Quem assistiu Unión La Calera e Atlético na terça-feira passada merece um prêmio. É um bravo, um atleticano com recibo e firma reconhecida. Ou, por outro lado, alguém que deve procurar ajuda numa clínica de reabilitação. Só um viciado no estágio do crack – para o alcóolatra, na fase do gim – seria capaz de enfrentar uma peleja em que claramente o clube escolheu perder.
Houve um tempo em que, tendo me mudado para São Paulo, adquiri um rádio da Segunda Guerra Mundial numa feira de antiguidades. O motivo, claro, era o Atlético. Não havia internet nem Premiere (sim, jovens, já houve, ou não houve, isso). O vendedor me garantiu que aquele Global Transistor velho de guerra resolveria os dramas da minha atleticanidade.
Pegava o Vaticano e o Peru, Nova York e Pindamonhangaba. Mas as montanhas de Minas, nossas Sierras Maestras, ele não transpunha nem com todo o Bombril do mundo grudado à sua antena. Exilado e sem o Atlético, eu me sentia um prisioneiro nos campos de trabalhos forçados na Sibéria. Passei a ouvir o Galo pelo telefone, em longos interurbanos para a minha mãe, quer dizer, para o Willy Gonzer, que ela ligava em seu três em um. Durante a semana, trabalhava para pagar as ligações. Ó vida, ó céus, ó azar...
Penúria igual vivi na terça-feira, por não ter assinado o único canal que transmitiu o jogo – coração de Galo, mão de vaca, cabeça de burro. O aplicativo da rádio encontrava-se congestionado, uma transmissão pirata pelo Instagram funcionava a meio mastro. Ao que parece, não posso garantir, perdemos por 1 a 0.
O fato, porém, é que a direção do Atlético tenta se desfazer dessa Sul-Americana desde o jogo em que o Galo garantiu a classificação. Esqueceram de combinar com os russos, e os reservas venceram na Venezuela. No Chile, lá fomos nós de novo com o nosso banco. O Galo me ensinou tanta coisa, quem dera tivesse me ensinado a poupar. Na terça que vem, jogo de volta contra essa união de caneleiros, não se surpreenda se pintar o Belmiro na composição do meio-campo. Em todo caso, vamo que vamo no Brasileirão! Mais um Atlético e Flamengo igual o da semana passada, e acaba o meu casamento. Não tô mais preparado para um gol daquele do Chará, muito menos o do Cazares, e ainda jogando com 10. O futebol é uma caixinha de cerveja, mas me embebi de tantas e foi tamanho o porre de felicidade, que desde então estou poupando a mim mesmo.
O problema é que hoje tem Galo de novo e já me embriago com as cenas daquele gol do Jô contra o Grêmio, os dois chapéus do Bernard, caramba, roubaram até o nosso Puskás. O Grêmio é uma pedra na chuteira, tem muito mais time, apesar da vexatória posição no campeonato, tem Tardelli, sempre a correr atrás da independência financeira. Mas eu não sei, meus amigos, alguma coisa de muito estranha acontece com o Atlético neste certame.
Uma coisa que não é Atlético. A sorte de quem vai aprontar alguma. A coisa feita para desandar mas que de repente vai se achando no caos, no peito, na raça, primeiro aos trancos e barrancos, depois apenas aos trancos, e quando a gente abre o olho tá lá o Cazares desenhando aquela pintura. E o Patric a celebrar daquele jeito a sorte de ser atleticano. Meu Deus, penso comigo, vamo ganhar de todo mundo!
Se o Galo ganha hoje do Grêmio, terá fechado com o melhor dos técnicos, o melhor dos centroavantes e armadores – o torcedor atleticano. É a peça que falta pra botar fogo na Bastilha e tomar esse campeonato nas mãos. O Palmeiras tem Dudu? O Galo tem Chará, Cazares, o seu Zé, a dona Maria e o seu João. Conosco ninguém podosco!