Um estudo publicado na última segunda-feira (25/9), na revista científica Nature, descreve linhagens do Sars-CoV-2 geradas a partir do uso do antiviral molnupiravir, da MSD (conhecida como Merck nos Estados Unidos e Canadá), contra COVID.
As novas variantes do coronavírus surgem espontaneamente no mundo todo, por mutações aleatórias que ocorrem no processo de replicação do vírus. No entanto, de acordo com a pesquisa britânica, liderada pelo geneticista Theo Sanderson, do Instituto Francis Crick, em Londres, o uso da droga tem o risco de levar a algumas mutações que podem, eventualmente, ser transmitidas de pessoa a pessoa.
A evidência dessa transmissão seria um sinal genético nas novas linhagens do vírus associadas ao tratamento com o molnupiravir. Isso ocorre devido ao mecanismo de ação da droga, que se liga ao RNA viral com um aminoácido (parte de uma proteína) trocado, o que causa erros de cópia do Sars-CoV-2 e impede sua replicação.
Como muitos desses erros acabam por inviabilizar o vírus, ele reduz o tempo de infecção. Porém, esse mecanismo pode gerar algumas formas viáveis que podem continuar se propagando.
Em nota, a MSD Brasil disse que dados de ensaios clínicos e pré-clínicos do molnupiravir apontaram uma redução na replicação viral e na disseminação do vírus, o que reduziria o risco de transmissão. Ainda segundo a empresa, Sanderson e colegas se basearam em sequências divergentes de Sars-CoV-2, capturando padrões mutacionais específicos.
"Os autores baseiam-se em associações circunstanciais entre a região onde a sequência foi identificada e o período de coleta em países onde o molnupiravir está disponível. Além disso, essas sequências estavam associadas a casos esporádicos, e existem limitações nas análises realizadas no estudo", completou a empresa, em nota.
O molnupiravir foi o primeiro antiviral aprovado para combate à COVID, ainda em 2021. Essa provável relação entre a droga e novas variantes do vírus havia sido levantada ainda naquele ano, quando a droga começou a ser utilizada em larga escala no mundo.
Para avaliar essa hipótese, os pesquisadores analisaram centenas de milhares de sequências genéticas do Sars-CoV-2 disponíveis em bancos de dados no mundo. Para cada linhagem observaram a probabilidade de ocorrer mutações consideradas "naturais" —isto é, que surgiram naturalmente na evolução do vírus— e mutações que podem ter sido causadas pela droga.
O coronavírus é um vírus composto por aproximadamente 30 mil nucleotídeos, como são chamadas as letras que formam o material genético. Uma fita de material genético é formada por uma sequência de nucleotídeos A, T, C ou G. Em geral, as mutações ocorrem por substituição (A por T; T por A; C por G; G por C), deleção ou adição.
Só que algumas das trocas, por exemplo, G (guanina) para A (adenina), não ocorrem naturalmente. Ao dividir as amostras em linhagens na história evolutiva do coronavírus, eles viram alguns ramos da árvore com uma frequência muito elevada dessas alterações associadas à droga, como a troca de um par de base G para A.
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O estudo cruzou, ainda, dados de sequências genéticas do Sars-CoV-2 com os países que mais usaram o molnupiravir desde seu lançamento, como Japão (600 mil amostras analisadas), Austrália (mais de 380 mil sequências), EUA (cerca de 240 mil) e Reino Unido (30 mil). No Reino Unido, por exemplo, só 0,043% dos pacientes com amostras genéticas do vírus usaram molnupiravir, mas 31% das linhagens com a mutação G para A vieram desses pacientes.
Outro dado importante é que os traços genéticos foram mais identificados em pacientes mais velhos, que representam aqueles que tiveram maior indicação para uso da droga, devido ao alto risco de hospitalização.
Apesar desses traços genéticos, porém, os pesquisadores fazem uma ressalva: não foi encontrada nenhuma correlação entre as variantes da ômicron que surgiram no final de 2021 e no início de 2022, como a BA.4 e BA.5, e o uso da droga.
A descoberta, porém, pode ter um impacto na produção do medicamento, uma vez que os países podem deixar de prescrever a medicação como terapia para a COVID.
Nos estudos clínicos globais realizados naquele ano, a MSD apontou uma redução inicial de 50% da hospitalização em pacientes que usavam o molnupiravir, mas essa taxa caiu para 30% no ano seguinte. Com base nos ensaios, a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomendou o uso do molnupiravir para pacientes com alto risco de hospitalização. Estudos produzidos pela própria farmacêutica depois mostraram uma proteção também contra a hospitalização pela ômicron.
A EMA (Agência Europeia de Medicamentos) não autorizou o licenciamento do molnupiravir para venda nos países da União Europeia, ainda em 2021. Já a FDA (agência que regulamenta e fiscaliza alimentos e remédios nos EUA) autorizou o uso emergencial.
No Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou o molnupiravir em maio de 2022, e a sua venda é feita em farmácias com prescrição médica. Apesar disso, não há muitos dados sobre o uso da droga no país. Além disso, com o baixo sequenciamento genético feito no país, seria difícil saber se há linhagens originadas pelas mutações induzidas pelo antiviral.
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