mãe de olho na filha usando celular

A jornalista Kaísa Romagnoli controla o celular da filha, Kethelyn, de 13, desde os 8 ano, tanto o tempo de tela quando o acesso de conteúdos e jogos

Arquivo Pessoal
 
 
No mundo atual é impossível dissociar o uso das telas, seja de smartphone, televisão ou computador. Em qualquer idade, a sociedade foi tomada pela tecnologia. Entretanto, o tempo de exposição nos primeiros anos de vida é um ponto de alerta. Saber a hora de se desligar das telas é questão de saúde. O último exemplo com consequências desastrosas ocorreu com uma menina de 11 anos, em Patos de Minas, no Alto Paranaíba. Inconformada pela fato de os avós a terem proibido de usar o celular, ela os trancou no quarto, ateou fogo em um sofá e deixou o imóvel. As chamas se alastraram e as vítimas (um casal de 53 e 70 anos), que dormiam, tiverem de pular da janela do quarto do prédio onde moram para escaparem do pior.   

A mulher relatou dores nas pernas e no tórax e foi atendida pelo Serviço de Urgência e Emergência (Samu). Também inalou muita fumaça e foi encaminhada para o Hospital Regional Antônio Dias (HRAD). Ontem, foi comunicada que terá que fazer uma cirurgia nas pernas. Já o homem não sofreu ferimentos e recusou atendimento. A criança foi entregue à mãe, que relatou que a filha sofre com oscilações de humor. O Conselho Tutelar foi acionado para acompanhar o caso.
 
O uso excessivo de eletrônicos muitas vezes leva a um estilo de vida sedentário, com alto risco de obesidade, má postura, síndrome do olho seco, afetando a coluna de várias formas devido ao tempo prolongado gasto em frente a esses dispositivos (sídrome do pescoço de texto). Além disso, pode causar falta de sociabilidade, e exposição a crimes e violências, entre outras questões preocupantes.  

Especificamente na pré-adolescência e adolecência as telas estão bem presentes e o mau uso nessa fase, marcada por transformações intensas, é um risco. Há mudanças na estatura, na voz, no corpo, no jeito de se comportar em socidade, em seu núcleo de vivência, além do despertar da sexualidade, enfim, transformações que influenciam a saúde mental, com consequências como ansiedade, questões de humor, isolamento e maior mergulho nas telas. 

Aplicativo de controle

A jornalista Kaísa Romagnoli, de 37 anos, mãe da adolescente Kethelyn Romagnoli, de 13, revela que faz controle do uso do smartphone da filha desde os 8 anos. "Tenho um aplicativo instalado no celular dela, que se chama family link, e por meio dele, consigo ver todas as ações que ela teve no celular, whatsapp, quanto tempo permaneceu em cada rede social, qual conteúdo ela baixou. Além disso, também tenho controle de localização do telefone dela. Então, o que eu faço? Sempre que ela está se movimentando, recebo uma notificação falando a rua e a numeração próxima em que ela está."

Kaísa Romagnoli explica o motivo de fazer esse controle. "Os eletrônicos são uma terra que não conseguimos controlar. Não chega a ser uma terra sem lei, porque há leis com controle de conteúdo, mas sabemos da dificuldade de administrar isso."

A mãe revela que nada foi feito sem o conhecimento da filha. "Falei sobre a instalação do aplicativo e que teria acesso. E além disso, ela tem um limite de horário. O celular dela desbloqueia às 10h e é bloqueado às 20h."

E como tudo foi às claras, Kaísa assegura que Kethelyn entendeu: "A cumplicidade de comunicar à minha filha que o controle é para a sua segurança a fez entender. Sempre procuro instruí-la e ela sabe os riscos da internet hoje em dia, sabe o que pode acontecer."

psicóloga clínica Cynthia Dias Pinto Coelho

Psicóloga clínica Cynthia Dias Pinto Coelho lembra que é importante conversar e ouvir os filhos, conhecer os tipos de páginas digitais que eles acessam, saber sobre o seu comportamento

Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press
 
 
A psicóloga clínica Cynthia Dias Pinto Coelho enfatiza que, quando uma situação complexa como essa ocorre, ela joga luz sobre um tema que precisa ser observado com mais atenção por toda a sociedade: a saúde mental de crianças e adolescentes e o uso desregrado de telas. "O caso em questão assusta e causa espanto, mas ele poderia ocorrer na casa de qualquer pessoa. As crianças e adolescentes estão cada vez mais apegados ao celular e às redes sociais. A colocação de limites de tempo de uso ficou seriamente comprometida em função da pandemia. As atividades escolares e de lazer envolviam o celular e/ou o computador", comenta.

"A convivência familiar foi perdendo espaço para os eletrônicos e o diálogo diminuiu de intensidade e profundidade, com cada um inserido em seu próprio mundo digital. Por causa disso, muitos detalhes que chamariam a atenção no comportamento de uma criança ou adolescente em casa ou no seu círculo de amizade acabam passando despercebidos pelos pais, que só descobrem que algo estava muito errado com o seu filho/a quando uma tragédia como essa acontece."

Cynthia detaca que, normalmente a criança ou o adolescente apresentam sinais que não devem ser negligenciados pela família, como, por exemplo, a agressividade com palavras e respostas grosseiras, o isolamento social, a dificuldade de aceitação de regras e limites em casa ou na escola, oscilações de humor, alteração de sono, comportamentos impulsivos, sem a devida reflexão sobre atos e consequências, a dificuldade de lidar com a frustração ou com a elaboração da raiva, dentre outros.

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De acordo com a psicóloga, diante de comportamentos assim a família deve procurar ajuda profissional do psicólogo e do psiquiatra, para receber as orientações necessárias para o seu manejo e para iniciar um acompanhamento de saúde mental.

Conversar e ouvir os filhos

Cynthia Coelho lembra que é importante conversar e ouvir os filhos, saber de suas relações de amizade, conhecer os tipos de páginas digitais que eles acessam, os jogos e comunidades virtuais que eles participam, saber sobre o seu comportamento na escola e a sua forma de ver o mundo: "Essa relação de maior interesse e diálogo pode criar na família um espaço para debates e ponderações, para que os combinados sejam traçados, com a definição clara de direitos e deveres dos filhos em casa. Os limites devem ser claros e explicados, para que a criança e o adolescente se organizem mentalmente tanto para o seu tempo de uso de telas como para o tempo de sua suspensão, nos horários previamente combinados. A rotina saudável deve envolver outras atividades de lazer que não as digitais, como aulas de arte, atividade física, jogos de tabuleiro, conversas, passeios culturais, aula de música, etc. Ou seja, é preciso mostrar a eles que a vida também precisa acontecer fora das telas e das relações mágicas do mundo digital e que ela, aliás, ela pode ser muito mais divertida".

A psicóloga destaca que a criança e o adolescente ainda estão em formação, tanto na parte psíquica quanto na neurobiológica. "Eles ainda estão aprendendo sobre o jeito de ser, sobre o lugar no mundo, sobre conceitos de certo e errado, de causa e consequência. E cabe à família a colocação de limites e regras, para que seus filhos cresçam de forma saudável do ponto de vista emocional. É nessa fase que o ser humano aprende que ele não pode ter tudo na vida, da maneira como ele quer e na hora que ele quer."

Dizer 'não' e saber lidar com a frustração

Cynthia conta que são os “nãos” que a criança e o adolescente recebem que irão prepara-lo para lidar com a frustração de forma adequada, resiliente e saudável: "Muitos pais tem sérias dificuldades em colocar limites para seus filhos, achando que ao permitir tudo farão seus filhos mais felizes. Mas pelo contrário, é a colocação do limite que o auxilia a viver de forma equilibrada e sensata, achando outras formas de lidar com uma questão quando se depara com um limite trazido em sua vida hoje e também no futuro, em seu ambiente de trabalho, em suas relações afetivas, em um problema de saúde, dentre outros".

No entanto, a psicóloga ressalta que nem todo problema é fruto apenas de questões ligadas à educação recebida: "Crianças e adolescentes também sofrem com psicopatologias e transtornos mentais, que necessitam de tratamento psicológico e psiquiátrico, podendo, inclusive, necessitar do uso de medicação. O diagnóstico adequado e o tratamento correto são fundamentais".

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Para a especialista, depois do ocorrido, om a neta colocando fogo no sofá dos avós, a atenção à saúde mental da menina se faz ainda mais necessária: "Ela tem de ser acompanhada de perto por uma equipe multidisciplinar, com psicólogo e psiquiatra, assistente social e a coordenação da escola. É preciso entender o que a levou a agir de forma concreta para lidar com sua frustração emocional, colocando em risco a vida de seus avós e outros vizinhos do prédio. É preciso avaliar sua saúde mental, diagnosticar e tratar algum possível transtorno psiquiátrico, se for o caso. Entender o ambiente familiar e a forma das relações interpessoais nessa família para alguma intervenção terapêutica, caso necessário. E, por fim, ajudá-la a retornar às suas atividades cotidianas, sem críticas ou julgamentos por parte da sociedade, escola ou família, sem ataques ou cancelamentos, que podem prejudicar ainda mais o seu quadro emocional", recomenda a psicóloga.  

Recomendações da OMS 

De acordo com orientaçõesda Organização das Nações Unidas (ONU) sobre sedentarismo e obesidade, crianças de até cinco anos não devem passar mais de 60 minutos por dia em atividades passivas diante de uma tela de smartphone, computador ou TV. A recomendação foi divulgada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que alertou ainda que bebês com menos de 12 meses de vida não devem passar nem um minuto diante das telas de dispositivos eletrônicos. 

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Uso saudável

Recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o tempo de exposição de telas de acordo com a faixa etária. Lembrando da importância de dar um intervalo a cada 20 ou 30 minutos para ter contato com luz ambiente.
  • Crianças de 0 a 2 anos: não devem ter qualquer exposição
  • Crianças de 2 a 6 anos: 1 hora por dia
  • Crianças de 6 a 10 anos: 2 horas por dia
  • Crianças acima dos 11 anos: até 3 horas por dia