O tempo entre uma pancada na cabeça e o início do surgimento de danos associados à doença de Alzheimer pode ser de apenas algumas horas. É o que indica um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de Purdue, nos Estados Unidos, divulgado, nesta terça-feira (29/08), na revista Lab on a Chip. A equipe liderada por Riyi Shi desenvolveu um cérebro em miniatura para avaliar o fenômeno.
Com o dispositivo em mãos, submeteu grupos funcionais de neurônios de ratos cultivados em laboratório a três golpes de força com impacto máximo semelhante ao recebido por um jogador de futebol americano em uma pancada na cabeça, durante uma partida. Segundo o ensaio, o trauma reproduzido em um chip levou ao aumento imediato na produção de acroleína, uma molécula associada ao estresse oxidativo e a doenças neurodegenerativas.
Leia: Como as cabeçadas se tornaram uma das maiores preocupações do futebol
No experimento, os cientistas também notaram, no minicérebro, uma elevação na quantidade de estruturas anormais formadas pelo acúmulo inadequado da proteína beta amiloide 42 (AB42), condição que é comumente encontrada em pessoas com doença de Alzheimer. "Essa patologia beta amiloide começou em poucas horas. Talvez, imediatamente. Nunca se ouviu falar disso", ressalta, em nota, Shi.
Segundo Marcelo Lobo, neurologista do Hospital Santa Lúcia, em Brasília, estudos científicos sugerem que lesões cerebrais traumáticas podem desencadear uma série de eventos neuroinflamatórios e alterações metabólicas que contribuem para o acúmulo anormal de proteína beta amiloide no cérebro. "A resposta inflamatória resultante do traumatismo craniano pode interferir no processo de eliminação normal da beta amiloide, favorecendo seu acúmulo. No entanto, mais pesquisas são necessárias para esclarecer os mecanismos subjacentes e as implicações clínicas dessa ligação", pondera.
Leia: Remédio para esquizofrenia é usado off label para agressividade causada por Alzheimer
Shi e os colegas acreditam que o cérebro em miniatura ajudará ele e a equipe a aprofundar o entendimento sobre a relação entre lesões traumáticas na cabeça e a doença de Alzheimer. "Isso está bem estabelecido na observação clínica. Mas descobrir o caminho básico e essencial não é fácil. Com a tecnologia em um chip, somos capazes de testar muitas hipóteses que seriam muito difíceis de avaliar em animais vivos", relata.
Tratamento
A invenção usa um pêndulo para fornecer força G a uma pequena câmara que abriga cerca de 250 mil neurônios. Um conjunto microeletrônico embutido na câmara mede a atividade elétrica das células nervosas, enquanto uma espécie de porta permite a observação microscópica delas. De tempos em tempos, os pesquisadores removem o aglomerado de neurônios para fazer avaliações bioquímicas. "Há várias coisas únicas que fazemos aqui, mas uma das maiores é que você pode atingir esse chip sem danificá-lo para poder causar impacto em um modelo vivo e continuar a estudá-lo", destaca Shi.
Segundo a equipe, o dispositivo também pode ser utilizado para testar possíveis terapêuticas, incluindo medicamentos conhecidos por reduzir os níveis de acroleína. No estudo atual, eles observaram esse efeito, após a simulação de uma pancada com o uso da hidralazina, droga aprovada nos EUA para reduzir a pressão arterial. "Agora que sabemos o que está acontecendo, há algo que possamos fazer a respeito? E a resposta é sim. Aqui, mostramos que, se reduzirmos a acroleína com esse medicamento, podemos diminuir a inflamação e a agregação de AB42", explica.
Leia: A nova droga que interrompe evolução do Alzheimer
De acordo com o artigo, nas primeiras 24 horas após uma pancada, os resultados mostram níveis elevados de acroleína nos aglomerados de neurônios e um aumento de 350% na produção de AB42 defeituoso. "Graças a esse dispositivo, as pessoas devem saber que quando você sofre uma concussão, não há 10 anos para ver os danos. O tempo começa a contar imediatamente E se quisermos fazer algo a respeito, precisamos agir rapidamente", alerta Shi.
Luan Diego Marques, psiquiatra do Instituto Meraki Saúde Mental, em Brasília, reforça a importância da tecnologia. "A capacidade de construir e estudar um cérebro em laboratório é um marco na neurociência. Em combinação com a atual literatura sobre Alzheimer, essa pesquisa pode revelar novas nuances sobre como traumas e fatores ambientais contribuem para doenças neurodegenerativas, abrindo portas para terapias preventivas e tratamentos mais eficazes", avalia. "Inclusive, pode ser fundamental dosar substâncias identificadas nesse estudo como maneira de perceber o risco no desenvolvimento do Alzheimer."
*Para comentar, faça seu login ou assine