A Interface Nervosa Periférica (PNI) é uma técnica promissora na medicina, uma vez que permite provocar respostas específicas no corpo por meio da estimulação elétrica dos nervos. Depressão e epilepsia estão entre as complicações tratadas pela abordagem. Pesquisadores da Universidade Técnica de Munique, na Alemanha, e da NTT Research, nos Estados Unidos, trabalham para usá-la, inicialmente, contra distúrbios do sono. Nesse caso, os pacientes seriam submetidos a uma estimulação elétrica de nervos finos por eletrodos impressos em 4D.
O novo dispositivo tem capacidade de se dobrar e se enrolar instantaneamente em torno de fibras nervosas ultrafinas quando entra em contato com a umidade do tecido. Inicialmente, o pequeno aparelho foi fabricado usando a tecnologia de impressão 3D, o que permitiu uma adaptação flexível da forma e do diâmetro. A partir da técnica 4D, que torna materiais 3D em deformáveis sob certas condições, pôde-se obter a maleabilidade em situações de umidade. Detalhes da versão aprimorada foram publicados, neste mês, na revista Advanced Materials.
A bainha externa do novo eletrodo compreende um hidrogel biocompatível que incha em contato com a umidade. O revestimento interno da estrutura é constituído de titânio-ouro, que permite a transmissão de sinais elétricos entre os eletrodos e as fibras nervosas. A combinação dessas propriedades possibilita que o eletrodo se agarre a um nervo e o estimule sem causar danos.
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Segundo Bernhard Wolfrum, professor de neuroeletrônica da universidade alemã e líder do estudo, o peso leve não era um dos critérios de design mais importantes. Já o aspecto de dobrar-se sozinho, sim: "Para permitir formas versáteis e desenhos geométricos, buscamos implementar o mesmo princípio dentro de uma abordagem de impressão 3D", conta. "Além disso, ele deveria ser robusto no manuseio e pequeno o suficiente para envolver os nervos com os diâmetros previstos. Havia ainda o desafio de fabricação econômica, confiável e rápida", lista.
Sem danos
Para testar a tecnologia, a equipe aplicou os eletrodos em gafanhotos. As finas fibras nervosas dos insetos, de 100 micrômetros de diâmetro, foram embainhadas sem a ocorrência de danos. Os cientistas também constataram que os eletrodos foram capazes de estimular, de forma confiável, pequenos nervos e fazer registros das propriedades elétricas em células e tecidos nervosos a partir deles. Para os autores, "os resultados bem-sucedidos sugerem que a interface funcional aguda de nossos dispositivos é possível".
A equipe aposta na aplicação do eletrodo como implantes aprimorados para pacientes que sofrem de apneia do sono. "Atualmente, é difícil estimular seletivamente apenas os músculos que movem a língua para frente. É aqui que os eletrodos flexíveis podem ser aplicados, facilitando a estimulação dos nervos de forma mais seletiva", explica, em nota, Clemens Heiser, um dos responsáveis pelo estudo.
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Na avaliação de Filipe Tôrres, professor no Instituto Federal de Brasília (IFB), a propriedade de flexibilização dos eletrodos a partir da umidade possibilita uma ampla variedade de aplicações biomédicas. "Essa tecnologia pode ser empregada em qualquer área que envolva eletroestimulação, principalmente as que antes não eram possíveis pela dificuldade ao acesso desses nervos muito finos", diz o também doutorando em engenharia na Universidade de Brasília (UnB).
Euclides Chuma, membro sênior do Instituto de Engenheiros Eletricistas e Eletrônicos (IEEE), acredita que a tecnologia tenha potencial para conectar nervos do sistema nervoso parassimpático — responsável por controlar batimentos cardíacos, pressão arterial, adrenalina e açúcar no sangue — a um dispositivo de neuromodulação, o que permitiria tratar doenças cardiovasculares e metabólicas. "Esse eletrodo pode servir, no futuro, para controlar a pressão arterial e o diabetes sem o uso de medicamentos em situações em que esses remédios não são eficazes."
Limitações
Apesar das potencialidades, os eletrodos apresentam algumas limitações. De acordo com Chuma, o dispositivo não pode substituir medicamentos e deve ser aplicado somente em casos específicos. "Trata-se de uma tecnologia de implante, ou seja, de inserir dispositivos dentro de organismos vivos. Implantes só devem ser utilizados em situações específicas, pois o risco é maior do que a utilização de outras soluções como medicamentos", explica.
Leonardo Giordano Paterno, professor do Instituto de Química da UnB, também avalia que há a necessidade do estudo para comprovar o possível uso em tecidos humanos. "Ainda exige a comprovação da biocompatibilidade ao longo do tempo, especialmente em seres vivos, uma vez que o estudo foi realizado in vitro." Tôrres concorda. "A biocompatibilidade é importantíssima para a segurança do paciente. Ela garante que, quando entre em contato com nossos tecidos, um material não cause experiência tóxica, irritante, inflamatória, alérgica ou cancerígena."
A equipe planeja avaliar o comportamento de outros materiais de eletrodos, como parileno, silicones e poliimida. "Os próximos passos devem incluir análises de biocompatibilidade de longo prazo de dispositivos dobráveis implantados em pequenos mamíferos, incluindo avaliação de reação a corpos estranhos e a estabilidade do material", indicam os autores.
* Estagiária sob a supervisão de Carmen Souza
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