Você se orgulha de ser multitarefa? É bem possível que você tenha respondido “não” para essa pergunta. Afinal, nesta altura do campeonato, muito já foi dito a respeito dos impactos negativos de executar tarefas simultâneas em nossa rotina, principalmente no trabalho: "Salvo raras exceções, hoje sabemos que o trabalho focado é capaz de trazer resultados superiores, reduzindo erros e perda de performance. Mesmo assim, posso apostar que você ainda divide sua atenção muito mais vezes do que deveria ao longo do dia. Estou errada?", questiona Ana Carolina Souza, neurocientista e sócia da Nêmesis.
Para a neurocientista, as pessoas vivem anos à sombra de uma mentalidade problemática: a ideia de que o comportamento multitarefa é mais vantajoso para as pessoas. E como se já não bastasse, vivem diariamente uma verdadeira avalanche de estímulos: "Das mensagens instantâneas às inúmeras ofertas de conteúdos, passando pelas notificações das redes sociais e essa constante sensação de urgência que tanto nos aflige, o que não falta são empecilhos para mantermos a concentração em uma única atividade. Nossa mente sofre com constantes interrupções e, pouco a pouco, parece que estamos perdendo a capacidade de simplesmente prestar atenção".
Ana Carolina Souza destaca que, assim como a emoção e a memória, a atenção também é vista como um fenômeno altamente complexo, cheio de nuances e peculiaridades: "Muitos pesquisadores defendem que seria impossível para o cérebro processar da mesma maneira tudo o que ocorre ao nosso redor. Por isso, o foco atencional é considerado um recurso fundamental, pois nos permite selecionar aquilo que é mais importante no ambiente, privilegiando seu processamento cerebral em detrimento dos demais estímulos. Em outras palavras, quando prestamos atenção em algo, nossa atividade cerebral é maior em resposta ao que estamos observando. E, claro, isso impacta diretamente a qualidade do que estamos fazendo".
Leia: Meditação mindfulness: como o foco presente pode lidar com o estresse.
Falta de foco
Outro problema da falta de foco atencional está no impacto causado em nossa capacidade de entrega. Basicamente, o excesso de interrupções uma hora acaba gerando acúmulo de trabalho: "E isso gera sobrecarga, que por sua vez gera frustração, que naturalmente acaba em… estresse. Quem nunca viveu essa história alguma vez na vida? Não é à toa que um dos antídotos para o languishing (um estado de perda de bem-estar) está justamente em desenvolver atividades de maneira focada", destaca a neurocientista.
Para Ana Carolina Souza, vale mencionar também os desastres que podem ser causados dividindo a atenção enquanto tenta se comunicar com alguém: "Uma das demandas de consultoria que mais recebo das empresas são justamente as relacionadas à comunicação. Como o comportamento multitarefas e o viés da urgência infelizmente ainda estão muito presentes nas rotinas de trabalho, é comum vermos problemas causados pela simples falta de atenção (de qualidade) durante as conversas".
A neurocientista afirma que a grande questão é que o foco atencional é único e não pode ser dividido. E isso vale para qualquer pessoa: "Uma boa forma de entender o funcionamento desse fenômeno é usando a analogia da lanterna. Sempre que precisamos enxergar algo no escuro, direcionamos a luz principal da lanterna para aquilo que queremos ver. O mesmo ocorre com o foco atencional. A cada momento, direcionamos nossa atenção voluntariamente ou automaticamente para o que é mais relevante no ambiente. E, sim, cada um de nós possui apenas uma lanterna disponível".
Vigilância
Ana Carolina diz que quando se fala especificamente da importância de desenvolver atividades focadas, está se falando de um tipo específico de atenção chamado vigilância: " A vigilância diz respeito à capacidade de sustentar o foco atencional em relação a um estímulo por períodos maiores, evitando que este seja deslocado para outros estímulos do ambiente. Desafiador, eu sei, mas essa é justamente a habilidade que precisamos exercitar. Como forma de privilegiar o trabalho focado, empresas apostam cada vez mais em técnicas de meditação, práticas de autogestão e na construção de ambientes e rotinas que favorecem o estado de Flow. A ideia é justamente desenvolver essa habilidade e, assim, aumentar a performance e o bem-estar das equipes".
E o que ocorre quando a pessoa tenta ser multitarefa e desenvolver duas ou mais atividades ao mesmo tempo? Nesse caso, em vez de dividir o foco, o que se está fazendo é o chamado switch atencional, movimento que consiste basicamente em deslocar o foco entre estímulos em frações de segundos: "O problema é que, mesmo que não percebamos conscientemente, tentar ser multitarefa pode ter um custo mais alto ao longo do tempo, gerando comprometimentos na qualidade do que estamos fazendo".
No entanto, a neurocientista lembra que há um motivo para as pessoa terem desenvolvido essa habilidade: "É que, em certas situações, rastrear estímulos e monitorar o ambiente também é algo muito importante. Nessas horas, a capacidade de trocar rapidamente o foco atencional entre diferentes estímulos ou atividades é uma grande vantagem. A chamada seletividade é um recurso atencional particularmente relevante para profissionais que monitoram diferentes circuitos e ambientes, como acontece em alguns tipos de operação, por exemplo".
"Nós dispomos de diferentes recursos atencionais, com diferentes características, e por isso é importante compreender as vantagens de cada um, como desenvolvê-los e quando utilizá-los. Já parou para pensar sobre quais das suas atividades deveriam ser realizadas de maneira focada? Por outro lado, em que momentos do seu dia o exercício da seletividade pode ser vantajoso? O contexto, a natureza do trabalho e a forma como você organiza sua rotina serão determinantes para aproveitar o melhor de cada recurso", lembra a neurocientista.
Ana Carolina reconhece que o mundo moderno desafia a capacidade de manter o foco: "Por outro lado, certamente haverá momentos em que o uso de uma atenção mais difusa será estratégico. Assim, é importante aprender a distinguir entre ambos. Isso nos ajuda a navegar mais plenamente na complexidade do mundo atual. O objetivo é obter uma boa performance, mas sem descuidar da saúde".
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