As mudanças climáticas têm uma variedade de consequências no planeta: tempestades devastadoras, secas, temperaturas recordes, derretimento de geleiras, perda de ecossistemas.





Tudo isso tem impacto em diferentes comunidades que têm de enfrentar a devastação do aquecimento global, resultando inclusive em mortos e feridos.

Mas à medida que este fenômeno global avança, os efeitos colaterais também começam a ser observados na sociedade.

Por exemplo, uma pesquisa acende um alerta de que as mudanças climáticas têm um sério impacto no aumento dos casamentos infantis no mundo.

O trabalho dos pesquisadores conseguiu estabelecer que as condições climáticas extremas agravam problemas que causam a proliferação de casamentos infantis forçados em ao menos 20 países.

Por exemplo, em Bangladesh, onde ocorrem há vários anos ondas de calor extremo com duração superior a 30 dias, foi registrado um aumento de 50% nos casamentos forçados de meninas entre 11 e 14 anos.





Secas e inundações foram os desastres mais comuns relacionados na pesquisa, mas outros estudos analisaram o impacto de ciclones e altas temperaturas, entre outros fenômenos meteorológicos.

"Não são fenômenos isolados devido a uma onda de calor ou inundações específicas: é um efeito colateral de condições climáticas extremas", diz Smitha Rao, professora de Sociologia da Universidade de Ohio, nos Estados Unidos, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.


Em Bangladesh, onde ocorrem há vários anos ondas de calor extremo, foi registrado um aumento de 50% nos casamentos forçados de meninas

(foto: Getty Images)

Rao, que liderou a pesquisa através da análise de quase 20 estudos independentes sobre as alterações climáticas e seus efeitos sociais, salienta que as principais razões para este aumento têm a ver com o sustento familiar.

"O casamento infantil é muitas vezes considerado uma estratégia para reduzir a vulnerabilidade econômica e a insegurança alimentar que uma família enfrenta devido a uma catástrofe", observa a pesquisadora.





Ela destaca que o problema dos casamentos forçados não é exclusivo de áreas vulneráveis, mas ocorre em todos os níveis da sociedade e em todas as partes do mundo.

Por exemplo, na América Latina, de acordo com um relatório das Nações Unidas, uma em cada quatro meninas se casa ou entra numa união precoce antes dos 18 anos.

O Brasil ocupa a sexta posição (atrás de Índia, Bangladesh, China, Indonésia e Nigéria) em número absoluto de casamentos infantis no mundo – 21,6 milhões, segundo dados da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

Na região, o casamento infantil é proibido atualmente na Costa Rica, Equador, El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Panamá, Porto Rico e República.

Já na Bolívia, Brasil, Chile, Nicarágua, Paraguai, Peru, Uruguai e Venezuela, o casamento é permitido a partir de 16 anos com autorização dos pais, representantes legais ou de um juiz.





O estudo

Rao e outros especialistas em questões ambientais começaram a detectar uma relação entre os casamentos forçados infantis e as condições extremas criadas pelas alterações climáticas.

Uma das pesquisadora que acompanhou a pesquisa foi Fiona Doherty, socióloga da Universidade de Ohio.

Ela conta que a investigação começou quando ficou evidente que os desastres naturais têm como consequência o aumento dos casos de violência de gênero.


Inundações no Vietnã tiveram impacto nos rendimentos de muitas famílias que em alguns casos tomam medidas extremas para sobreviver

(foto: Getty Images)

"Existe um conjunto substancial de evidências que explicita a conexão entre os desastres e a violência de gênero. A partir daí, vimos casos de casamentos infantis forçados que estavam conectados com casos de deslocamento ambiental”, destaca.





Doherty indica que a maior parte da literatura sobre este fenômeno, cerca de 20 estudos, está focada na Ásia e na África, onde a prática do casamento infantil é prevalente.

"Segundo os pesquisadores, esses casamentos são em grande medida uma questão econômica. As famílias às vezes estão submetidas a um estresse porque não podem sustentar suas filhas e procuram casá-las”, escreveu Doherty.

Tanto Rao quanto Doherty ressaltam que os fenômenos também dependem dos costumes de cada país.

"Por exemplo, no Vietnã vimos uma relação dos casamentos infantis com as inundações, que cada vez são mais graves. Lá, é costume que a família do noivo pague um dote à família da noiva", observa Rao.

"Na Índia, onde o costume é o contrário, não vemos essa tendência. Não há um anseio por casar as mulheres, porque é a família delas quem tem que pagar”, acrescenta a pesquisadora.





Doherty, por sua vez, destaca que este é um efeito indireto da mudança climática.

"O que esses desastres fazem é exacerbar os problemas existentes de desigualdade de gênero e pobreza que levam às famílias ao matrimônio infantil como mecanismo de sobrevivência", pondera.


Alguns especialistas sinalizam que são cada vez mais comuns os casamentos de meninas menores de 14 anos

(foto: Getty Images)

Problemas a mitigar

Mas o relatório também é claro em assinalar que não se trata apenas de questões econômicas.

Segundo Rao, outro fenômeno encontrado nos documentos estudados, que vão de 1999 a 2021, é que o deslocamento causado por desastres naturais conduz famílias a campos de refugiados onde as meninas menores de idade são abusadas sexualmente.





"Nestas situações, as famílias optam às vezes por casar suas filhas pequenas para protegê-las do abuso e da violência sexual", diz Rao.

Para as pesquisadoras, a melhor maneira de mitigar essa situação é melhorar as condições que geram a desigualdade em todas as sociedades.

"Em nosso artigo, destacamos a importância de abordar as causas profundas da pobreza e da desigualdade de gênero. Isso inclui investir na educação das crianças e incluir as vozes das mulheres e das meninas na tomada de decisão", diz Doherty.

Mas especificamente sobre os efeitos colaterais da mudança climática, neste tema, as especialistas recomendam uma ação direta com as comunidades.

"É preciso estabelecer uma série de práticas comunitárias baseadas em pesquisas antes e depois dos desastres para priorizar as necessidades das mulheres e das crianças quando se atende a uma emergência ambiental", conclui a pesquisadora.

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