Em 5 novembro de 2015, quando o rompimento da Barragem do Fundão, da mineradora Samarco, deixou ilhado o distrito de Águas Claras, em Mariana, Sandy Monteiro tinha 15 anos. O tsunami de rejeitos levou a ponte do principal acesso ao vilarejo. Ela ficou sabendo da tragédia enquanto voltava da escola. Na noite daquela quarta-feira, ela e duas amigas não saíram de casa para jogar futebol com os meninos na quadra do distrito, como faziam todos os dias. O bate-bola foi suspenso pelo luto. “Amigos de escola que moravam em Paracatu perderam tudo. Foi muito triste. Ficamos umas três semanas sem aula”, recorda a jovem.
A lama que varreu distritos vizinhos a caminho do mar, no Espírito Santo, matou 19 pessoas, no maior desastre ambiental da história do país, mas não destruiu o sonho da jovem.
A ponte provisória em Águas Claras, construída três meses depois da tragédia provocada pela mineradora, amenizou transtornos de locomoção da comunidade com pouco mais de 400 habitantes e abriu passagem para Sandy, que deixou o vilarejo para continuar os estudos em Mariana. “Fui morar com meus irmãos, para cursar o ensino médio. Nas horas vagas, comecei a treinar num time feminino de futsal, o Style”, lembra.
No futsal, o talento dela como goleira foi revelado. Em 2018, o treinador a indicou para integrar a equipe de futebol feminino do Betis, de Ouro Branco, que a levou ao Campeonato Mineiro de Futebol Feminino. “Era tudo muito amador.
Como até no fim do ano passado o único time profissional de futebol feminino de Minas era o América, Sandy não sonhava ser jogadora profissional. “Sabia que queria muito jogar futebol, mas ser atleta profissional, nem imaginava”, afirma a goleira, que pensava fazer faculdade de psicologia. Mas esse jogo virou. A experiência com a equipe do Betis despertou o desejo da jovem em tentar jogar em um time grande e seguir carreira no futebol.
A oportunidade veio em janeiro deste ano.
O teste
O pai, João Bosco Alves, de 60 anos, foi quem acompanhou a goleira. O teste seria em um sábado, mas para a filha não chegar cansada, eles viajaram um dia antes. “Saímos umas cinco e pouco da manhã de uma sexta-feira. Uma colega dela, que também fez o teste, foi com a gente. Não conhecíamos nada. Chegamos na cidade e fomos perguntando até encontrar uma pousada”, lembra João.
Na manhã seguinte, às 9h, lá estava ele na arquibancada do campo, acompanhando a avaliação da caçula. Sandy foi aprovada. “Ela ter sido selecionada foi um orgulho danado.
Depois da seleção em São Gonçalo do Rio Preto, Sandy ainda passou por mais uma semana de teste no centro de treinamento do time, em BH. Quando o clube anunciou que ela seria jogadora do América, uma mudança inesperada quase colocou tudo a perder. “Logo depois que passei por todas as etapas, a comissão técnica que havia me selecionado foi trocada. Tive de fazer outro teste, com a nova equipe”, lembra. O talento mais uma vez se destacou.
Sandy vive hoje, juntamente com outras colegas de clube, numa casa alugada pelo América, no Bairro Santa Efigênia, Região Leste de Belo Horizonte. Os estudos também foram transferidos para a capital. “Os treinos são pela manhã e à tarde. À noite, todos os dias, vou para a escola”, conta a jovem que cursa o último ano do ensino médio. A estreia no time ainda não aconteceu, mas ela sabe que sua hora vai chegar. “A ansiedade é grande, mas, no momento, só penso em treinar e melhorar meu condicionamento”, conclui.
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