Como a Alice atrás do coelho falante, o Atlético despenca num poço sem fundo. Quando virá o chão não se sabe. Lá chegando, e a julgar pela forma patética como a direção e alguns jogadores reagem à crise, é improvável que vamos achar a chave capaz de nos tirar do buraco. Num momento crucial do futebol brasileiro, em que certos clubes tendem a abrir larga dianteira sobre os demais, graças a investimentos privilegiados ou à competência de suas gestões (ou a ambos), o Galo corre o risco de colocar-se irreversivelmente na prateleira de baixo, na companhia de outros grandes que perderam o bonde.
Peço licença pra contar uma história pessoal, que já contei antes, mas que vem ao caso outra vez. Escrevo neste espaço desde junho de 2011. A partir de 2013, a publicação de um livro que reunia minhas colunas e celebrava a conquista da Libertadores fez com que eu me tornasse amigo, ou pelo menos conhecido, de alguns dirigentes do clube. Nunca tirei qualquer vantagem disso, nunca pedi um ingresso pra ninguém, uma camisa, nada. Voei com os jogadores a convite do clube para a final da Copa do Brasil de 2016, em Porto Alegre, porque gravava um filme sobre a história do Galo.
Desde que escrevi uma coluna crítica à gestão de Daniel Nepomuceno, tornei-me persona non grata. O livro, vendido exclusivamente na Loja do Galo (foi lançado como “produto oficial”, já que trazia muitas fotos e o clube detinha os direitos de imagem dos jogadores), teve de ser retirado de circulação. O filme, dirigido por dois dos mais premiados cineastas mineiros – Sérgio Borges, ganhador de um Festival de Brasília, e Helvécio Marins Jr., selecionado para Cannes este ano –, emperrou.
Sou um dos produtores do longa-metragem (não se ganha dinheiro com esse tipo de filme, de baixo orçamento, perde-se) e ajudei a escrever o roteiro. Um filme realmente incrível, um documento histórico que está pronto há quase um ano. Mas que, sem o empenho de seus diretores para a liberação das imagens, terá de ser reduzido a um filme comum. Quando o corte final da primeira versão foi apresentado a eles, o que de mais importante tinham a dizer era: “Por que não estamos no filme?”.
Na fatídica coluna em que criticava a gestão de Daniel Nepomuceno, eu o comparava à presidenta Dilma, um tanto atrapalhada, embora inegavelmente boicotada. O ex-presidente me escreveu dizendo-se indignado com o paralelo que lhe soava pejorativo, sobretudo, segundo o próprio, por ser ele uma pessoa de orientação à esquerda, um progressista e tal. Três anos depois, Nepomuceno trabalha no governo de Jair Bolsonaro.
Desde então, passei, volta e meia, a ser interpelado sobre minhas “ligações” com o Atlético. Há alguns dias, apareceu uma mensagem no meu e-mail perguntando se era verdade que eu havia ganho dinheiro com jogadores da base. Num país que crê na mamadeira de piroca, tudo é possível, não culpo o sujeito que me escreveu. Fico apenas pensando de onde surgem coisas como essa, e por que só passaram a existir depois dos acontecimentos que relatei acima.
Essas histórias foram reveladoras, para mim, do que se trata a turma alçada ao comando do Galo depois da saída de Alexandre Kalil (de quem me considero amigo, e por quem tenho grande respeito). No entanto, continuei a julgá-los entendedores daquilo que faziam internamente, embora o caráter fosse oscilante, a ética inexistente, o amor pelo Atlético uma farsa e o resultado, em campo, pífio. A situação atual veio estapear a cara de ingênuos como eu: é estarrecedora. Essas pessoas, além de tudo, não entendem nada de nada, corroem as finanças do clube, destroem sua imagem e perigam nos jogar à Segunda Divisão.
O conselheiro Márcio Cadar, com carreira importante no mercado financeiro, debruçou-se sobre o último balanço do clube. Desde a semana passada, decidiu expor o que considera “questões graves, ao ponto de colocar em risco o futuro”. Seus apontamentos vão desde gastos crescentes, que são, no mínimo, suspeitos, até detalhamentos que deixaram de ser feitos, de forma a tornar o documento pouco transparente. Fora isso, o resultado do balanço em si é um desastre monumental. Ao que parece, achar um técnico disposto a descascar o abacaxi em que nos tornamos é o menor dos nossos problemas.