O primeiro estudo global sobre o aumento da poluição causada por incêndios florestais nas últimas duas décadas revela que quase 2,2 bilhões de pessoas enfrentam, anualmente, pelo menos um dia de perigo ambiental que pode afetar a saúde significativamente. Segundo o relatório da Universidade de Monash, na Austrália, esse número aumentou 6,8% de 2000 a 2019.





O trabalho — publicado, nesta quarta-feira (20/09), na revista Nature — destaca a gravidade e a extensão da poluição provocada por queimadas e o seu impacto crescente na população mundial. A exposição aos poluentes pode levar ao aumento na mortalidade, além de causar uma piora nas condições cardiorrespiratórias e na saúde mental, indica o documento. A pesquisa também aponta que países menos desenvolvidos sofrem mais com o problema.

Para o trabalho, o grupo de cientistas realizou uma estimativa diária da poluição do ar global desencadeada por incêndios paisagísticos. Os resultados mostram que 2,18 bilhões de pessoas foram expostas a pelo menos um dia de poluição significativa devido ao fogo em todos os anos estudados. Além disso, a exposição a poluentes de uma forma geral aumentou no mesmo período 2,1%. Em média, cada pessoa no mundo teve 9,9 dias de contato por ano.

O estudo, liderado pelos professores Yuming Guo e Shanshan Li, da Escola de Saúde da População e Medicina Preventiva da universidade australiana, também mostrou que os níveis de exposição a partículas finas — com 2,5 mícrons ou menos de diâmetro — estavam particularmente elevados em regiões como a África Central, o Sudeste Asiático, a América do Sul e a Sibéria.





 

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Guo sublinha que a exposição à poluição do ar causada pela fumaça de incêndios viaja centenas — às vezes, milhares — de quilômetros e pode afetar populações muito maiores, representando riscos muito altos para a saúde pública. "Portanto, mapear e rastrear a exposição da população à poluição do ar proveniente de incêndios em paisagens é essencial para monitorar e gerenciar seus impactos na saúde, implementar medidas de prevenção e intervenção direcionadas e fortalecer os argumentos em favor da mitigação das mudanças climáticas", indica, em nota, o pesquisador.

Grasielle Santana, pneumologista em Brasília, alerta que as partículas finas e gases tóxicos liberados nessas situações podem alcançar áreas profundas dos pulmões, acarretando uma série de malefícios. "Pessoas com problemas pulmonares preexistentes, como asma ou doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC), podem ter suas condições agravadas", ilustra. "Essa exposição pode levar a mais crises e complicações respiratórias que podem ser leves e até mesmo a complicações graves, com necessidade de internação hospitalar."

A especialista salienta que há a possibilidade de agravamento de outros problemas da saúde. "É fator de risco para crise de rinite alérgica, dermatite, conjuntivite e até mesmo de doenças cardíacas" lista. "Para pessoas com doenças respiratórias, é vital adotar medidas preventivas durante períodos de seca, onde a poluição por incêndios é intensificada, buscando orientação médica e tratamento adequado para evitar maiores danos nessa época."





Disparidades

Conforme o artigo, também há disparidades socioeconômicas significativas quando se trata das concentrações de partículas finas e de ozônio. Os países com uma pontuação menor no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e menos desenvolvidos apresentaram índices de exposição à poluição atmosférica provocada pelo fogo quatro vezes mais altos, quando comparados às nações com maior IDH e rendimentos elevados.

Os autores frisam que os incêndios florestais afetam frequentemente áreas remotas, onde não existem ou são limitadas as estações de monitorização da qualidade do ar. "Além disso, em muitos países de baixo rendimento, não existem estações de monitorização da qualidade do ar mesmo em áreas urbanas", indicam, em nota.

O grupo também relata os efeitos em nações desenvolvidas. Segundo eles, a situação recente do Canadá, em que os incêndios florestais espalharam fumaça para além de suas fronteiras, revelou o aumento na severidade e na frequência das queimadas devido às mudanças climáticas.





Thiago Ávila, ambientalista e coordenador no Instituto Bem Viver Para Pesquisa e Ação Climática, pontua que as queimadas, independentemente da origem, acarretam consequências que não se limitam ao bem-estar da população. Ele lembra que, sozinho, o fogo na floresta pode matar centenas de milhares de animais, destruir uma vasta biodiversidade da flora e da fauna, inclusive espécies ameaçadas de extinção.

"O equilíbrio do ciclo da água também é afetado, com a floresta perdendo as folhas e, portanto, sua capacidade de liberar umidade na atmosfera que gera chuvas nos continentes, aumentando as secas e a desertificação em vários locais", complementa. "Além disso, o incêndio é, em si, um evento emissor de gases do efeito estufa ao liberar o dióxido de carbono que, antes, estava armazenado nas plantas de uma floresta saudável."

Ávila reforça que a relação entre as mudanças climáticas e os incêndios é estreita. "Trata-se de um ciclo destrutivo que precisamos impedir, pois as queimadas depositam carbono na atmosfera, aumentando a emergência climática que, por sua vez, cria as condições para um aumento gradativo dos incêndios e outros eventos extremos."

 

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