criança mostrando a altura

Alimentação saudável, sono reparador e prática diária de esportes são aliados para o desenvolvimento de crianças e adolescentes

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Uma família teve na questão hormonal histórias de vida e até de morte. A engenheira civil Lea Lignani, de 46 anos, conta que o marido foi diagnosticado com câncer na tireoide. Após a fatalidade, com os filhos ainda crianças, a avó, que é enfermeira, sugeriu procurar um especialista para um check-up dos netos.

Lea lembra que, inicialmente, a avó ficou muito impressionada com a morte na família, e chegou a "enxergar um papo" no pescoço da neta, hoje a estudante de medicina Ana Luiza, de 21 anos, que na época  tinha 10.

Apesar de o 'papo" não ser confirmado por exames médicos, foi encontrada, porém, uma desregulação hormonal na tireoide da menina. "O tratamento foi importante por se tratar de uma doença autoimune, com prognóstico de baixa estatura, hipertensão arterial e obesidade", justificou.

Embora a mãe de Ana Luiza seja considerada baixa pelos parâmetros da Organização Mundial de Saúde (OMS) - ela tem 1,50m, em contrapartida ao mínimo de 1,53m preconizado pela organização no caso das mulheres -, o pai da jovem estudante tinha 1,80m, mas problemas na tireoide recorrentes na família.

Depois de uma avaliação feita por uma pediatra clínica, Ana Luiza foi encaminhada ao médico Cristiano Maciel, pediatra com especialização em endocrinologia. Após o check-up, a paciente fez o tratamento hormonal, acrescido de recomendações relacionadas a uma alimentação saudável, prática de esportes e rotina diária de dormir cedo e horas suficientes para a idade.

CONTROLE 

Além disso, a jovem foi submetida a consultas médicas e exames de dois em dois meses para o controle do tratamento."Como consequência da terapia hormonal, obtive um aumento bem maior que o esperado em minha estatura", comemora a jovem, que alcançou 1,60m. Ainda hoje, ela mantém o tratamento, com idas ao médico e exames a cada semestre.

Ana Luíza conta que o déficit no hormônio T4 - responsável pela regulação de diferentes processos do corpo humano, como a regulação da pressão arterial e de outros aspectos do metabolismo do paciente -,  foi acompanhado com sucesso porque foi feito "de forma cautelosa". Vale destacar que o tratamento pode  acarretar diversos efeitos colaterais, conforme já explicado pelo médico Cristiano Maciel.



A paciente lembra que seu desequilíbrio metabólico gerava "bastante cansaço". A mãe de Ana Luíza acrescenta que a filha teve muita força de vontade para se submeter ao tratamento. "A rotina é muito pesada  (para o tratamento dar certo)."

Ela acrescenta que o filho, João César, de 18 anos, estudante de curso preparatório para o Enem, também é paciente do médico Cristiano Maciel. As consultas com o especialista também começaram na infância. "Devido a preocupações em relação à minha estatura", disse.

Ele conta que a baixa estatura na infância provocou diversos desafios. "Desde empecilhos em atividades cotidianas, até em relações sociais e questões psicológicas", admite.

"Com isso, a partir de orientações do dr. Cristiano, dei início ao meu tratamento com somatropina ( hormônio do crescimento)." Após seis anos de terapia hormonal, João César diz que "os resultados compensaram". O jovem alcançou 1,74m. "E não enfrento mais nenhum desafio em relação à minha estatura, melhorando, dessa maneira, minha qualidade de vida consideravelmente", avalia.

“TEM QUE QUERER"

Lea comemora o êxito dos dois tratamentos e credita boa parte do processo aos filhos, principalmente o João César, já que a questão dele era apenas estética. "Ele não gostava de ser pequeno", conta. Mas a engenheira destaca que ele "precisou querer", já que ela não iria insistir, caso o filho não tivesse disciplina.

"No caso da Ana Luíza, era uma questão de saúde, ela não tinha opção, e eu iria insistir com ela", afirma, para em seguida emendar: "adotei uma estratégia, coloquei para eles que a decisão era  deles. Eles decidiram", disse, explicando que dividia com os filhos  as informações de todo o processo terapêutico.  

Além, é claro, de bancar a logística de dietas e prática esportiva (disponibilizar alimentos saudáveis, idas a locais de prática de esportes), consultas com especialista e, também, os custos financeiros  da medicação. "Os hormônios são muito caros", enfatizou. No caso do tratamento para crescer, nas farmácias, em média, o custo gira em torno de R$ 60 por dia ou R$ 2 mil mensais para uma criança de 30kg, a depender da dose utilizada.

Ana Luiza e João César, ao lado da mãe, Lea

Ana Luiza e João César, ao lado da mãe, Lea: por diferentes motivos, os dois tiveram sucesso no tratamento

Túlio Santos/EM/D.A Press


DOENÇAS HORMONAIS MAIS COMUNS


A pedido da reportagem do Bem Viver, o médico Cristiano Maciel listou as principais doenças endócrinas entre crianças e adolescentes:

1. HIPOTIREOIDISMO


» A falta de produção dos hormônios da tireóide é a doença endócrina mais comum. Quando é congênita, é considerada muito grave. Se a criança tiver essa enfermidade, detectada pelo teste do pezinho, e não descobrir nas primeiras duas semanas de vida, pode gerar atraso mental, falta de crescimento e até risco de morte.

» Menos grave e mais comum é o hipotireodismo que acontece durante a vida, que pode ocorrer na infância e na adolescência. Sendo congênito, as causas são genéticas e o adquirido é quando o corpo passa a produzir anticorpos contra a tireoide.

» Hipotireodismo congênito tem uma incidência de 1 para cada 5 mil crianças ao nascer, e o adquirido, um para cada 1 mil bebês.

» Os sintomas iniciais costumam ser  queda de cabelo, ganho de peso, parada do crescimento.

» O hipotireodismo é uma das principais causas de baixa estatura, obesidade, anemia e queda do rendimento escolar. A criança e o adolescente ficam sonolentos e com baixa concentração. É comum, nesses casos, também serem diagnosticados com déficit de atenção.

» O tratamento é feito com remédios que precisam ser tomados o resto da vida. Prescrição que vale para a maioria das doenças endocrinológicas.

Leia também: Estudo aponta relação entre hormônios do apetite e distúrbios do humor

2. DOENÇA DO CRESCIMENTO

» Descartado o hipotireoidismo, a deficiência do hormônio do crescimento é uma doença endócrina que é avaliada por meio de uma tabela própria e exames laboratoriais.

» Existe uma fórmula matemática na endocrinologia e exames, como a radiografia do punho, que avalia a idade óssea, combinado com a altura dos pais. Com isso, é possível fazer um prognóstico da faixa de estatura que a criança vai alcançar, ou seja, prever a altura alvo de uma criança pela genética e a idade óssea.

» De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), a estatura considerada normal para homens é de 1,63m e mulheres acima de 1,53m. Abaixo dessas medidas, é recomendado o tratamento para o crescimento.  
» O hormônio do crescimento é caro, injetável, de aplicação todas as noites. Há risco de efeitos colaterais, que podem ser muito graves, se a terapia hormonal for feita de forma inadequada. Nesse caso, o paciente é acometido de alergias, alterações ósseas e até cardíacas.

» Quando há diagnóstico de deficiência do hormônio do crescimento, com de nanismo, o tratamento com terapia hormonal é adequado e é possível controlar esses efeitos colaterais.

» Existe uma pressão social em cima das crianças e dos pais, ligando uma alta estatura ao desempenho. Desde que seja uma estatura normal e adequada para aquela genética, o  tratamento  não está indicado.

» O tratamento para crescer só é indicado quando há baixa estatura, de acordo com a  OMS, e com prejuízos das questões funcionais.

» Existem  dois tipos de nanismo. O ósseo, chamado de acondroplasia, que é uma doença genética dos ossos. Hoje tem tratamento e, no Brasil, é super recente, licenciado neste ano. É usado na Europa, EUA e japão há alguns anos. Está sendo criado um protocolo no SUS, mas já há pacientes sendo tratados no país, após os pacientes entrarem na Justiça. É um medicamento caro, em torno de R$ 5 mil mensais.

» Outro tipo de nanismo é o hipofisário, quando a hipófise não produz o hormônio do crescimento. Também é um tratamento caro, em torno de R$5 mil por mês e é fornecido pelo SUS.

3. DIABETES

» Geralmente, esse tipo de doença na criança e no adolescente é do tipo 1, atingindo em torno de 90% dos casos.

» Diferentemente das pessoas que associam diabetes e obesidade, o tipo 1 acontece principalmente em crianças mais magras.

» A doença é hormonal e caracterizada pela falta de insulina, produzida pelo pâncreas, com características autoimunes, ou seja, quando o organismo produz anticorpos contra os órgãos.

» A diabetes tipo 2 é menos comum entre crianças e adolescentes. Esse tipo de enfermidade se revela quando há uma exaustão do pâncreas, que para de produzir insulina, em função de hábitos ruins durante a vida (alimentação e sedentarismo, por exemplo)

» Em casos de obesidade muito severa, a diabetes tipo 2 pode acontecer em crianças e adolescentes, mas é muito raro.

» Os sintomas da diabetes tipo 1 são perda de peso, excesso de xixi e sede, em volumes anormais, passando dos cinco litros por dia.

4. PUBERDADE PRECOCE

» Doença que está cada vez mais comum  na atualidade, devido a causas ambientais (produtos químicos, que podem funcionar como desreguladores endócrinos, entre eles cosméticos, principalmente quando usados os de adultos em crianças).

» Outra causa são os hormônios em alimentos processados e ultraprocessados,  associados a poluentes diversos e agrotóxicos.

» Mesmo as maquiagens feitas exclusivamente para crianças só devem ser usadas quando vierem acompanhadas pelo selo do Inmetro, que atesta  que o produto está livre de substâncias que causam problemas  endócrinos.

» A puberdade precoce é diagnosticada nas meninas a partir da menstruação e do desenvolvimento das mamas cada vez mais cedo.

» Nas meninas, o início da puberdade não pode ocorrer antes dos 8 anos. Entretanto, a primeira menstruação geralmente acontece a partir dos 10 anos.

» Nos meninos, os primeiros sinais de puberdade (pelos pubianos) não devem acontecer antes dos 9 anos.

» A avaliação para marcação do fim da puberdade para meninos é feita apenas por médicos e o divisor se encontra no fim do crescimento. Nas meninas, esse término da puberdade e o fim do crescimento ocorrem quando há a primeira menstruação.  

» A puberdade precoce prejudica não só o crescimento. Em se tratando das meninas, o corpo fica sexualmente pronto, porém, sem maturidade para lidar com essa condição.  

» Além de gerar riscos metabólicos (obesidade e diabetes) e de prejudicar a fertilidade (gravidez e menopausa precoces).

» As causas principais da puberdade precoce são herança genética, tumores benignos ou até mesmo câncer, algum trauma craniano, além das causas ambientais já mencionadas.  

5. OBESIDADE

» É uma doença com causas multifatoriais, desde hereditárias, passando por maus hábitos (alimentares e sedentarismo) a uma desregulação hormonal, como a puberdade precoce.

» Existe tratamento para puberdade precoce, de forma injetável, que retarda o início da puberdade para depois dos 11 anos, nas meninas, e 12 anos,  para os meninos.

» Há o sobrepeso tolerável, com massa magra. Entretanto, uma criança que chega ao nível da obesidade não pode-se falar em biotipo, visto que é um problema grave de saúde, que pode desencadear diabetes.

» As doenças endócrinas vêm aumentando, em especial a obesidade, em função não só de hábitos alimentares e de sedentarismo. O tempo de exposição a telas (TV, celular e computadores em geral) pode resultar em desequilíbrio na produção hormonal, comprometendo não só o metabolismo, mas o sono e causando transtornos mentais (depressão e ansiedade).