No meu consultório, pode-se perceber no canto da mesa uma cuia de chimarrão e muitos me perguntam se sou gaúcho. Quando digo que não sou do Sul do país, vem a segunda pergunta — e o que essa cuia está fazendo aí? Muito mais do que pela cafeína da erva mate, o chimarrão é um ritual de pausas no trabalho que cultivo há uns 30 anos e que me ajuda muito. Trabalho um pouco, tomo um chazinho, trabalho mais um pouco, e assim mantenho meu ritmo. Quando estou escrevendo, e a memória não acode meu chamado, uma pausa para o mate costuma resolver.
Praticar, praticar, praticar. Esse é o mantra de muitos estudantes e discuto frequentemente no consultório essa questão com pessoas que querem incrementar o desempenho cerebral. Sempre argumento que pausas são importantes para a solidificação da memória, e bons exemplos são um boa noite de sono e uma pausa para atividade física, especialmente entre um turno e outro. Além de “esfriar o motor do cérebro”, o exercício físico libera uma série de substâncias no cérebro que facilita o aprendizado.
Um exemplo interessante de pausas é a famosa técnica Pomodoro. Pomodoro era um timer em formato de tomate que o italiano Francisco Cirillo usava para avisá-lo, a cada 25 minutos, que estava na hora de um descanso de cinco minutos. A história rendeu a publicação do livro The Pomodore Technique , prometendo melhorar o desempenho no trabalho e nos estudos. Francisco estava certo.
O periódico Current Biology publicou, em 2019, uma pesquisa em humanos mostrando que pausas ainda mais frequentes podem fazer com que o aprendizado seja mais eficiente. Os voluntários aprendiam mais quando praticavam por 10 segundos e, então, descansavam por outros 10 segundos. Isso era feito por 35 vezes e na 11ª repetição eles alcançavam uma eficiência máxima — mantida nas repetições posteriores. O mais interessante é que a atividade cerebral, demonstrada pelo método de magnetoencefalografia, era maior nos períodos de pausa do que durante a prática, refletindo atividade cerebral de consolidação e solidificação da memória.
Em 2021, pesquisadores do Instituto Max Planck, na Alemanha, publicaram, na mesma revista, os resultados de um estudo que nos faz entender melhor como as pausas podem potencializar o aprendizado. Os resultados mostraram que a retenção do conteúdo é maior quando o processo de aprendizado se dá entremeado por pausas. A isso se dá o nome de “efeito espaçamento”.
Camundongos tinham que encontrar um pedaço de chocolate escondido em um labirinto em três diferentes oportunidades e o desenho do estudo definia diferentes pausas entre as três chances. No senso comum, pode-se imaginar que quanto mais próximas as tentativas, mais facilmente os animais se lembrariam daquilo que aprenderam. Os pesquisadores demonstraram isso no curtíssimo prazo, mas passadas algumas horas, o resgate da memória era maior entre os animais que tiveram pausas mais longas entre as oportunidades de achar o chocolate. Pausas maiores fizeram com que as mesmas conexões neuronais utilizadas em tentativas anteriores fossem ativadas, reforçando o aprendizado a cada “round”. O conteúdo aprendido é armazenado e pode ser recuperado reativando o mesmo grupo de neurônios e suas conexões.
O “efeito espaçamento” foi descrito há mais de um século em diversos mamíferos, e esse último estudo nos mostra de forma bastante elegante como ele é capaz de aumentar o potencial do aprendizado. Com pausas mais longas, a tarefa fica mais demorada, mas o conteúdo aprendido fica consolidado por mais tempo .
E voltando aos humanos, ainda em 2021 foi descrito na revista Cell Reports o efeito compressão durante as pausas, descrito poucos anos antes, mas de forma mais tímida. Dessa vez foi demonstrado de forma inédita que, durante as pausas, o cérebro continua treinando involuntariamente aquilo que o corpo estava praticando, só que numa velocidade 20 vezes maior. Esse é o efeito compressão. E então? Vamos programar intervalos no seu estudo, no seu trabalho?
* Ricardo Afonso Teixeira é doutor em Neurologia pela Unicamp, professor do curso de medicina do Unieuro e neurologista do Instituto do Cérebro de Brasília.