SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O uso de cigarro eletrônico no país é motivado, principalmente, pela curiosidade (20,5%). Justificativas associadas à ideia de redução de danos, no entanto, aparecem com menos frequência entre os brasileiros.
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Ao todo, a pesquisa ouviu 9 mil brasileiros de janeiro a abril de 2023 acerca de questões de saúde e de hábitos saudáveis. A margem de erro da pesquisa é de três pontos percentuais.
Depois da curiosidade, aparecem motivos como moda (11,6%), porque gosta (11,4%), para acompanhar amigos ou familiares (7,5%) e sabores (6,8%).
Também estão abaixo de curiosidade razões como parar com cigarro tradicional (3%), não voltar a fumar cigarro tradicional (1,8%) e que faz menos mal que o cigarro tradicional (1%).
Apesar do alerta de médicos em relação aos riscos à saúde, que envolvem inflamação pulmonar e queda na imunidade, o principal argumento da indústria do tabaco e ativistas pela regulamentação do cigarro eletrônico é que o uso do item estaria ligado à redução de danos, ou seja, seria uma forma de substituir o cigarro convencional.
O levantamento mostra que o principal público que se interessa pelo dispositivo é o jovem. Na faixa de jovens entre 18 e 24 anos, 17% já usaram pelo menos uma vez, mas não usam mais; 6% usam, mas não diariamente e 0,5% da população usa diariamente.
Luana Viviani, 22, é um exemplo desse cenário. Ela, que trabalha na área de tecnologia, cita moda e facilidade como motivos que a atraíram para passar a utilizar vape.
A jovem, que fuma cigarro e vape, diz que o dispositivo eletrônico é mais aceito dentro de casa. Sua mãe não permite que ela fume cigarro dentro de casa, mas não se importa com o vape, que não deixa cheiro forte na residência.
Hoje, ela afirma que reduziu o número de cigarros que fuma por dia e também trocou o filtro vermelho e passou para o branco. Admite, porém, que quando começa a usar o vape perde o controle do número de tragadas.
Priscila Farias, 30, tem um relato parecido. Fumante há 20 anos, ela começou a utilizar vape no ano passado por curiosidade e notou a comodidade do dispositivo.
Ela diz que ficou preocupada de usar o cigarro convencional e o vape ao mesmo tempo. Assim, deixou o cigarro em dezembro do ano passado e cita como benefício a ausência do cheiro forte que o cigarro deixava nela.
Hoje, admite que usa o vape o tempo todo. "Antes, eu acordava, tomava o café da manhã e depois fumava cigarro. Hoje, eu acordo e a primeira coisa que faço é pegar o vape", diz ela que cita outras melhorias, como disposição para atividades físicas.
Outra questão que a pesquisa demonstra é que, apesar de proibido no Brasil pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), há uma facilidade de se obter o produto. A maioria das pessoas disse comprá-los em lojas físicas (43,1%) e, em segundo lugar, estão as lojas online (29,9%).
Coordenadora do Covitel, Luciana Sardinha lamenta o cenário atual e nota que isso pode significar um retrocesso no cenário do combate ao tabagismo.
"Avançamos nos últimos anos para reduzir o tabagismo, mas estamos em vias de retroceder tudo aquilo que foi construído", diz ela, que considera que o dispositivo é alvo de interesse de indústria do tabaco para atingir os mais jovens pelo sabores que disponibiliza no mercado.
A BAT, antiga Souza Cruz e maior indústria de tabaco do país, argumenta que a regulamentação do vape se faz necessária no Brasil para a definição de regras que possam dar segurança à população.
Isso porque, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Ipec (Inteligência de Pesquisa e Consultoria) em 2022, mais de dois milhões de brasileiros são usuários de vape. Com a autorização, a BAT diz acreditar que seja possível reduzir a exposição ao mercado ilegal, prevenir acesso de menores de 18 anos e fornecer à sociedade informações corretas sobre o produto.
Em 2022, a Anvisa decidiu manter a proibição dos produtos. Em julho, a agência disse que pretende abrir uma nova consulta pública sobre o tema até o final do ano. Nesta quinta (28), ocorreu uma audiência pública sobre o cigarro eletrônico no Senado.
Durante a sessão não houve consenso em relação ao tema.
Soraya Thronicke (Podemos - MS) argumentou que é mais perigoso manter o cenário como está, sem regulamentação, "por não sabermos as substâncias nossa população está consumindo". Porém, autoridades sobre o assunto discordaram.
O médico Alcindo Cerci Neto, do Conselho Federal de Medicina no Paraná, lembrou uma pesquisa conduzida pela Fiocruz, que mostrou que o dispositivo pode servir como porta de entrada para consumo de outros itens, como cigarro tradicional e maconha.
Ele afirmou ainda que cigarro eletrônico não é vapor de água. "A fumaça é combustão de substâncias nocivas e não se controla nos produtos que se compra a quantidade de nicotina", disse ele, que reiterou que há uma premissa errada que o vape não causa dependência. "Vicia. Nicotina causa dependência."
Médicos também ressaltam que o dispositivo pode criar uma nova geração de consumidores e que há maléficos tanto para as vias respiratórias como para o coração.
Para o pneumologista Paulo César Côrrea, a indústria se baseia em um estudo que não se sustenta. A pesquisa é referente a um estudo do britânico King's College que analisou mais de 400 pesquisas sobre o tema e apontou que o vape é 95% menos prejudicial que o tabaco.
O dispositivo, segundo Côrrea, apresenta os mesmos efeitos adversos à saúde dos cigarros tradicionais somado aos riscos específicos, como a denominada lesão pulmonar associada ao uso do cigarro eletrônico.
Além disso, relembra que as consequências do uso prolongado desses dispositivos continuam desconhecidas, uma vez que o aparelho foi desenvolvido há poucos anos.
"Mesmo que o risco fosse baixo, pode existir um grande dano no sentido de saúde pública quando uma grande massa para a utilizar o dispositivo", diz ele.
Outra preocupação sobre o cigarro eletrônico é o acesso aos mais jovens, uma vez que as cores e sabores atraem essa parcela da população. A OMS (Organização Mundial da Saúde) lançou, na última terça-feira (26), diretrizes para banir os produtos nas escolas.
Para a entidade, é preciso proteger os jovens das emissões tóxicas dos cigarros eletrônicos, assim como de anúncios que promovam os produtos. A OMS cita quatro pontos que podem ajudar neste trabalho, como a proibição de produtos de nicotina e tabaco nos ambientes escolares, proibição da venda e propaganda de produtos de nicotina e tabaco próximo das escolas.
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