O leite materno tem uma combinação única de anticorpos que ajuda na imunidade do recém-nascido, mostra um estudo divulgado, nesta terça-feira (18/07), na revista Journal of Experimental Medicine. Segundo pesquisadores da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, esse leite personalizado tem células de defesa surpreendentemente estáveis ao longo da gestação e da lactação. A descoberta, segundo os autores, pode ajudar a explicar o que faz com que a proteção contra diferentes infecções varie entre os bebês e por que alguns desenvolvem a enterocolite necrosante (NEC), uma doença grave do trato gastrointestinal.



Timothy Hand, professor-associado de pediatria e imunologia na Escola de Medicina da universidade estadunidense, explica como a produção única e estável de anticorpos pode estar relacionada à NEC. "Se os pais de um bebê não têm determinados anticorpos, como os que combatem a enterocolite necrosante, ele nunca receberá essa imunidade." Antes que o próprio sistema imunológico amadureça, os pequenos são protegidos de bactérias prejudiciais à saúde por meio de anticorpos transferidos pela placenta e pelo leite materno.

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Ainda segundo Hand, a NEC é uma doença inflamatória que causa sérios danos ao trato gastrointestinal e afeta, sobretudo, nascidos prematuros. A enfermidade tem sido associada a uma família de bactérias chamada Enterobacteriaceae e é cerca de duas a quatro vezes mais frequente em bebês alimentados com fórmula, quando comparados aos que recebem leite materno.

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Em estudo anterior, a equipe descobriu que, quando presentes em amostras fecais de bebês saudáveis, essas bactérias haviam sofrido a ação de anticorpos maternos. Eles, então, suspeitaram da possibilidade de a imunidade à enterocolite necrosante estar associada a defesas repassadas na amamentação.





Para o novo trabalho, o grupo de pesquisadores avaliou amostras de leite materno doadas pelo Human Milk Science Institute and Biobank, em Pittsburgh, e pelo Mommy's Milk Human Milk Research Biorepository, em San Diego. Tendo em mãos uma variedade de bactérias, a equipe mediu a quais cepas as células de defesa de cada doadora se ligavam. "Como esperávamos, os perfis de anticorpos de cada doadora eram completamente diferentes. Mas conseguimos mostrar isso pela primeira vez", detalha, em nota, Hand.

Colostro

O leite materno passa pela fase do colostro, altamente concentrado em proteínas, até ficar maduro. Os cientistas compararam amostras das mesmas doadoras ao longo do tempo para descobrir se a composição de anticorpos mudaria.

Observaram, ainda, as mesmas mulheres em mais de uma gestação. "Não apenas os anticorpos eram semelhantes em doadoras durante uma única gravidez, mas também eram surpreendentemente estáveis em outras", relata o autor sênior do artigo.





Alexandre Nikolay, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria, conta que as células de defesa presentes no leite materno dependem de exposições ocorridas antes mesmo da gestação. "Ele tem diversos anticorpos contra várias doenças com que a mulher teve contato durante a vida. Portanto, as patologias contraídas, as vacinas e até os alimentos ingeridos terão um papel importante na produção dos anticorpos."

Na avaliação do médico, pesquisas que buscam detalhar a composição do leite materno são imprescindíveis. "O estudo sobre o perfil de anticorpos mostra a importância da exposição prévia das mães a antígenos, principalmente por meio da vacinação, que levará à produção de anticorpos que estarão no leite materno, protegendo o recém-nascido", justifica.

Pasteurização

Os cientistas de Pittsburgh também investigaram se os anticorpos do leite materno eram diferentes em caso de parto prematuro, o que não foi comprovado. Eles constataram, porém, que o processo de pasteurização, feito em locais de doação do alimento, reduz os níveis de anticorpos.





Segundo os autores, embora isso, provavelmente, signifique que os bebês alimentados de leite doado recebem menos estruturas protetivas, mais pesquisas são necessárias para entender quais níveis de anticorpos são eficientes contra doenças como a NEC. O artigo reforça, ainda, que o leite de quem pariu o bebê é o melhor alimento para reduzir a probabilidade de uma criança prematura desenvolver a enterocolite necrosante. Se não for possível, o leite doado é um substituto ou suplemento importante, afirmam os autores.

Nikolay enfatiza que o leite materno é o alimento perfeito para o recém-nascido. "Há décadas, a indústria tenta copiar seus benefícios para colocar nas fórmulas infantis. Porém, quanto mais as pesquisas avançam, mais componentes são descobertos e vemos a complexidade e a perfeição do corpo humano, tornando os benefícios impossíveis de se copiar", afirma o pediatra. "De qualquer forma, as pesquisas são extremamente importantes para que bebês que não tenham a chance de serem amamentados diretamente pelas mães possam ter acesso a fórmulas infantis que simulem ao máximo os benefícios."

Conforme o artigo, uma melhor compreensão sobre bactérias específicas e mais perigosas para bebês prematuros em risco de desenvolver NEC poderá ajudar no desenvolvimento de anticorpos que, adicionados a fórmulas infantis ou ao leite materno, consigam aumentar a imunidade de recém-nascidos.





Palavra de especialista: Contato nas primeiras horas 

"Os anticorpos presentes no leite materno são produzidos pelos linfócitos B maternos, que são células de defesa do sistema imunológico localizadas nas glândulas mamárias, já desde a gestação e durante o período de lactação. Os anticorpos produzidos pela mãe espelham a imunidade que ela adquiriu ao longo da vida, protegendo o filho contra os agressores mais comuns que ele terá contato. Não podemos deixar de mencionar a importância do contato pele a pele e do início da amamentação precoce, tendo em vista que o colostro, leite produzido na primeira semana de vida do bebê, é a primeira vacina que o pequeno recebe e o leite que tem maior índice de anticorpos. Por isso, é tão importante que essa criança seja amamentada nas primeiras horas de vida e tenha um contato pele a pele precoce com a mãe. Isso reforça o papel fundamental que o apoio e a promoção ao aleitamento materno têm nas práticas de saúde, reforçando a imunidade dessa criança ao longo de toda vida, com impacto significativo na morbimortalidade infantil."

Vanessa Macedo, pediatra do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria.

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