A maioria dos pais e milhares de professores não sabe, mas uma a cada sete crianças no mundo tem dificuldade para ler ou aprender. O grande problema nesse caso é que essa criança não sabe que é anormal as letras tremerem ou embaçarem, ter fotofobia, coceira nos olhos e ter dificuldades em esportes com bola. Como a condição é comum a essa criança, ela não comenta e nem reclama com os pais ou professores. Ela acaba se tornando um estudante com dificuldade para manter a atenção (foco), tem frequentes dores de cabeça ou enxaqueca, e cansaço. Os sintomas são comuns entre pessoas com problemas de processamento visual.
A verdade é que a síndrome de Irlen, também chamada de síndrome da sensibilidade escotópica, ainda é desconhecida para grande parte das pessoas. A estimativa é que aproximadamente 14% da população mundial apresenta essa condição, sendo que muitas pessoas nem têm conhecimento do problema. A oftalmologista Márcia Reis Guimarães, diretora da Fundação de Olhos, mantida pelo Hospital de Olhos Dr. Ricardo Guimarães, explica que a origem é hereditária, surgindo a partir dos genes de um ou ambos os pais, em variados graus de intensidade, podendo evoluir ao longo dos anos.
A especialista conta que é por esse motivo que centenas de indivíduos não sabem que são portadores, até começarem a sentir os efeitos, já na fase adulta. Outros apresentam sintomas ainda muito novos, mas não conhecem outra realidade, ou seja, acreditam que seja algo corriqueiro.
Márcia Guimarães trabalha com o diagnóstico da doença e também capacita pais e professores em cursos, envolvendo a chamada neurovisão. A descoberta ocorreu nos anos 1980, quando a psicopedagoga Helen Irlen identificou a relação do cérebro e sua capacidade de processamento, causando uma alteração na visão que provoca sensibilidade extrema a alguns tipos de ondas de luz e distorções, à medida que se tenta, mas sequer consegue focar as palavras.
Segundo a oftalmologista, as reclamações mais comuns incluem a fotofobia (incômodo devido à claridade, como a emitida pela luz branca, sendo considerada prejudicial, além do cansaço visual); enjoos; ardência ocular e alterações na orientação visuoespacial. “Os sintomas provocam dores nos olhos e na cabeça, além de ansiedade e irritação, principalmente no fim do dia, em decorrência do esforço acumulado para conseguir finalizar as atividades e obrigações cotidianas”, alerta.
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Os pais e professores devem ter atenção, pois os principais efeitos podem ser percebidos ainda na fase infantil, especialmente quando a criança está em processo de alfabetização e demonstra dificuldade para ler ou compreender o que está escrito, comprometendo o aprendizado a médio e longo prazo.
"Os sintomas provocam dores nos olhos e na cabeça, além de ansiedade e irritação, principalmente no fim do dia"
Márcia Guimarães, oftalmologista
Os sintomas pioram à medida que os anos passam e a quantidade de conteúdo escolar fica maior. Márcia esclarece que as atividades estudantis, a cada ano, requerem mais tempo para execução e, assim, as dores se tornam mais frequentes. Visivelmente, o jovem não consegue acompanhar o restante da turma, diminuindo o interesse pelos estudos e interferindo também no emocional e na autoestima.
VÁRIOS TRATAMENTOS É o caso da estudante Ana Carolina do Espírito Santo, de 15 anos. A mãe dela, a enfermeira Tatiana da Silva Monteiro, conta que desde 2015 a filha passou por vários tratamentos, até que, finalmente, teve sucesso em 2020.
A estudante tinha muitas dificuldades na escola e Tatiana não entendia como era possível uma adolescente, na época com 12 anos, não saber ler. A mãe lembra que a condição, ainda desconhecida, afetava o desempenho escolar, comprometia a prática de esportes e as oportunidades para fazer amigos, deixando a adolescente solitária e insegura.
Muitos casos, inclusive, são descobertos no convívio e comportamento em sala de aula, quando os professores percebem as dificuldades do aluno e comunicam aos pais para procurarem ajuda especializada, visando identificar o problema. No entanto, Tatiana disse que ela mesmo identificou o problema, quando trabalhou em um hospital e tomou conhecimento da síndrome.
Geralmente, o diagnóstico é multiprofissional. Muitas vezes, começa em sala de aula, com os professores e, segue com outros profissionais, como psicólogos e oftalmologistas, capacitados para identificar a causa com testes, como o screening ou rastreamento, ou pelo protocolo padrão, chamado de método de Irlen.
Ana Carolina usa óculos especiais desde o diagnóstico. Apesar da ansiedade por rápidos efeitos no início, a técnica, com o tempo, propicia a melhora no desenvolvimento escolar, permite maior facilidade para estudar, assim como a prática esportiva e melhor convívio social para fazer amizades. Tatiana afirma que o diagnóstico e tratamento garantiram à sua filha uma vida saudável mental e fisicamente. “Meus sentimentos só poderiam ser de felicidade e gratidão”, avalia.
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