A relação entre solidão e depressão é conhecida da ciência, e esse é um assunto cada vez mais discutido, especialmente por causa do envelhecimento da população e aumento da expectativa de vida

A relação entre solidão e depressão é conhecida da ciência, e esse é um assunto cada vez mais discutido, especialmente por causa do envelhecimento da população e aumento da expectativa de vida

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Mais de um terço dos adultos (34%) mais velhos e idosos brasileiros apresentam sintomas depressivos, e 16% afirmam sentir solidão. Além disso, a presença desses sentimentos é quatro vezes mais comum entre os idosos que relatam sempre se sentirem solitários, e o risco de desenvolver depressão dobra pelo simples fato de a pessoa morar sozinha. A constatação é de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que também concluiu que a solidão foi mais associada ao sexo feminino, às sensações de má qualidade do sono e a uma autoavaliação ruim da saúde como um todo. Os resultados foram publicados na revista "Cadernos de Saúde Pública".

A pesquisa foi fundamentada nas respostas fornecidas por 7.957 pessoas com 50 anos ou mais para a primeira edição do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil). Os participantes foram questionados sobre a frequência com que se sentiram sozinhos ou solitários, podendo responder "sempre", "algumas vezes" ou "nunca". Entre os quase 8 mil entrevistados, 34% relataram a presença de sintomas depressivos, enquanto 16% afirmaram experimentar sentimentos de solidão. Dentre aqueles que relataram sintomas depressivos, 33% mencionaram sentir-se sempre sozinhos.

Os sintomas depressivos dos participantes foram avaliados por meio de um padrão utilizado em estudos científicos para verificar sintomas de depressão em adultos. Trata-se de uma escala composta por oito itens indiretos, sem a palavra depressão, onde os pesquisadores perguntam sobre sintomas comuns. Se a pessoa respondeu ao menos quatro dos oito itens favorecendo à depressão, ela foi considerada como tendo sintomas depressivos.

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"Existe uma pequena diferença entre nomear essa variável como depressão ou como sintoma depressivo, já que a depressão é um diagnóstico médico. Para isso, a nossa fonte de dados teria que ser um prontuário médico. Como nossa base de dados foi uma entrevista realizada diretamente com idosos e nós avaliamos os sintomas que eles reportaram, optamos por chamar a variável de sintomas depressivos e não de depressão", explicou o médico geriatra e doutorando em gerontologia Paulo Afonso Sandy Junior, um dos responsáveis pelo estudo.

Diferença entre solidão e isolamento social

Segundo Sandy Junior, a solidão ou sentir-se sozinho é definido como um sentimento negativo e doloroso, geralmente subjetivo, que acontece quando a pessoa espera receber mais das suas relações sociais e recebe menos, gerando uma insatisfação e o sentimento de solidão. É diferente do isolamento social, que é algo mais objetivo, que conseguimos medir via indicadores, tais como viver sozinho, manter contatos sociais pouco frequentes, ter baixos níveis de atividade social ou de interações com outras pessoas.

"Quando eu falo de isolamento social, estou falando de algo objetivo. Não é porque uma pessoa tem poucas relações ou vive sozinha que necessariamente vai se sentir solitária. Do mesmo modo, a pessoa pode se sentir solitária não estando isolada, estando casada, tendo amigos, estar trabalhando", diz Sandy Junior.

O pesquisador explica ainda que morar sozinho é um dos indicadores do isolamento social, mas o fato de morar sozinho, diz o geriatra, não quer dizer que o idoso terá o sentimento ou a percepção negativa e dolorosa de que as relações sociais não o satisfazem. Mas, especificamente na população brasileira, morar sozinho acaba sendo um fator de risco para sentir solidão.

"Estamos falando de pessoas com 50 anos ou mais e existe uma peculiaridade nessa população, principalmente nos muito idosos, porque morar sozinho nem sempre é uma escolha, é algo inevitável. É muito difícil que um idoso no Brasil vá morar sozinho porque quer, porque tem condição financeira de se manter, porque tem saúde ou porque se sente confortável. Na maioria das vezes, eles moram sozinhos por falta de opção e isso acaba refletindo em outras coisas. E, quanto mais idoso, maior a chance de a saúde deteriorar, de ter limitações, aumento de dependência. E sem ter relações de suporte, esse idoso acaba se sentindo mais solitário", avaliou o pesquisador.

A relação entre solidão e depressão é conhecida da ciência, e esse é um assunto cada vez mais discutido, especialmente por causa do envelhecimento da população e aumento da expectativa de vida. Segundo Sandy Junior, os resultados da pesquisa preocupam porque uma pessoa com depressão e solitária tem menos motivação para seguir os passos para um envelhecimento saudável e para manter comportamentos promotores de saúde - como praticar atividades físicas, manter atividades sociais e de lazer, ter uma alimentação saudável, não fumarnão beber.

"Esses comportamentos nocivos de saúde são associados a condições mentais negativas. Pessoas que são deprimidas e solitárias têm mais desfechos negativos de saúde: elas morrem mais, morrem mais cedo, têm mais demência, mais fragilidade, mais perda funcional. Isso afeta diretamente o envelhecimento saudável dessa pessoa", afirma o médico.

 

Segundo a médica geriatra da empresa especializada em cuidados domiciliários, Saúde no Lar, Márcia Pagano Pereira, não existem sintomas específicos para a terceira idade no diagnóstico da depressão. "Eles geralmente seguem padrões semelhantes a outras faixas etárias, embora possam ter algumas particularidades. Costumam apresentar mais manifestações atípicas, como fadiga, dor crônica, comprometimento cognitivo, disfunção executiva, problemas de autocuidado, abuso de medicamentos, de álcool, e distúrbios do sono. Entre os sinais aos quais as pessoas próximas ao paciente devem estar atentas, estão o sentimento prolongado de tristeza, vazio ou desesperança; a falta de interesse ou prazer em atividades que antes eram apreciadas por eles; a perda ou ganho significativo de peso, associado à mudança no apetite; insônia ou sono excessivo; sensação constante de cansaço e falta de energia; sentimentos intensos de culpa, inutilidade ou autocondenação; dificuldade em se concentrar, tomar decisões ou lembrar detalhes; resfriamento físico ou apatia; manifestações físicas como dores no corpo frequentes, dores de cabeça, problemas digestivos sem outras causas conhecidas; além do isolamento social."

É importante lembrar, segundo a especialista, que muitos idosos podem ter dificuldade em expressar seus sentimentos ou
relatar esses sintomas e, por isso, é fundamental que familiares, cuidadores e profissionais de saúde estejam atentos a possíveis mudanças de comportamento ou no humor do paciente. Eles podem ser, inclusive, mais resistentes ao diagnóstico de depressão por vários motivos.

Entre eles, a geriatra pondera o fato de muitos deles terem crescido em uma época em que havia muito estigma associado a problemas de saúde mental. "Eles podem acreditar que a depressão é um sinal de fraqueza ou que é algo que deve ser capaz de superar por conta própria, sem buscar ajuda. Muitos não compreendem ou se sentem desconfortáveis e escondem seus sintomas."

A especialista reforçe que é muito comum eles relatarem queixas clínicas inespecíficas, como dores, tontura, mal-estar, falta de energia e cansaço, ao invés de mencionar sintomas emocionais. Além disso, em alguns casos, não expressam seus sentimentos devido a problemas de linguagem, audição ou outros problemas de saúde que afetam sua capacidade de se expressar.

"O desafio no tratamento da depressão em idosos começa no diagnóstico, muitas vezes tardio, devido às queixas menos específicas e dificuldades de comunicação, e torna-se ainda maior com o perfil de fragilidade, múltiplas comorbidades, polifarmácia e interações medicamentosas, além da resistência às terapias, farmacológicas ou não", aponta.

 

*Por Fernanda Bassette