Tenho especial carinho pelo Cerro Porteño, e ainda mais especial é o carinho do Cerro Porteño pelo atleticano. Pudera, são arquirrivais do Olimpia, esse saco de pancadas do Galo, tão freguês nosso quanto éramos deles em nossa juventude, pelo menos no que se refere ao Black Label paraguaio, de tão esfuziante memória. Quer dizer, disso não ficaram muitas recordações, pois uma de suas qualidades era a completa amnésia no dia seguinte.
Ali, por meados do século 19, o Paraguai passou a acalentar o sonho expansionista do Grande Paraguai, que incluiria parte da Argentina, o Uruguai, o Rio Grande do Sul e o Mato Grosso, razão pela qual foi massacrado por seus vizinhos numa guerra que durou de 1864 a 1870. Morreram 60 mil brasileiros e 300 mil paraguaios, entre militares, civis e mortos de fome. O país nunca se recuperou desse revés, ainda que a contraofensiva de seus Black Labels tenham feito mais vítimas do que os campos de batalha.
A Argentina perdeu a Guerra das Malvinas em 1982, mas a vingança foi maligna: na Copa de 86, Maradona tirou a Inglaterra com o gol mais bonito de todas as Copas, além daquele outro, La Mano de Dios. Não há inglês que não tivesse trocado aquelas malditas ilhas pela classificação. Maradona levantou o caneco, Margaret Thatcher morreu no ostracismo.
Representado pelo Olimpia, o Flamengo daquelas plagas, por duas vezes o Paraguai teve a chance de vingar-se da guerra naquilo que de fato importa à humanidade, o futebol. Em ambas o adversário era o Atlético, um azar danado. Perdeu as duas, a final da Copa Conmebol de 1992 e a final da Libertadores de 2013. Apesar da chance da desforra, tivemos aliados em terras inimigas, os hinchas do Cerro Porteño, esse Vasco paraguaio.
O Galo acaba de classificar-se para a fase de grupos da Libertadores. Passou com muita consciência e alguma galhardia pela preliminar – invicto, ganhou duas e empatou duas. Com sofrimento, evidentemente, porque jogo do Galo sem sofrência, já diria Gay Talese a respeito de um Frank Sinatra resfriado e sem voz, “é Picasso sem tinta, Ferrari sem combustível”. Quarta que vem começa a Libertadores pra valer, e no lugar do Olimpia temos o Cerro, amigo velho, adversário novo, inimigo jamais.
Este ano, o ópio do povo parece de qualidade superior ao prensado paraguaio a que ficamos submetidos nas temporadas anteriores. Saiu Alexandre Tadeu, aquele a quem não se deve chamar de Gallo, e entrou Marques. Saiu quem deveria sair, chegou gente boa para a zaga, o capitão está de volta, só não voltou aquele que não deveria voltar porque tem de fazer a sua 38ª independência financeira, paciência. O time reserva sobra no Mineiro. E se não deu espetáculo na pré-Libertadores, tampouco sofreu uma grande pressão.
A cerveja do bolo é o Mineirão. O Galo volta à Pampulha já na quarta-feira, que beleza! Quarta-feira de cinzas, e o que é o cinza senão o preto e o branco juntos e misturados? Coitado do Mineirão, tantos anos à meia-boca, obrigado a preencher o vazio com a torcida de papelão. Pois a Massa à casa torna, seu salão de festas, há muito desenterrada do subsolo a cabeça de burro que tanto nos prejudicava.
O Mineirão foi construído para o Atlético. Quando estava pronto, levaram Sempre, o lendário torcedor, para escolher onde ficaria a torcida do Galo. Ele optou por toda a porção central, ficando a parte de trás de cada gol para Cruzeiro e América. Só que era de manhã e, na hora do jogo, à tarde, os atleticanos estavam todos no sol. Alguém foi saber de Sempre se a escolha tinha sido errada. “A torcida do Atlético pode até estar no sol”, ele respondeu, “mas é fiel feito a sombra”. Sempre sabia das coisas. Galo Sempre!
Ps. Perdão aos amigos paraguaios que ouviram nosso presidente prestar homenagem a Alfredo Stroessner, em Itaipu, esta semana. Bolsonaro chamou de “estadista” o ditador que governou o Paraguai de 1954 a 1989. Stroessner era pedófilo, assassino, contrabandista, traficante, e deu refúgio a centenas de nazistas criminosos de guerra.