O jornalista e advogado Eduardo Nunes Campos lança, em 31 de agosto, livro em que relata a experiência de acompanhar sua mãe com Alzheimer durante 15 anos, até sua partida, em 2020. Com a publicação A filha que não tive - Minha mãe e eu depois do Alzheimer, ele relata o que aprendeu com a jornada de cuidar de Elza. "Tem muita gente passando por situação semelhante, sem falar nos que podem vir a passar. Depois que escrevi, percebi que colocar a experiência no papel teve também um componente catártico", diz. Além do lançamento, o encontro terá a participação dos geriatras Néstor Carlos Gersztein e Ana Luisa Rugani Barcellos, que prestaram assistência a Elza, e falarão sobre prevenção e desaceleração da doença com o debate Prevenir e desacelerar o Alzheimer: realidade ou ficção?.



Eduardo conta que a mãe sempre foi vaidosa. O primeiro sinal de que algo não estava bem foi quando Elza, depois de fazer uma aula de hidroterapia, saiu da piscina vestida com um hobby e o cabelo molhado, e pediu para o motorista levá-la ao banco, uma atitude atípica para ela, que à época tinha 77 anos. Era 2005. Dias depois, chamou Eduardo, seu filho caçula, pelo nome de seu irmão mais novo. Em outra ocasião, voltou ao banco para retirar uma quantia mínima de dinheiro, que o funcionário lhe entregou em moedas. "Achamos estranho e vimos que tinha alguma coisa errada. Era fora da curva, não batia com a personalidade dela. Havia lhe acompanhado em um consulta com um geriatra e resolvi voltar ao médico. Fez uma série de perguntas, mas não concluiu do que se tratava e encaminhou minha mãe para uma psicóloga", lembra Eduardo, que tem três irmãos.

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Dessa vez, passou pelo que se chama exame neuropsicológico - foram quatro dias realizando uma série de procedimentos, incluindo testes de memória, de cognição, entre perguntas direcionadas, leituras e também cálculos matemáticos - e, paralelamente, foi submetida a uma ressonância magnética. Eduardo relata que, até então, não existia um exame de imagem que apontasse com certeza a lesão no cérebro que caracteriza a doença (hoje em dia, até há esse teste de imagem, mas é de difícil acesso, caro e não disponível em todas as capitais do país, ainda que exista no Brasil). O diagnóstico, dessa forma, se dava por exclusão.

O exame neuropsicológico apontou capacidades totalmente preservadas, capacidades parcialmente preservadas, e capacidades comprometidas, indicando um quadro de demência. No fim de 2005, ela recebeu o diagnóstico de demência mista, o que significa um conjunto entre demência vascular cerebral (múltiplos infartos cerebrais) e Alzheimer.



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A partir daí, a vida de Eduardo mudou completamente. Desde o fim da década de 1990, entre indas e vindas para morar e estudar na Europa, então de volta ao Brasil ele percebeu que lhe cabia a missão de estar ao lado de Elza para o que fosse preciso. Abandonou o doutorado em direito na Universidade de Coimbra, em Portugal, com 291 páginas da tese de conclusão do curso escritas. "Depois de conversar com meus irmãos, vi que quem tinha que cuidar dela era eu. Me encontrei em um dilema. Era minha mãe ou a tese".

Em um primeiro momento, era essencial que Elza vivesse com conforto. Eduardo alugou um apartamento mais amplo no próprio edifício onde morava, e ela passou a ficar ali. Eduardo também era professor universitário, e da mesma maneira parou com as aulas para estar integralmente com a mãe. "Dava aulas com o telefone ligado. Não seria mais possível", relata.

Elza teve com ela uma rede de apoio. Além do filho completamente dedicado, contou com cuidadores profissionais, motorista, uma funcionária em casa, fisioterapeuta, assistência domiciliar pelo plano de saúde com médicos e enfermeiros, e os geriatras. Umas da atividades de que Elza mais gostava era receber o professor de violão, que tocava e cantava para ela. "É cientificamente comprovado que a musicoterapia ajuda pessoas com Alzheimer."



Eduardo conta que Elza viveu o quanto quis até sua morte, em 3 de agosto de 2020. A doença, claro, evolui. "Mas ela curtiu a vida até o último momento. Passeava de carro, caminhava, tinha estímulos." Com o livro, o desejo de Eduardo é transmitir para pessoas que passam por situações parecidas, que precisam cuidar de um ente querido, de alguém demenciado, o que aprendeu, demonstrando dicas valiosas, como a forma com que venceu a resistência de Elza em tomar banho, por exemplo.

"Quero falar um pouco sobre o muito que a vida me ensinou. Sobre a visão que construí durante esse processo. Fiz um curso em gerontologia, a fim de assumir o ofício de um cuidador familiar, mas minha experiência prática me ensinou muito mais". Eduardo diz que, ao contrário de quem vivencia algo parecido e percebe a doença como uma catástrofe, sua visão é diferente. "A doença é muito cruel. Gera muito sofrimento, para quem tem e para as pessoas próximas. O que quero é desmistificar a ideia de que não há nada a fazer. Há vida ainda, ainda que seja outra vida." 

Sobre o processo do Alzheimer em si, Eduardo aprendeu que cada pessoa é única. Para ele, não se pode partir do pressuposto que o paciente se desliga totalmente da vida, que perde a conexão com o mundo, que deixa de ter prazeres e dores, em suas palavras. "Ela teve uma certa lucidez até sua partida. Enquanto a pessoa tem projetos, seja quais forem, a vida ainda faz sentido. Minha mãe foi a filha que não tive. Aconteceu uma inversão de papéis. Dizia que eu mandava nela, que era seu diamante."

 

Lançamento é no dia 31 de agosto

(foto: Reprodução )
A publicação estará disponível em várias livrarias, como Quixote, Cooperativa Médica e a Livraria da Rua, em Belo Horizonte.

SERVIÇO


A filha que não tive - Minha mãe e eu depois do Alzheimer

Edição de Eduardo Nunes Campos

Projeto gráfico de Cláudia Barcellos
Revisão de  Jurani Garcia

200 páginas


Lançamento do livro:

Dia: 31 de agosto de 2023, às 19h15

Local: Casa do Jornalista

Avenida Álvares Cabral, 400, Centro - Belo Horizonte

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