sentadas olhando livro

Crianças sentadas olhando livro

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Imagine você querer falar uma palavra, mas ela sair errada toda vez que a articula em voz alta? Por exemplo: quero verbalizar a frase "eu gosto", mas na hora o que sai é "eu troco", mesmo contra a própria vontade, mesmo sabendo que está errado. É como se apertássemos a tecla "D" do computador, mas na tela aparecesse o "G" ou qualquer outra letra, dependendo do momento. Ou, ainda, como se a pessoa estivesse pensando num "gato", mas falasse "rato" na hora de nominá-lo verbalmente. Ou seja, um lapso impossível de corrigir e que se repete a despeito da própria consciência.

Isso acontece com muitas crianças em fase de desenvolvimento da oralidade. Pouco conhecida e ainda também pouco estudada, a chamada Apraxia da Fala Infantil (AFI) é um distúrbio do neurodesenvolvimento que vem sendo diagnosticado com cada vez maior frequência no Brasil e no mundo.

Embora quase sempre os sintomas estejam associados a quadros de síndromes, como, por exemplo, a de DownTranstorno do Espectro Autista (TEA) e algumas epiléticas, a AFI também pode se manifestar de forma isolada em crianças, sem tais características e por razões ainda desconhecidas.

"A incidência de forma isolada em pré-escolares corresponde a aproximadamente 1-2 crianças para cada 1000, em média, segundo dados da American Speech-Language-Hearing Association (ASHA). Os meninos, conforme esse estudo, têm maior proporção de prevalência: 2-3 meninos para cada menina diagnosticada", destaca o otorrinolaringologista e foniatra do Hospital Paulista, que tem atuação nesse tipo de atendimento, Gilberto Ferlin.

A observação por parte dos pais, segundo o especialista, é fundamental para identificação desse distúrbio, que inicialmente pode ser encarado como um atraso da fala ou uma dificuldade decorrente da ansiedade da criança em querer se expressar. A avaliação foniátrica possibilita o correto diagnóstico de AFI entre outras alterações de fala e comunicação. O tratamento, por sua vez, demanda o suporte de um profissional especialista em fonoaudiologia ou até mesmo de uma equipe multidisciplinar.

"Em algumas situações, o caso pode demandar intervenção de terapeuta ocupacional, psicólogo, pedagogo, fisioterapeuta, odontopediatra e até nutricionista, compondo a equipe multidisciplinar, a depender da gravidade e necessidades do paciente. Nesse contexto, o papel dos pais também é fundamental no processo terapêutico, como complemento das atividades fora do ambiente hospitalar, potencializando os benefícios para o paciente", observa Gilberto Ferlin.

Adultos podem ter?


Da mesma forma que as crianças, adultos também podem vir a ser prejudicados com a apraxia da fala. Mas as razões costumam ser diferentes, conforme explica a fonoaudióloga Kezia Neves Pereira, também do Hospital Paulista.

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"O não tratamento da AFI pode acarretar dificuldades que irão persistir na idade adulta. Mas a maioria desses casos refere-se à apraxia de fala adquirida. Isto é, decorrente de eventos neurológicos secundários, como um AVC, por exemplo, ou também doenças degenerativas, tumores e traumas", explica.

Em todos os casos, porém, a fono enfatiza ser necessária a intervenção terapêutica fonoaudiológica, que tem entre seus objetivos melhorar a organização e o planejamento dos gestos articulatórios.

"O foco principal é adequar e conscientizar o paciente em relação à produção articulatória da fala, para que ele seja capaz de produzir os fonemas e as palavras corretamente. Dessa forma, a gente busca aumentar a produção de fala e a inteligibilidade."

Nos bebês, importante notar


Aos pais e mães que têm filhos em fase de desenvolvimento da fala, os especialistas elencam quatro aspectos importantes para se ter atenção:

- Demora para começar a balbuciar, após os 8 meses. As primeiras palavras devem surgir por volta de 1 ano de idade

- Dificuldade por parte da criança em entender o que os outros falam

- Troca de sílabas ou na ordem das palavras durante a composição de uma frase

- Dificuldade por parte da criança em relatar fatos de sua rotina ou de recontar uma história. Aos 3 anos e meio, uma criança deve ter sua fala compreendida por um adulto que não a conheça.

Caso esses sintomas sejam observados, a recomendação é procurar atendimento médico especializado.