A espera de um filho costuma ser um dos momentos de maior alegria e empolgação na vida de uma mulher. O sonho da maternidade perfeita começa ainda na gestação, com a idealização de sonhos e expectativas que virão com o nascimento do bebê. No entanto, a vida real pode se mostrar um pouco diferente do que foi planejado: as obrigações e as responsabilidades sobre a mãe redobram, sem contar na gangorra de transformações hormonais que o processo demanda. E essas mudanças repentinas podem trazer consequências emocionais – estima-se que entre 20% a 25% das mulheres terão depressão pós-parto e cerca de 80% experimentarão os sintomas do chamado baby blues. Mas, afinal, qual a diferença entre eles?
O baby blues é um conjunto de sentimentos que praticamente toda mulher que tem um filho vai conhecer. Ele é multifatorial e causa sintomas que num primeiro momento podem ser confundidos com a depressão – como choro constante, tristeza, excesso de sensibilidade, irritabilidade e ansiedade. Mas são sentimentos transitórios e insuficientes para causar prejuízo à mulher, já que costumam se manifestar logo em seguida do parto e tendem a desaparecer espontaneamente em até 21 dias.
“A gente diz que o baby blues é um momento de adaptação da mulher à nova realidade. Nessa perspectiva temos que considerar as mudanças hormonais bruscas que ocorrem com o fim da gestação e podem gerar algum conflito afetivo-emocional. O baby blues se manifesta de várias maneiras e geralmente vem com a privação de sono, com o desgaste físico, com a dificuldade de amamentação, com o medo, a culpa, a insegurança e a falta de controle. Mas é um fenômeno totalmente passageiro e a recuperação, na maioria das vezes, é completa e sem a necessidade de tratamento farmacológico”, explicou a psicóloga Damiana Angrimani, especialista em psicologia perinatal e parental.
Segundo a psicóloga, o baby blues faz a mulher ter picos emocionais que intercalam entre o desespero (como pensar que é incapaz de cuidar de uma criança, por exemplo) e o encantamento com o bebê. Além disso, explica, ainda pode ter o impacto da pressão materna social, em que muitas mulheres vivem o tabu da maternidade perfeita.
“A sociedade impõe que a mãe de um bebê não pode se sentir triste, não pode chorar, não pode ficar chateada, afinal, ela agora é mãe de uma criança. Tudo isso fica muito confuso porque a rotina nova é muito catastrófica. E ter que viver a maternidade de acordo com os julgamentos e cobranças da sociedade acaba sendo um dos disparadores do baby blues”, avalia Angrimani.
Tratamento
A depressão pós-parto, ao contrário, é um pouco mais complexa porque requer cuidados especiais. A doença causa prejuízos à saúde da mulher, que precisará de um acompanhamento médico especializado, prolongado e, muito provavelmente, associar a psicoterapia com o uso de medicações.
Os casos de depressão pós-parto são mais comuns em mulheres que na sua própria história pessoal já tiveram algum transtorno psiquiátrico, como quadros de ansiedade, de transtorno do pânico, de depressão ou de ansiedade, por exemplo. Fatores de risco psicossociais também podem interferir, como não ter planejado a gravidez; ficar grávida na adolescência; ter um relacionamento instável com o pai do bebê; ter problemas no emprego (ou estar desempregada); ter problemas nas relações familiares, entre outros.
Fernanda Bassette/Agência Einstein)
A maioria dos casos de depressão pós-parto se intensifica após a sexta semana do nascimento, embora os sintomas possam aparecer logo nos primeiros dias depois do parto e durar meses. Os sintomas incluem tristeza profunda, falta de interesse por atividades diárias, insônia, cansaço extremo, ansiedade, perda de interesse sexual, perda ou ganho excessivo de peso, sentimento de incompetência, baixa autoestima, isolamento social e, em casos mais graves, até ideação suicida.
Além de permanecer por um tempo prolongado (a depressão pós-parto não desaparece sozinha como o baby blues), ela ainda tem um outro fator complicador que é a falta de conexão da mãe com o bebê. “Muitas mulheres na depressão pós-parto podem estar completamente operacionais em relação aos cuidados com o bebê, mas sem conexão emocional e afetiva. É como se ela agisse de forma mais mecânica com as obrigações com o bebê, mas com muito menos vínculo”, explicou a psicóloga.
Mãe de primeira viagem na pandemia
A redatora e escritora Isabel Machado Branco de Souza, de 31 anos, mãe de Kala, de 3, foi diagnosticada com depressão pós-parto em 2020 e faz tratamento médico e psicológico até hoje. Ela conta que desde a infância queria ser mãe – o desejo de maternar era tão intenso que ela ainda guarda a boneca que brincava quando criança. Quando engravidou, fez um pré-natal cuidadoso e se preparou para o parto normal e humanizado. “Quando Kala nasceu, veio direto para o meu colo. Tive o parto que idealizei e os primeiros dias foram maravilhosos”, lembra.
Mas a adaptação à nova rotina da maternidade na vida dela teve um porém: Kala nasceu no dia 18 de março de 2020 – exatamente na semana em que o governo do Estado (assim como o resto do país) decretava quarentena e isolamento social completo em decorrência da pandemia de COVID-19. Até então, a ciência desconhecia os perigos do coronavírus, os serviços não essenciais seriam fechados e não havia mais possibilidade de receber visitas na maternidade.
“Kala nasceu na madrugada do dia 18 e logo pela manhã uma enfermeira entrou no quarto avisando que as visitas estavam suspensas e que tudo estava fechado. Imagine o que foi viver o puerpério sendo mãe de primeira viagem e ficar trancada dentro de casa com medo de uma doença que ninguém conhecia e estava matando um monte de gente. Nos primeiros 30 dias eu chorei todos os dias”, lembra a mãe.
Choro
Os sintomas da depressão foram surgindo, mas a redatora não se dava conta do problema. Por ser mãe de primeira viagem e por estar no meio da pandemia, achava que faziam parte do momento. Além do choro diário e constante, ela sofria com privação de sono, cansaço extremo, irritabilidade, angústia, medo e tristeza. Ainda assim, não procurou ajuda de imediato porque relutava em aceitar que poderia estar deprimida, afinal, ela sempre quis ser mãe e tinha um bebê saudável nos braços.
Com o passar do tempo, os sintomas pioraram. Vieram as crises de choro mais intensas, a vontade de morrer e a sensação de desconexão com a filha, como se fosse uma rejeição, uma sensação de incapacidade de cuidar. “Começou a ficar punk. Eu dizia para o meu marido que eu não conseguia mais cuidar da nossa filha, que era para ele fazer isso. Ele ficou desesperado, disse que eu precisava procurar ajuda”, lembra.
A redatora foi ao psiquiatra e recebeu o diagnóstico de depressão pós-parto e a prescrição de uma medicação. Também procurou ajuda em um grupo de mulheres que estavam no puerpério e iniciou a psicoterapia. Os dois processos, conta, foram essenciais para a sua recuperação. “Em oito meses de tratamento eu acho que alcancei uma melhora significativa. E passei a entender que cada mulher tem o seu tempo, o seu corpo, a sua história. Algumas se recuperam mais rápido, outras não. Minha filha está com três anos e só agora me sinto mulher e esposa novamente”, diz.
Psicológico
É importante destacar que a depressão pós-parto é uma doença que pode ser prevenida e tratada, desde que haja o acompanhamento adequado. A abordagem das gestantes no pré-natal deve incluir uma boa entrevista sobre a história clínica pessoal com transtornos mentais e dos familiares para que as possíveis intervenções possam ser feitas precocemente.
“Muitas mulheres sentem esse descompasso porque a maternidade é uma mudança gigante na vida. É um grande marco de mudança na vida da mulher – física, psíquica, emocional. A vida de antes, não existe mais. No momento que o bebê sai da barriga muda tudo. Mas é possível prevenir e tratar”, completou a psicóloga. (Fernanda Bassette/Agência Einstein)