Se a mudança já assusta muitos, imagina quando ela vem acompanhada de inovação, de algo novo? Certamente, questionamentos, dúvidas e apontamento de aspectos bons e ruins são inevitáveis. Se na área do trabalho existe o medo da substituição, se o foco for a da saúde, então, tudo é mais delicado. Há vidas em jogo. O psicanalista Henrique Medeiros, graduado em tecnologia da informação com mais de 25 anos de experiência nesse mercado, aponta a necessidade de que sejam feitas as perguntas corretas na discussão sobre os efeitos que a inteligência artificial pode causar. Em vez de perguntar se a IA ou diversas tecnologias vão substituir postos de trabalho, inclusive dos médicos, ele recomenda “perguntar, a nós mesmos, de carne e osso, como utilizá-las” e cita exemplos como despoluir rios, limpar os oceanos, recuperar biomas devastados, construir moradias dignas, instalar saneamento básico e produzir alimentos para todos”, entre outros.





“A tecnologia, bem como todas as inovações que ela nos traz, é uma constante. Ela não é um fim em si. É meio. Ela sempre nos proporcionará novas e novas possibilidades de utilização. O que nos leva a concluir que a tecnologia não pode ser, de forma alguma, objeto principal da discussão, mas sim o que é variável, justamente, nós, seres humanos”, diz o psicanalista. “Ou, em outras palavras, sendo a tecnologia algo em constante evolução, a responsabilidade de utilizá-la para gerar qualidade de vida para toda a humanidade é, e sempre será, uma prerrogativa da parte variável: nós. E ponto”, defende, lembrando a rápida evolução desde a revolução industrial, passando pela era tecnológica (quando houve uma expansão significativa dos computadores, surgimento da internet, redes sociais etc.), chegada da indústria 4.0 (onde máquinas se interligam com sistemas, internet) e, por fim, “a tão temida inteligência artificial”.

Robô Hugo

 O cirurgião Rogers Camargo Mariano da Silva, coordenador do Centro de Endometriose e Robótica do ABC e integrante da equipe de Cirurgia Minimamente Invasiva e Endometriose da Faculdade de Medicina ABC, é um entusiasta da tecnologia: “A cirurgia robótica-assistida é considerada a mais moderna e inovadora tecnologia cirúrgica da atualidade. Temos desafios para ampliar o acesso, ainda restrito a hospitais privados de excelência em razão do alto custo, mas estamos falando de uma tecnologia de ponta e recente. A boa notícia é que temos um mercado em ascensão, com variedade de opções de robôs cirúrgicos surgindo. Ou seja, há uma tendência de redução nos custos com maior oferta de mercado”. Conforme ele, no Brasil, em 2016, havia 22 plataformas em todo o país, hoje, há cerca de 115 plataformas de empresas diferentes.
 
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Além do obstáculo de acesso a esse tipo de cirurgia devido ao custo, o cirurgião lembra que é necessário “ampliar o número de cirurgiões capacitados na área robótica, hoje temos 1% de médicos aptos a fazerem esse tipo de procedimento no Brasil. Mas a regulamentação da especialidade também é recente. O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução CFM nº 2.311, em março de 2022, estabelecendo os critérios para esse tipo de procedimento, destacando quais instituições podem fazer a intervenção e quais as competências exigidas do cirurgião”, esclarece.





Quanto à insegurança e dúvidas diante das cirurgias feitas com auxílio do robô, Rogers Camargo Mariano da Silva informa que “apenas 3% dos procedimentos cirúrgicos no mundo são via robô. Nos Estados Unidos, esse número sobe para 20%”.

O médico explica que os robôs não substituem o cirurgião nos procedimentos: “Os robôs cirúrgicos são sistemas mecânico-elétricos compostos por diferentes componentes que auxiliam o médico cirurgião a fazer uma série de procedimentos. Imagine um chef sem panelas, facas, fornos, batedeiras e outros utensílios domésticos? Não haveria gastronomia sem esses utensílios. O robô cirúrgico é uma extensão do médico, uma ferramenta que o auxilia. Com os robôs, as mãos são substituídas por pinças minúsculas, precisas e de maior amplitude de movimento que a mão humana. Além disso, as imagens que são projetadas no monitor são em 3 D, dando maior visibilidade e detalhamento do campo cirúrgico”.

Rogers Camargo destaca a atuação do robô Hugo, da multinacional Medtronic, que acaba de chegar ao Brasil: “Vamos pensar numa prostatectomia radical, que consiste na retirada da próstata. Com o paciente sob anestesia geral, ele tem o abdômen insuflado com gás carbônico para auxiliar na visualização da área a ser operada. São feitos orifícios de no máximo 12mm onde os braços do robô vão atuar. Um dos braços fica com a câmera que leva as imagens ao console do cirurgião. Já os outros três braços costumam ser usados no procedimento e incluem a pinças que vão fazer cortes e suturas na região, de uma forma precisa e leve, reduzindo em até 5 vezes a força da mão do cirurgião”, explica.





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O cirurgião esclarece sobre os recursos de IA dos robôs: “O robô Hugo, por exemplo, da multinacional Medtronic que acaba de ser lançado no Brasil, usa a tecnologia touch surgery enterprise, uma solução de armazenamento em nuvem que permite a captura de vídeos cirúrgicos, que conta com equipes de suporte dedicadas e especializadas em otimização, serviço e treinamento de programas de robótica. Essa tecnologia é uma plataforma de inteligência artificial do gênero que simplifica o compartilhamento de vídeos cirúrgicos e oferece aos cirurgiões uma nova e poderosa ferramenta de treinamento”.

SAIBA MAIS

A teia

Para o psicanalista Henrique Medeiros, a prerrogativa de como usar a IA cabe à humanidade

(foto: Arquivo Pessoal)


O professor dr. Cláudio Lúcio do Val Lopes, cientista da computação com mais de 25 anos de atuação na área de inteligência artificial, sócio-fundador da A3Data, empresa especializada em dados e IA, que trabalha com a Rede Mater Dei de Saúde, explica que “a aplicação da inteligência artificial na área da saúde é promissora e envolve desde a medicina diagnóstica, como auxilio na detecção de doenças em exames, por exemplo, até o uso de nanorobôs, inseridos no corpo e que podem prevenir e alertar sobre incidências de doenças”. Ele destaca que, com o advento de novas tecnologias como o chatGPT, tais técnicas tendem a ser ainda mais aplicadas para o benefício de pacientes e médicos. A grande questão, destaca,  é como a sociedade (pacientes e médicos, na área médica/hospitalar) utilizará tais tecnologias, em termo práticos e reais. “Neste sentido, usamos um conceito chamado “Teia”, ou seja, toda tecnologia de inteligência artificial tem que ter “Transparência”, as pessoas devem saber se estão interagindo com um sistema de IA; “Explicabilidade”, temos de entender como IA tomou decisões: “Inteligibilidade”, as ações de IA têm que ser compreendidas pelas pessoas, de maneira clara; e ser “Auditável”, processo deve ser formalmente registrado. Estamos em uma revolução gerada pela IA, na área de saúde não será diferente. Muitas possibilidades de ganhos e melhoria da qualidade assistencial e operacional ainda serão obtidos com o usa da IA na saúde”, explica.

Palavra de especialista

Fátima Bana, doutoranda pelo MIT/USA, pós-graduada em neuropsicologia e cursando PHD em comportamento de consumo integrado a inteligência artificial (IA)

Auxílio no tratamento de TDAH e TEA

Fátima Bana, doutoranda pelo MIT/USA, pós-graduada em neuropsicologia e cursando PHD em comportamento de consumo integrado a inteligência artificial (IA)

(foto: Arquivo Pessoal)


“A interface entre inteligência artificial (IA) e neurociência representa nova fronteira na compreensão e tratamento de neuropatologias, como o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e transtornos do espectro autista (TEA). Afinal, gerenciar novas tecnologias, melhorando a aplicação de métodos neurocientíficos, ajuda no avanço do tratamento dessas doenças. A aplicação da IA ao campo da neurociência nos permitirá identificar padrões neurais associados a várias doenças, otimizar o uso de técnicas de neuromodulação e projetar interfaces cérebro-computador mais eficazes. Podemos desenvolver interfaces cérebro-computador mais intuitivas e responsivas, dando-nos um controle mais preciso sobre a tecnologia. Estamos no início, mas já está claro que a combinação dessas duas áreas de pesquisa tem o potencial de trazer mudanças transformacionais no controle da tecnologia e no tratamentos dessas neuropatologias”.




Cirurgiã defende estratificação de dados

A inteligência artificial (IA) desempenha papel cada vez mais importante na área da medicina, revolucionando a forma como os profissionais de saúde diagnosticam, tratam e gerenciam doenças: “O principal motivo é o processamento de dados, com a sua grande capacidade interpretativa, ela consegue impulsionar e dar agilidade na assistência médica, muitas vezes melhorando a precisão dos diagnósticos, otimizando o planejamento de tratamentos e permitindo uma medicina mais personalizada”, destaca Bianca Pascual, cirurgiã geral, sem atuação no momento, e gerente executiva de tecnologia da informação do Grupo Oncoclínicas.

Bianca Pascual enfatiza que, hoje, as atuações de maior destaque são o processamento de imagem e outros exames complementares, além do apoio à decisão clínica. “Para ambos, podemos identificar e/ou comparar dados individualizados, nos permitindo enxergar padrões sutis e alterações para que fechemos um diagnóstico de forma mais precoce, ou mesmo prevenir a evolução grave de uma doença crônica”.

Privacidade e ética 

No entanto, Bianca Pascual diz que é importante ressaltar que a IA na medicina não substitui a expertise e o julgamento dos profissionais de saúde. “Em vez disso, ela serve como uma ferramenta poderosa para auxiliar médicos e especialistas, dando agilidade e melhorando a efetividade da assistência médica. Isso porque a IA ainda tem vieses de amostragem e identificação de situações raras. Questões éticas, privacidade e segurança dos dados são aspectos importantíssimos que devem ser considerados, sendo assim urgente a definição de regulamentações para uso em áreas críticas como a medicina. Temos o maior exemplo de todos, o famoso ChatGPT, uma ferramenta fantástica que, por ser aberta, se torna perigosa, devido à busca de dados técnicos em fontes não confiáveis e sem embasamento científico. É fundamental garantir que os sistemas de IA sejam desenvolvidos com transparência, responsabilidade e respeito aos direitos e bem-estar dos pacientes.”




Pânico social 

Para Biana Pascual, o seu uso na área médica deve ser estratificado e direcionado. “Já existem muitas tecnologias que guiam a busca dos dados, garantindo que esses venham de um conjunto de fontes confiáveis e que gerem valor a quem está consultando. Além disso, vejo como necessária a estratificação da informação, uma vez que a disponibilização de muitos dados técnicos ao público leigo pode gerar um pânico social e não propriamente uma solução. As informações de saúde são sensíveis, portanto a sua democratização deve ser feita com cautela e ser constantemente revisada”, defende.

Para a gerente médica, a IA está transformando a medicina, permitindo avanços significativos no diagnóstico e tratamento de doenças: “Vejo que estamos diante de um marco para a saúde e seus profissionais, assim como a disponibilização de exames complementares, que gerou eficácia quando popularizado. A IA vem para remodelar a medicina, e o destaque será para aqueles que fazem as perguntas corretas, pois o processamento será uma etapa vencida. O que não podemos é perder o momento de gerir e garantir que os dados passados são de fontes sérias e confiáveis, e que a sua divulgação seja de fácil entendimento ao público-alvo”.

Mais tecnologia chegando

O Bard, concorrente do Google para o ChatGPT, acabou de chegar a Brasil, em 13 de julho. Agora, usuários brasileiros poderão acessar, em português, o sistema de inteligência artificial (IA) generativa que responde a perguntas e cria conteúdo. O lançamento é mais um passo na expansão da ferramenta de IA, apresentada pelo Google no início do ano, meses depois da OpenAI liberar o ChatGPT ao público. Além do Brasil, também terão acesso ao sistema 27 países que fazem parte da União Europeia (UE). A interação com a IA poderá ser feita em 40 línguas, incluindo árabe, chinês, alemão, hindi e espanhol. Antes, era usada apenas em inglês, coreano e japonês.

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