Qual a primeira coisa que vem à mente com “alimento à base de insetos”? É difícil não pensar imediatamente em uma sensação de nojo, asco, ou de rejeição, afinal, não estamos acostumados com a possibilidade de incluirmos esses bichinhos na alimentação. Foi partindo desta pergunta que o pesquisador Antônio Bisconsin Júnior, cientista de alimentos e professor do Instituto Federal de Rondônia, realizou o seu doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e concluiu que 51% dos brasileiros ainda mencionam total rejeição à possibilidade de comer insetos. Somente 13% manifestaram alguma aceitação de experimentar esses alimentos.
Bisconsin Júnior conta que a ideia de pesquisar sobre o tema surgiu em 2013, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou um relatório global explicando as vantagens do uso de insetos na alimentação humana – esses animais, que já fazem parte do cardápio de cerca de dois bilhões de pessoas no mundo, são altamente proteicos e nutritivos e fazem parte da cultura de muitos povos. Outra vantagem é a de que sua produção é muito mais sustentável para o planeta: usa-se menos espaço, menos alimentos, menos água, além de a criação de insetos emitir menos gases causadores do efeito estufa. Por isso, alimentos à base de insetos seriam uma alternativa mundial para combate à fome e à segurança alimentar.
“Esse relatório da ONU chacoalhou o mundo da ciência dos alimentos. A partir dele, passamos a olhar para essa possibilidade com mais cuidado e decidi explorar o assunto mais profundamente. Qual seria a espécie que teria mais aceitação e seria mais interessante para a nossa população? A partir dessas dúvidas montei o projeto de pesquisa”, explicou o pesquisador.
O projeto teve início em 2017 na Unicamp. As equipes visitaram oito cidades espalhadas por todas as regiões do Brasil e entrevistaram 780 brasileiros. Na primeira etapa, os pesquisadores constataram que 51% dos brasileiros expressaram rejeição total à ideia de comer insetos; 13% aceitavam a ideia de consumir por curiosidade e 36% tiveram manifestações intermediárias.
Quando os entrevistados foram questionados sobre por que comer insetos, 28% disseram que só comeriam em casos de sobrevivência, como situações de fome extrema, sem possibilidade de ingerir outras coisas. O estudo mostra ainda que 24% disseram que comeriam por curiosidade; 13% relataram que consumiriam porque os insetos são nutritivos e 8% afirmaram que faz bem à saúde.
“Existe um conhecimento regional de que os insetos são fontes de proteínas e fazem bem à saúde. Mas ao mesmo tempo existe muito folclore também. Um dos mais populares é o de que comer formiga faz bem para a visão. Na verdade, isso foi uma deturpação de um ditado popular que diz que se você não enxergar uma formiga é porque não está com boa visão”, diz o pesquisador, ao ressaltar que todos os insetos são realmente muito proteicos e possuem muitos lipídios em seu corpo.
Qual melhor apresentação?
Em uma outra etapa da pesquisa, a pergunta era sobre como os entrevistados comeriam os insetos e qual seria a melhor apresentação para a ingestão: 33% dos entrevistados disseram que comeriam fritos; 17% afirmaram que preferiam assados e 12% relataram que só comeriam disfarçados (sem saber que havia inseto na composição do alimento).
“Somente depois que eles respondiam essa questão é que nós falávamos diretamente sobre a possibilidade de comer o inseto disfarçado, sem ser inteiro. Aí as pessoas acabavam tendo uma reação melhor. A partir daí, entendemos que esse seria o melhor caminho e teria mais aceitação do que comer insetos fritos ou assados”, disse cientista de alimentos.
Os pesquisadores também avaliaram a aceitação no consumo de espécies de insetos baseados em respostas que levam em consideração um índice que varia de -100 (pior aceitação) a + 100 (maior aceitação). Nesse item, os grilos e gafanhotos apareceram em primeiro lugar e ganharam a melhor aceitação, com nota 34 (eles foram mais associados à grama, terra, ao ambiente mais limpo e natural).
Em seguida vieram as formigas, com nota 25 de aceitação (que são comuns em alguns povos e são usadas como iguarias por alguns chefs de cozinha), depois larvas, com nota menos dois de aceitação, já indicando uma rejeição (elas foram associadas à deterioração de alimentos e matéria orgânica). Por último, as baratas tiveram nota -44 na aceitação (elas foram associadas a sujeira, esgoto e doenças).
“As baratas, como esperado, tiveram a maior rejeição. Mas quando pensamos na criação desses insetos, elas têm uma capacidade reprodutiva, de crescimento e de resistência muito boa, além de serem uma excelente fonte de proteínas. A criação de baratas é mais fácil do que a de grilos, por exemplo. Mas não adianta pensarmos apenas na capacidade produtiva. Temos que pensar no que as pessoas consumiriam, senão não faz sentido”, afirmou o pesquisador.
Farinhas e concentrados
Com o cenário desenhado – espécie de inseto mais aceita, apresentação preferida – o pesquisador se debruçou sobre que tipo de alimento seria possível desenvolver a partir dos grilos e gafanhotos. Num primeiro momento, os cientistas fizeram uma farinha mais simples: grilo, abate, ferve em água, secagem. “A partir do grilo sequinho faz uma moagem e temos uma farinha de grilo integral, desidratada e moída. O cheiro lembra camarão”, disse.
Num segundo momento, Bisconsin Júnior foi até o Instituto Leibniz para Tecnologia Agrícola e Bioeconomia, na Alemanha, para desenvolver em parceria com eles um concentrado proteico. Ele criou uma espécie de whey protein, que já é amplamente usado no mercado (especialmente o esportivo), mas que é feito a partir do soro do leite.
“Desenvolvemos um concentrado de grilo proteico, não tem nenhum cheiro, lembra o aroma bem leve de nozes”, afirmou. Segundo o pesquisador, esse concentrado é muito bom para dissolver em água e tem uma capacidade boa de fazer espuma. “Poderia ser usado na produção de sorvetes, por exemplo, para deixá-lo mais aerado”, disse. O concentrado proteico de grilo também pode ser usado na fabricação de suspiros, pães, biscoitos, macarrão, tortilhas, barrinhas de cereais, entre outras alternativas.
A alternativa é vista como positiva pela nutricionista Fabiana Fiuza Teixeira, do Núcleo de Saúde Mental e Bem-Estar do Hospital Israelita Albert Einstein. “O fato de termos um ‘whey protein’ à base de insetos e não a partir do soro do leite é muito interessante porque os insetos são uma rica fonte de proteínas e de ácidos graxos importantíssimos que o leite, por exemplo, não traz”, afirmou. Ela também lembrou que esses animais são fonte de ômega 3, ômega 6 e fibras.
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Teixeira ressalta que outro dado importante desse projeto foi descobrir a forma que as pessoas aceitariam mais esses alimentos. “O fato de os pesquisadores se preocuparem com a forma de apresentação dos insetos e com a palatabilidade é muito interessante. Ainda que o consumo desses animais inteiros seja comum em outros países, o fato de eles estarem disfarçados pode ajudar na aceitação e permitir que a indústria desenvolva alimentos de forma escalável”, disse.
Diferenças regionais
Outra constatação da pesquisa é que há diferenças regionais na aceitação da ingestão dos insetos – consumidores que moram nas regiões Norte e Centro-Oeste receberam a possibilidade mais naturalmente do que os moradores das regiões Sul, Sudeste e Nordeste. O perfil dos entrevistados que tiveram mais aceitação era de pessoas mais jovens, com maior nível de escolaridade e do sexo masculino.
“A diferença na aceitação dos insetos é claramente influenciada por questões culturais das regiões. O Norte e Centro-Oeste têm uma população indígena muito mais presente e os insetos já fazem parte da alimentação desses povos originários. Para as pessoas dessas regiões, falar em comer insetos não parece algo bizarro”, disse o pesquisador.
O uso de insetos na alimentação humana pode parecer exótico aos olhos da população urbana ocidental, mas Bisconsin Júnior ressalta que o consumo de insetos faz parte da cultura original das Américas – no México, por exemplo, eles são vendidos inteiros e à granel, consumidos como snacks (lanches). Ele lembra ainda que os insetos já chegaram às mesas de restaurantes premiados do Brasil.
Teixeira afirma que as gerações mais novas estão mudando o conceito sobre o consumo de animais porque estão mais preocupadas com as questões sustentáveis. “Os mais jovens aceitam mais essa condição, nem que seja por simples curiosidade. Mas o Brasil ainda não avançou muito nesse sentido, o país ainda não sentiu a necessidade de partir para esse tipo de alimentação”, disse a nutricionista. Bisconsin Júnior concorda, mas lembra que esse é apenas mais um passo em busca da conscientização.