A partida de hoje entre Bolívia e Venezuela, no Mineirão, não vai opor somente duas escolas que tentam evoluir degrau a degrau no futebol sul-americano para tentar bater de frente com seleções mais tradicionais. Há algum tempo, os dois países representam no campo político as duas ideologias de esquerda mais radicais do continente, com interferências diretas na economia e na sociedade. E o futebol atua como mais um elemento para ambas as nações: tanto Evo Morales quanto Nicolás Maduro se consideram fãs número 1 de suas seleções e tentam usá-las como instrumento de propaganda dos governos.
Mesmo que se apontem como populistas, Bolívia e Venezuela atingiram a condição de esquerda radical em contextos bem distintos entre os anos 1990 e 2000. “No caso da Bolívia, Evo Morales era fortemente respaldado pela população indígena, que o elegeu. É um processo socialmente mais profundo. Ele tinha sua origem em movimentos sociais. Já na Venezuela, o Hugo Chávez não tinha essa origem nas camadas populares. Era um militar e conquistou seu poder através de um golpe militar, quando ganhou notoriedade. Depois, ele ganhou a eleição”, explica o cientista político e professor da UFMG, Carlos Ranulfo.
Enquanto a situação econômica da Bolívia evoluiu nos últimos anos, com crescimentos econômicos nos últimos cinco anos de 5%, a Venezuela passa pela crise mais profunda de sua história, com alto índice de inflação, corrupção, fechamento de empresas e aeroportos, falta de energia e escassez de produtos básicos. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), a inflação em 2019 no país pode chegar a 10.000.000%. “O Chavismo levou a Venezuela para a maior crise de sua história. No caso do Maduro, atual presidente, foi a experiência mais radical de todas e isso deu tudo errado, gerando pobreza e fome. No caso da Bolívia, a situação da população melhorou muito com os governos de esquerda. Não há crise no país. O governo se saiu bem”, afirma Carlos Ranulfo.
A situação na Venezuela também interferiu no futebol do país, já que vários jogadores deixaram os clubes locais e partiram para outros mercados alternativos, como Emirados Árabes Unidos, China, Indonésia e Egito, o que enfraqueceu o Campeonato Nacional. A federação de futebol do país orientou que os jogadores da seleção não se posicionassem politicamente para não prejudicar o ambiente durante a Copa América.
No começo do mês, o presidente Nicolás Maduro, que assumiu o poder em 2013, logo depois da doença de Hugo Chávez, parabenizou publicamente a Venezuela pela vitória no amistoso contra os Estados Unidos por 3 a 0, em Cincinatti, que serviu de preparação para a competição: “Sinto orgulho de nossos guerreiros do Vinotinto, eles conseguiram uma grande vitória (3 a 0) contra o selecionado dos Estados Unidos. Bravo Garotos! Bravo Solomon! Eles são a #geraçãodeouro que escreve a história do esporte da nossa amada Venezuela. Parabéns!”. A publicação recebeu muitas críticas pelo fato de o presidente usar o futebol como instrumento político do governo.
PITACOS NA SELEÇÃO A relação de Evo Morales com o futebol na Bolívia também é antiga. Torcedor fanático do The Strongest, ele tem sido um defensor dos jogos da seleção na altitude de 3,6 mil metros de La Paz, algo criticado pela Fifa anos atrás. Eleito em 2006, o presidente costuma dar seus pitacos na escolha de treinadores na seleção e no desempenho em si dos bolivianos nas Eliminatórias e na Copa América. Morales também ajudou a federação de futebol local a superar uma crise institucional e técnica em 2010.