Classificada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma das 17 doenças tropicais negligenciadas, a Doença de Chagas, causada pelo protozoário Trypanosoma Cruzi (T.cruzi) ainda tem um grande impacto na América Latina, onde afeta principalmente populações carentes. A conscientização sobre a doença é importante, tanto para elevar a suspeição para o seu diagnóstico como para conscientizar a sociedade de uma doença que ainda é um importante problema de saúde pública no Brasil.



No mundo, estima-se que a Doença de Chagas acometa cerca de 6 milhões de pessoas, em sua maioria na América Latina. Mas a doença não é restrita ao nosso continente, sendo cada vez mais detectada em outros países, devido aos movimentos migratórios. No Brasil, a doença afeta pelo menos 1 milhão de pessoas e resulta em mais de 4 mil mortes por ano, segundo o Ministério da Saúde. Vale destacar que a doença é subnotificada, e segundo a OMS, apenas uma a cada dez pessoas afetadas é diagnosticada com a enfermidade.

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Em 1909, o jovem médico e pesquisador brasileiro Carlos Chagas, trabalhando no interior de Minas Gerais, em um ambiente com poucos recursos e com um aguçado senso científico, descreveu não só o agravo causado aos humanos pelo protozoário, como também todo o ciclo da doença e a transmissão, tendo como vetor o barbeiro. Seu trabalho jogou luz sob essa doença até então negligenciada dos livros de medicina, voltados para doenças de países desenvolvidos, sendo um dos grandes trabalhos da ciência médica brasileira do século XX.

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A via clássica de contaminação é por meio dos barbeiros da família Triatominiae. “Ao picarem os humanos para se alimentarem, esses barbeiros defecam e eliminam os protozoários nas fezes. Os protozoários acabam contaminando os humanos ao penetrarem pelas feridas na pele ou mucosas. Há outras formas de transmissão, sendo que atualmente a transmissão por via oral tem recebido bastante atenção.  Na transmissão oral, a contaminação dos humanos se dá pela ingestão de alimentos contaminados pelo parasita, como caldo de cana e açaí. Há ainda vias menos comuns de transmissão, como a transfusão de sangue e a gestacional”, afirma Milton Henriques Guimarães Junior, cardiologista da Fundação São Francisco Xavier.



O médico explica que a doença tem a fase aguda e a crônica. Na fase aguda, que dura de três a oito semanas, o quadro clínico é variável. A maioria dos pacientes da fase aguda tem a forma assintomática, mas existe uma minoria de pacientes que desenvolvem um quadro febril, com desenvolvimento de gânglios (linfonodos) e crescimento do baço e do fígado. Na fase crônica, a maior parte dos pacientes vai seguir de forma assintomática e sem acometimento de órgãos ou sistemas. Essa fase é detectada por exames sorológicos e é chamada de fase indeterminada, podendo durar décadas.

É estimado que 70% dos pacientes permaneçam na fase assintomática. Cerca de 30% dos pacientes vão progredir para o acometimento cardíaco e/ou do aparelho digestivo. Para essa parcela dos pacientes, a doença tem então consequências sérias, com desenvolvimento de insuficiência cardíaca, arritmias cardíacas graves que podem levar a morte súbita, dificuldade de deglutição por problemas de motilidade no esôfago e constipação intestinal grave.

Silenciosa e silenciada


A enfermidade chegou a ser erradicada no Brasil quando o país recebeu, em 2006, um certificado de eliminação do Trypanosoma Cruzi. Mas, em meados de 2018, ela reapareceu. Dois anos depois, em 2020, foram confirmados 146 casos de Doença de Chagas Aguda (DCA), com uma letalidade de 2%, sendo que todos os óbitos ocorreram no estado do Pará, muitos por contaminação via oral.



A comunidade médico-científica considera essa enfermidade silenciosa porque a maioria das pessoas infectadas não apresenta sintomas ou tem manifestações muito leves, podendo passar décadas até ser diagnosticada. É também silenciada, pois quando comparada à doenças que afetam populações de países desenvolvidos, recebe menos atenção da comunidade científica mundial e menos investimentos em pesquisa, o que faz com que o desenvolvimento de novos tratamentos seja lento. “Nesse sentido, é importante destacar o papel de vários centros de pesquisa no Brasil, que contribuem de maneira importante para melhor entendimento e enfrentamento dessa enfermidade”, ressalta o especialista.

Transmissão


No ano passado, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) alertou para a mudança de perfil da doença nos últimos anos no país. Segundo a SBC, 70% dos casos aconteceram pela ingestão de alimentos contaminados e há relatos da doença causada pelo consumo de açaí e caldo de cana.

Testes realizados por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas e publicados na revista Advances in Food na Nutrition Research mostraram que o protozoário causador da Doença de Chagas é capaz de sobreviver na polpa da fruta do açaí tanto em temperatura ambiente como a 4ºC, temperatura média de uma geladeira, e até – 20ºC, no açaí congelado.



Por exemplo, a cidade de Belém, no Estado do Pará, registrou, somente no ano passado, 11 casos suspeitos de Doença de Chagas causados pela ingestão de açaí. A cidade é a que registra maior número de casos em todo o país, segundo a Universidade do Estado do Pará (UEPA).

“A contaminação acontece quando há falta de higiene. Por isso, para prevenir a transmissão por via oral é muito importante se atentar para a aplicação de boas práticas de coleta, higienização e processamento do fruto”, completa o cardiologista.

 

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