Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um país só é considerado "smoke free" ou "livre do fumo", quando sua população tem no máximo 5% de fumantes. A Suécia é o primeiro país do mundo prestes a alcançar esse feito, com um índice atual de apenas 5,6% de fumantes em todo o seu território. Nenhuma outra nação da União Europeia está sequer próxima de replicar essa conquista, já que a média de fumantes no continente é de 23%.
No primeiro semestre deste ano, o Brasil recebeu uma delegação de especialistas suecos que apresentaram o estudo "The Swedish Experience: A roadmap for a smoke-free society" ("A Experiência Sueca: Um roteiro para uma sociedade livre do fumo"), cujo objetivo é replicar o sucesso da Suécia em nosso país. De acordo com o médico Delon Human, autor do estudo, "o Brasil possui as características necessárias para um bom programa de redução de danos. O país tem medidas de muito sucesso para o bem-estar coletivo, como a proibição da fumaça em ambientes fechados, mas essas medidas são pouco efetivas na redução do número de fumantes na prática, apenas mascaram os problemas. Em suas casas e ao ar livre, as pessoas continuam consumindo tabaco", explica Human.
Para o médico, o sucesso do modelo sueco se deve à combinação do controle do tabaco com a minimização dos danos. "A Suécia segue as recomendações da OMS, incluindo a redução da oferta e demanda de tabaco, proibição de fumar em determinados locais, mas acrescenta um elemento importante: aceitar produtos livres de fumaça como alternativas menos prejudiciais", afirma.
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Além da Suécia, outros países que regulamentaram o uso de produtos alternativos de nicotina vêm apresentando expressiva queda no número de fumantes. É o caso do Reino Unido, Japão e Nova Zelândia. Segundo Alexandro Lucian, presidente da Diretório de Informações para Redução dos Danos do Tabagismo (Direta), organização não-governamental que promove a participação ativa da sociedade civil na formação de um grupo multidisciplinar para redução de danos do tabaco, esses países têm em comum a adoção de políticas de redução de danos.
"O Brasil tem a chance de se juntar, este ano, a países que estão tendo sucesso no combate ao tabagismo e isso passa pela regulamentação dos cigarros eletrônicos e seu uso nas medidas de redução de danos. Quando há regulamentação, o dispositivo e suas essências podem ser produzidos por quem realmente entende. Com a quantidade certa de nicotina e qualidade comprovada, teremos menos riscos", diz Lucian. "Esses países estão provando que aceitar produtos sem fumaça como alternativas menos prejudiciais, tais como tabaco aquecido, tabaco oral e cigarros eletrônicos, tornando-os mais acessíveis a adultos fumantes, é uma estratégia que pode salvar milhões de vidas na próxima década se outros países adotarem medidas semelhantes", reforça.
Países que regulamentaram o vape têm controle rígido sobre a origem e quantidade dos componentes de cada dispositivo, o que garante uma diminuição dos riscos à saúde para quem substitui totalmente o cigarro convencional para o eletrônico. "A experiência de outros países mostra que a regulamentação é positiva inclusive nos dados de consumo. Quando não havia regulamentação, o consumo de vape entre jovens dos Estados Unidos chegou a 27.5% em 2019, muito similar ao que temos no Brasil hoje, em que 1 em cada 4 adolescentes já experimentaram os produtos ou 25%. Após a regulamentação, o consumo entre adolescentes norte-americanos caiu mais de 50% e atualmente o consumo total de nicotina, que inclui cigarros convencionais, eletrônicos e até cachimbos e charutos, está em 14%, o menor dos últimos 50 anos. O uso frequente de vape entre os jovens é de menos de 5% e o tabagismo adolescente caiu para 2%, também o menor das últimas décadas.
Histórias de redução de danos
Lucas Nunes, de 33 anos, é uma das pessoas que vem se beneficiando pela redução de danos ao ter trocado o cigarro tradicional pelo vape. Fumante por 15 anos, chegou a fumar um maço por dia e até três maços no fim de semana. Tentou parar diversas vezes com ajuda médica, medicamentos e chicletes de nicotina. Todos eles sem sucesso. Em 2020, decidiu testar o vape, mesmo sem saber se a troca seria eficiente. "Desse dia em diante, eu nunca mais fumei um cigarro sequer, as duas primeiras semanas foram um pouco diferentes do que estava acostumado, mas a adaptação foi extremamente tranquila."
Ele conta que a troca foi muito mais positiva do que ele esperava. "Hoje eu tenho muito mais disposição para fazer diversas coisas que não fazia antes, tenho uma vida muito mais ativa dessa forma, ganhando assim em qualidade de vida. Consigo estar mais focado no que estou fazendo, porque não preciso mais parar a cada meia hora para fumar e não incomodo mais as pessoas ao meu redor com um cheiro terrível".
Iury Thadeu Cruz da Silva, de 41 anos, tem uma história parecida com a de Lucas. Foram quase 20 anos de tabagismo e tentativas frustradas de parar. Com a troca do cigarro pelo vape, ele diz que recuperou o fôlego, disposição e até alguns sentidos. "Sinto melhor o cheiro e o gosto das coisas. Melhorou minha gengivite, não vivo mais com odor de cigarro no corpo, não tenho mais mau hálito, pratico atividades físicas com mais disposição e muito menos cansaço, além de não prejudicar quem está ao redor".
Pedro Soares, de 43 anos, também notou mais disposição depois de ter optado pelo vape após mais de 20 anos de tabagismo. "Depois que larguei o cigarro nunca mais tive tosse, antigamente tossia 24 horas, vivia cansado e com falta de ar, agora meu fôlego melhorou em 90%."
Julherme dos Santos Ferreira não conseguia parar de fumar nem quando descobriu um enfisema pulmonar. Tentou grupo de apoio e até remédio caseiro, sem sucesso. Conseguiu, no entanto, trocar o cigarro pelo vape em apenas um dia. "No meu nível de dependência da nicotina, não teria conseguido parar sem o auxílio do vape, pois ele me permite que eu vá reduzindo a miligramagem de nicotina e assim ficando cada vez mais perto de largar totalmente a nicotina."
Hoje, fumantes brasileiros que desejam trocar o cigarro tradicional por produtos alternativos de nicotina, como o cigarro eletrônico, ficam à mercê de um mercado ilegal que não tem obrigação de seguir qualquer regra sanitária ou oferecer um controle de qualidade. "A proibição há 14 anos vigente acabou se mostrando ineficaz e é preciso tomar atitudes para preservar nossa população, em especial os jovens. A regulamentação pode proteger a sociedade do consumo indiscriminado, do mercado ilegal, dos produtos falsificados, além da falta de informações adequadas sobre os riscos e danos dos produtos", diz Lucian.