Imagine se passar a noite acordado, não por causa de festas ou compromissos pessoais, fosse parte da rotina. Estudos mostram que funcionários noturnos representam até um quarto da população trabalhadora. No entanto, evidências crescentes apontam que trabalhar nesse período é um fator de risco para várias condições de saúde, e isso acontece devido ao rompimento do ritmo circadiano, intervalo de 24 horas em que se baseia o ciclo biológico do ser humano, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
"Todos nós fomos informados de que devemos dormir de sete a nove horas por noite, mas essa afirmativa pode não ser perfeita para todos", pontua o especialista em medicina do sono pela Associação Brasileira de Medicina do Sono (ABMS), Gleison Guimarães.
O trabalho noturno se refere àquele realizado durante um período de, pelo menos, sete horas consecutivas, e abrange o intervalo de tempo de meia-noite às cinco horas da manhã. Um artigo publicado este ano na revista Sleep, da Sleep Research Society, mostrou que trabalhar nesse horário não leva necessariamente a consequências adversas à saúde. Os efeitos negativos podem vir por ter que viver e trabalhar em arranjos que são incongruentes com o próprio relógio biológico.
De acordo com Gleison Guimarães, a interrupção circadiana prolongada é um mecanismo que causa alterações fisiológicas no ser humano. No entanto, os indivíduos podem ser classificados em três cronotipos.
"O primeiro se dá pelos matutinos ou diurnos, pessoas que dormem e se levantam mais cedo, por volta das cinco às sete horas da manhã, estando aptos ao trabalho com bom nível de alerta. Ele representa de 10% a 12% da população. Os vespertinos deitam e levantam mais tarde, com melhor desempenho no meio do dia ou à noite. Ele representa de 8% a 10% da população. Por último estão os intermediários ou indiferentes, que não têm alteração em relação ao tempo ou preferência pelo horário de acordar ou dormir. Essa classificação é útil para aumentar o rendimento do trabalho e reduzir os distúrbios associados", explica o especialista.
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O médico complementa que os vespertinos têm maior tolerância ao trabalho noturno, com menos riscos de consequências para a saúde e isso pode depender parcialmente de um relógio circadiano otimizado para esses horários.
"Diferenças individuais nos cronotipos, no entanto, introduzem mudanças em suas habilidades de se adaptar e tolerar horários de turno. Precisamos de mais pesquisas para adaptar os diversos trabalhadores de acordo com seu cronotipo individual, a fim de prevenir o aparecimento de doenças e melhorar a qualidade de vida desse grupo de pessoas", alerta Gleison Guimarães.
Para quem se questiona se é possível ter um sono saudável dormindo de dia, vale ressaltar que as alterações do ritmo circadiano têm influência sobre a concentração circulante de hormônios, principalmente da melatonina, e que é produzida à noite e tem o pico máximo em torno da meia noite a uma hora da manhã.
"Sua produção reduzida propicia diversas alterações, inclusive maior risco de desenvolvimento do câncer de mama em trabalhadoras de turnos da noite. A síndrome da má-adaptação ao trabalho de turnos leva muitos trabalhadores a desistir do período noturno. Distúrbios do sono causam sonolência excessiva e fadiga, que afetam a saúde, além de predisporem aos acidentes durante o expediente, já que eles permanecem ativos enquanto seu sistema biológico deveria repousar", comenta.
O turno da meia-noite às oito horas envolve o maior risco de distúrbios do sono, por exigir a inversão do ritmo circadiano para dormir durante o dia. Os trabalhadores em turnos, principalmente os do turno da noite, têm mais queixas de fadiga e sonolência.
"Pesquisas revelam que pessoas que trabalham em turnos à noite geralmente têm uma hora e meia de sono a menos a cada 24 horas, comparando-se com o trabalho diurno. Além disso, estudos apontam que quem trabalha à noite envelhece seis anos a mais do que quem trabalha de dia. Isso acontece porque durante o sono existe a liberação de vários hormônios protetores, e outros que mantêm o equilíbrio e a homeostase necessária para reduzir a metainflamação, o fenômeno inflamatório persistente e silencioso que ocorre em quem dorme pouco e mal", alerta o médico.