Hoje (28/9), chega ao fim o 10º Congresso Todos Juntos Contra o Câncer, em São Paulo, nas modalidades online e presencial. Ao todo, cerca de 200 palestrantes, entre docentes, pacientes e autoridades participaram do evento. Na ocasião, temas como a banalização da cannabis medicinal foram tema de debate, como cita a médica Paula Dall'Stella: "Médicos que banalizam a prescrição da cannabis medicinal colocam a saúde de pacientes em risco". Segundo ela, que é fundadora e CEO da Sativa Global Education, empresa de capacitação em medicina endocanabinoide, os derivados da planta podem contribuir no tratamento de muitas doenças, mas devem ser indicados com seriedade devido aos efeitos adversos. 





 

A fala ocorreu nessa quarta-feira (27/9), durante o congresso que uniu especialistas para discutir evidências científicas sobre as substâncias obtidas a partir da maconha.

Dall'Stella explica que os canabinoides não são indicados para todos os casos. Conhecida pela capacidade de atuar no sistema endocanabinoide -responsável pela regulação de uma série de processos no corpo-, a cannabis medicinal pode interagir com outros remédios usados pelo paciente, causando efeitos adversos e podendo até mesmo levar à morte.


"Hoje, estima-se que em torno de 1% a 2 % dos médicos no Brasil têm educação sobre o tema. A primeira barreira de quem precisa é encontrar um profissional que realmente entenda do assunto", diz. "O papel do médico não é advogar por uma planta, é prezar pela segurança do paciente."

A endocanabinologia é o campo responsável por estudar a interação entre os canabinoides e o corpo humano. Nas últimas décadas, tem ganhado cada vez mais a atenção de cientistas, médicos e pacientes no mundo, devido às evidências que sugerem um grande potencial terapêutico para as substâncias obtidas a partir da planta.





Na oncologia, os óleos e outros produtos derivados da espécie são capazes de aliviar os efeitos colaterais dos tratamentos agressivos contra o câncer, controlando náusea, vômito, dor, alterações de humor e contribuindo para a manutenção do sono. Segundo os especialistas, é comum ver pacientes que, ao utilizar canabinoides, conseguem retirar vários medicamentos do dia a dia.

É o caso de Ana Márcia, de 25 anos, cujo depoimento foi apresentado em um vídeo. Diagnosticada com leucemia, ela buscou o óleo de cannabis desde o início da quimioterapia. Não conseguiu pelo SUS e buscou associações de pacientes e médicos particulares para iniciar o tratamento.

Quando começou a usar o produto, parou com remédios alopáticos, como a Quetiapina e o Vonau. "O remédio sozinho não faz milagre. É importante cuidar da alimentação e da saúde física e mental", diz.





Para Ivo Bucaresky, ex-diretor da Anvisa (Agência Nacional de Segurança Sanitária), o país acompanha um movimento que é mundial. O especialista explica que a guerra às drogas atrasou a discussão do acesso à cannabis em todo o mundo e conta que a primeira vez que o uso medicinal da maconha chegou ao radar do órgão foi em 2013.

Desde então, a agência trabalha para facilitar o acesso a esses medicamentos. Ainda que o debate tenha sido difícil no primeiro momento, por falta de consenso da comunidade médica, a Anvisa conseguiu contornar aos poucos os setores mais resistentes da sociedade, apresentando os resultados de pesquisas e relatos de pacientes.

"Havia muito preconceito, muitos diziam que era uma forma de trazer a droga ilícita para a legalidade", diz.


Hoje, pacientes com prescrição médica no Brasil podem importar os remédios, encontrar em farmácias ou comprar diretamente de associações. A diferença, segundo Dall'Stella, é a segurança.





"Os produtos farmacêuticos têm um processo de produção e manufatura bastante rigoroso. Os importados e artesanais não nos dão clareza da composição", afirma.

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Ela advoga pela maior igualdade de acesso a essas substâncias, principalmente por meio do SUS. Também afirma que existe a necessidade de preparar e conscientizar melhor os profissionais de saúde para que sejam capazes de dar orientações.

Malu Orsini, uma das convidadas do painel, está em remissão do linfoma de Hodgkin, que tratou através de quimioterapia associada ao uso de cannabis medicinal. Ela recebeu o diagnóstico aos 20 anos, quatro meses depois de notar um caroço no pescoço. "Quando a gente é jovem, é tabu falar de câncer", afirma, ao justificar a demora para buscar um especialista.

 

Filha de pais ativistas do tratamento com canabidiol, ela diz que a busca pelo tratamento com maconha foi natural. Ainda assim, o primeiro médico com quem se consultou não via com bons olhos essa opção. Por meio da associação de pacientes, conseguiu acesso a um oncologista e a uma médica de família capacitados para receitar a substância.

Orsini conta que, depois das sessões quinzenais de terapia, passava quatro dias sem comer por falta de apetite e um dos benefícios dos canabinoides foi justamente trazer a fome de volta. Além disso, ela percebeu um alívio das dores que sentia nos ossos e a regulação do sono. "Minha vida mudou por conta desse remédio", afirma.

 

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