Embora ainda não seja uma patologia classificada pela Organização Mundial da Saúde, o vício nas telas é considerado uma condição denominada de nomofobia

Embora ainda não seja uma patologia classificada pela Organização Mundial da Saúde, o vício nas telas é considerado uma condição denominada de nomofobia

(Reprodução/Unsplash)

A utilização de equipamentos eletrônicos é cada vez mais crescente na sociedade, ajuda em várias atividades do dia a dia e auxilia, inclusive, na comunicação entre as pessoas. Porém, o uso exagerado, principalmente das redes sociais, pode gerar um quadro de vício, que se caracteriza pela angústia e pelo desconforto gerados pela falta de acesso à comunicação via internet. Apesar de ainda não ser uma patologia classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), essa condição é chamada de nomofobia e os comportamentos desencadeados são um alerta para essa imersão da população em um mundo altamente conectado.

A psicóloga Mirlene Mattos explica que essa patologia pode afetar várias áreas da vida do indivíduo. “Pode atrapalhar o desempenho social, educacional, profissional, convívio com família e amigos, além de interferir cognitivamente", explica.


Nesse caso, a utilização da internet pode começar por necessidade real, distração ou para fugir do tédio, mas, com o passar do tempo, se torna um mecanismo de fuga da realidade. Segundo a psicóloga Amanda Medeiros, em quadro mais agravados, há uma perda de sentidos da realidade, então o indivíduo não consegue identificar um cenário fora dessas redes e para além da interação digital.

Além disso, os estímulos rápidos ocasionam a liberação de dopamina pelo cérebro , conhecida como hormônio do prazer e da satisfação. À primeira vista, pode parecer bom, mas o uso exagerado cria um ciclo que faz o cérebro buscar cada vez mais essa sensação.

Causas

Como na maioria das dependências, a nomofobia também é causada por muitos fatores. O contexto de vinculação excessiva das tecnologias no dia a dia é uma dos motores para o aparecimento da condição, uma vez que elas possuem a potência de tirar os sujeitos do presente e direcionar para algo que, muitas vezes, é mais confortável que a realidade. Essa necessidade humana de prazer e de se sentir bem é o ponto que a psicóloga Amanda Medeiros destaca como motivador para o aparecimento da condição.

Sintomas

A ansiedade e a agonia provocadas por estar separado de dispositivos com acesso a redes sociais, ou apenas de imaginar esse cenário, são os principais indicativos da nomofobia. A verificação constante do celular, a incapacidade de se afastar do aparelho ou o medo de perder contato com internet são outros sinais dessa fobia. “Os sintomas podem ir desde o emocional até o físico, como estresse, irritabilidade, angústia, solidão, dor de cabeça, dor ou pressão no peito, tontura e falta de ar”, enumera a psicóloga Mirlene Mattos.

Amanda explica que esse estresse causado pelo medo de ficar incomunicável dificulta a manutenção e a criação de novas relações humanas. “Em caráter comportamental, essa pessoa pode evitar estar em ambientes onde seja impossibilitada de usar o celular”, exemplifica a especialista.

Os indivíduos mergulhados nesse vício acreditam que não podem se desconectar da internet e possuem um medo irracional dessa separação. Isso afeta na conclusão de tarefas do cotidiano e aumenta a procrastinação. Além disso, pode atrapalhar o sono, gerando cansaço físico.

Tratamento

O melhor tratamento para aquelas pessoas que possuem essa fobia é o acompanhamento profissional com um psicólogo ou psiquiatra. Em seguida, depois do diagnóstico, a ideia de uma redução da frequência de uso dos dispositivos é interessante para tentar diminuir o vício e seus sintomas.

Segundo Mirlene, o uso de remédios pode acabar sendo necessário em casos mais graves. “Em quadros em que já foram desencadeadas ansiedade e depressão mais severas, o uso de medicações pode acabar sendo usado, mas lembrando sempre que é o médico quem faz as prescrições”, ressalta a profissional.

Prevenção

Em um mundo altamente conectado, a procura de uma prevenção contra essa fobia é difícil, mas não impossível. Profissionais indicam um consumo mais consciente em relação ao conteúdo, ao tempo e à frequência de acesso à internet .

Além disso, o vício pode ser desencadeado por questões psicológicas prévias. A sensibilidade dos indivíduos nesses quadros e o aparente apoio que as redes geram agravam a necessidade dessa fuga, característica principal da patologia. O tratamento psicológico é interessante para que esses transtornos mentais não sejam gatilhos para o desenvolvimento da fobia.

O apoio emocional de amigos e familiares também ajuda no tratamento. A tentativa de criar relacionamentos, sem ser no digital, e investir nos ciclos sociais, em que o indivíduo se sinta bem e seguro, é importante no processo de melhora. “A ressignificação desse símbolo de segurança e a promoção de vínculos saudáveis também em caráter presencial são essenciais para uma vida plena”, ressalta Amanda.

 

Palavra do especialista

Qual a faixa etária mais atingida pela nomofobia?

É um público um pouco mais jovem, pois é uma geração que já nasceu incluída na era digital. Então, esse grupo tem desde pequeno esse estímulo do celular, da internet, do computador, coisas que gerações passadas não tiveram acesso até uma certa idade. Isso acaba influenciando um pouco mais. Mas se a gente verificar na literatura, pessoas mais velhas também acabam se viciando no uso das redes do celular.

Quais são os outros motivos para o impacto maior entre os mais jovens?

Uma das questões é a falta de conhecimento dos responsáveis pelo o que o menor faz na internet e quanto tempo ele passa conectado. É importante ter esse olhar para o jovem, se esses fatores, conteúdo e tempo, estão interferindo de alguma forma na qualidade de vida dele. Ter um olhar mais atento para o jovem, justamente para evitar a questão do vício.

O que o responsável deve fazer quando suspeitar do vício? Deve tirar todos os eletrônicos imediatamente e punir a criança/adolescente?

O mais indicado seria justamente estabelecer limites, conversar com esse jovem, estipular horários e acompanhar o uso. Isso é necessário, até porque se ele já tiver no início do vício nas redes, nos eletrônicos, tirar de imediato, muitas vezes, aumenta a questão da ansiedade. Então conversar, trabalhar na terapia essas questões, sempre acompanhando o que está sendo consumido, é
importante nesse cenário.

Fonte: Mirlene Mattos de Souza Pereira é psicóloga clínica

 

*Estagiária sob a supervisão de Sibele Negromonte