No último domingo (27/8) foi celebrado o Dia do Psicólogo. A data reacende o debate acerca do papel desempenhado pelos profissionais na sociedade e também nos esportes. Nos últimos anos, diversos casos vieram à tona sobre a saúde mental dos atletas de alto rendimento. A situação mais marcante e que ligou um alerta a respeito do tema ocorreu com a ginasta Simone Biles.
Outro exemplo vem do tênis, com a japonesa Naomi Osaka, que desistiu de competir em Roland Garros e Wimbledon, em 2021. Na ocasião, em carta, ela falou sobre depressão, ansiedade e dificuldade em lidar com compromissos extra-quadra.
No campo científico, dois estudos acadêmicos, um da British Journal of Sports Medicine e outro da Unicamp, apontaram que os transtornos mentais tendem a persistir por um período mais longo em atletas em comparação com a população em geral. Enquanto a faixa etária de pico para problemas do tipo na população é tipicamente entre 15 e 25 anos, para atletas, ela se estende de 15 a 30 anos.
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Na visão de especialistas, esse período prolongado de sofrimento mental sugere que as demandas dos esportes de alto rendimento contribuem para um sofrimento psicológico crônico e duradouro.
"A depressão em atletas de alto rendimento pode ocorrer devido a diversas causas, às vezes resultante da combinação de algumas delas. As expectativas elevadas associadas aos atletas de elite são uma constante. Sempre se esperam grandes feitos e nem sempre é possível corresponder a tais expectativas. Portanto, mesmo que um atleta tenha conquistado o mundo hoje, amanhã essas expectativas não diminuirão. Pelo contrário, elas permanecerão elevadas. Dessa forma, as chances de frustração são consideráveis. Outras causas são a ocorrência de lesões e o processo de reabilitação; o isolamento social por conta da rotina de treinos, viagens e competições; a transição de carreira e a pressão financeira", explica o coordenador de psicologia esportiva do Comitê Olímpico do Brasil, Eduardo Cillo.
Um artigo publicado pelo Hospital Albert Einstein, em dezembro de 2022, relata que "a depressão entre os profissionais de alto rendimento tem ficado mais comum, bem como a ansiedade. Apesar de poucos estudos, alguns dados mostram que os atletas de futebol têm maiores taxas de sintomas depressivos e de Síndrome de Burnout que a população em geral."
Apesar desses indícios, alguns clubes brasileiros não contam com psicólogos no elenco profissional, como é o caso do Flamengo. O rubro-negro recentemente esteve envolvido em dois episódios de violência física entre companheiros da própria equipe. Primeiro, houve o soco do preparador físico de Jorge Sampaoli no atacante Pedro, e dias depois, ocorreu outra desavença entre os atletas Gerson e Varella.
Na CBF, o assunto também vem ganhando destaque. No início do ano, o presidente da instituição, Ednaldo Rodrigues, aceitou as recomendações da Comissão Nacional de Médicos do Futebol (CNMF) sobre a necessidade do acompanhamento psicológico para a seleção masculina principal e de base. A última vez que o time masculino contou com um profissional da área foi na Copa do Mundo de 2014.
Na esfera dos clubes, alguns já têm dado atenção a esse tema, como é o caso do Fortaleza. Na visão de Sheyla Gomes, psicóloga que atua nas categorias de base da agremiação nordestina, a atual realidade da sociedade tem exigido cada vez mais o suporte de especialistas em cuidar da mente dos esportistas.
"A importância da saúde mental dos atletas está sendo muito abordada, até mesmo com manifestações públicas dos próprios atletas. Em tempos de redes sociais, percebemos que eles estão mais expostos a críticas e pressões, fazendo-se necessário um trabalho de autoconhecimento e fortalecimento mental para saber lidar com essas demandas e poder desempenhar um bom trabalho. O atleta necessita estar em equilíbrio técnico, físico, tático e mental para ter condições de desempenhar uma melhor performance no campo", analisa.
"Mais do que pensar em questões clínicas, o psicólogo deve participar do dia a dia do clube, compreender bem o contexto e contribuir para que o atleta atue bem frente às grandes pressões. São muitas as vertentes a serem trabalhadas", acrescenta o psicólogo esportivo do Guarani, de Campinas (SP), e pós-doutor em Desenvolvimento Humano, André Luis Aroni.
Mas como funciona esse trabalho no cotidiano? Psicóloga do Sport, Rosângela Vieira explica: "A preparação psicológica ocorre a partir de três períodos: pré-competitivo, competitivo e pós-competitivo. Realiza-se uma avaliação das habilidades cognitivas e emocionais do atleta e, a partir daí, o psicólogo irá treinar a mente dos atletas através de técnicas cientificamente comprovadas, para que o mesmo potencialize seu rendimento, aprenda a regular suas emoções e use estratégias assertivas para tomadas de decisões em treinos e jogos. Um atleta mentalmente preparado sabe lidar com situações esperadas e inesperadas, e adquire resistência mental para alcançar seus objetivos".
Eduardo Cillo, do COB, faz um alerta sobre um estereótipo que a própria sociedade criou em torno dos esportistas. "A gente imagina que os atletas têm que ser mentalmente fortes o tempo inteiro. Se a gente não criar uma rede de apoio, não dar chance para que eles possam contar com ajuda em momentos de vulnerabilidade, eles tendem a ficar mais isolados, daí a chance de conseguirem lidar com as próprias emoções é menor. O conjunto de todos esses itens pode levá-lo a um quadro depressivo."