Ídolo de três torcidas, jogador de Seleção Brasileira, atleta olímpico, vice-campeão brasileiro e eleito o melhor do Brasil em 1985. Esses são os destaques do currículo de Mário José dos Reis Emiliano, o Marinho, jogador que surgiu no Atlético e vestiu também as camisas de Bangu e Botafogo. Mas o ponta-direita que encantou o Brasil nos anos 1980, conheceu a fama e a riqueza, não suportou a morte de um filho, afogado na piscina de sua própria casa, se entregou à bebida, chegando a morar dentro de um carro e também na rua, e viu sua carreira ruir. Resgatado no Rio de Janeiro por dois de seus filhos, João e Priscila, e trazido para BH para tratar de tuberculose, aos 62 anos, Marinho voltou a ter uma vida digna. No Bairro Glória, Região Noroeste da capital, ele vive uma vida pacata na companhia de filhos e netos e voltou a exibir com orgulho a Bola de Ouro que ganhou em 1985 da revista Placar, quando atuava pelo Bangu, vice-campeão brasileiro – perdeu a final para o Coritiba.
Apesar de quase não andar por BH – “eu estou que nem fogão, não saio de dentro de casa”, brinca –, nessa quinta-feira, o ex-jogador foi fazer um passeio ao Mineirão sem saber o que o aguardava. De volta ao estádio depois de “mais de 17 anos”, três ex-companheiros de Atlético o esperavam para revê-lo. Marcelo Oliveira, Paulo Isidoro e Heleno proporcionaram a Marinho momentos de alegria, emoção e de boas lembranças da época em jogavam juntos no Galo. Marinho tinha revelado o desejo de rever seus amigos do Atlético em entrevista exclusiva ao Estado de Minas, em agosto. Tratamos de realizar o desejo do craque e agora você pode acompanhar com detalhes.
"O que eu mais queria na vida. Reencontrar meus amigos. São eles"
Marinho, ao ver o trio nas cadeiras do Mineirão
A caminho
Foi tudo surpresa. Só quem sabia o que ocorreria era Priscila, filha do ex-jogador, que o acompanhou ao Mineirão. Fui buscá-los. A caminho da Pampulha, passamos primeiro pela Avenida Abílio Machado e, em seguida, Avenida Atlântica. Tudo parecia novidade para Marinho. “Pra mim isso aqui é novo, pois quase não saio de casa. Prefiro ficar com meus filhos, que, na verdade, hoje são meus companheiros, meus amigos, os que cuidam de mim.”
“Que avenida é essa?”, perguntou. “Saí de Belo Horizonte há muito tempo. Naquela época, não existia.” Chamou a atenção dele o grande número de prédios. Antes da chegada à orla da Lagoa da Pampulha, reconheceu um muro azul. “Agora sei onde estou. Aqui é a Toca da Raposa!” E soltou uma gargalhada.
Um pouco mais à frente, viu o Parque Guanabara e disse: “Olha, aqui é o Mangueiras, pizzaria que a gente vinha depois de alguns jogos, para comemorar as vitórias”, recorda. Já perto do estádio, começou a ficar ansioso, viu somente o Mineirinho e perguntou: “Cadê o Mineirão?”. Quando viu, disparou: “Está muito diferente do meu tempo. Tem mais de 17 anos que vim aqui pela última vez”.
Dupla surpresa
“Mas aqui está muito diferente. O que é isso?” Relembrou que o hall principal ficava em frente à entrada do Centro Esportivo Universitário (CEU). Mas agora está tudo mudado. “Ficou bonito, diferente. Mas se me soltarem aqui, vou demorar uns dois dias para conseguir sair”, brincou.
Marinho ficou maravilhado com a nova entrada, a que leva aos camarotes. Depois, com o acesso interno aos vestiários e à tribuna de imprensa. Aliás, era lá que estava a surpresa. Entrou no elevador. Quando saiu, deu de frente com a paisagem da Lagoa da Pampulha. Aproximou-se, vagarosamente, do parapeito do corredor de bares. Ficou maravilhado. “É muito bonito”, disse ao contemplar a vista. Subiu as escadas em direção ao campo e começou a ver as arquibancadas. Como numa reverência, tirou a boina e a levou ao peito. Ficou em silêncio ao avistar o gramado. “Nossa. Estou me lembrando da torcida do Atlético aqui, gritando o tempo todo.”
Nesse momento, a surpresa maior. Marinho olhou para a esquerda e se assustou, viu algumas pessoas, mas demorou um pouco para reconhecê-las. Quando percebeu quem eram aqueles, seus olhos marejaram. Lá estavam Marcelo Oliveira, Paulo Isidoro e Heleno, companheiros dos áureos tempos de Atlético. Ele parecia não acreditar, mas caminhou em direção a eles. “O que eu mais queria na vida. Reencontrar meus amigos. São eles.” E os chamou pelos apelidos, como na época em que jogavam: Pacote (Marcelo Oliveira), Neguinho (Paulo Isidoro) e Camarão (Heleno).
"Nossa, que prazer em te ver. Passamos 16 anos juntos. Foi desde o infantil, quando tínhamos 11 anos (...) E agora estamos juntos novamente e não vamos mais nos separar"
Heleno, ex-volante alvinegro
O tempo parou
Vendo os quatro ali, abraçados, emocionados, era como se houvesse uma volta no tempo. Eles estavam juntos novamente, como se estivessem em campo, com a camisa do Galo. E, durante a resenha, Paulo Isidoro disparou: “Pode enfiar a bola no fundo que você chega?”. Marinho respondeu: “Claro”. Sorriu e mostrou sua marca registrada, deu uma sambadinha.
Marcelo relembrou: “Ele era impressionante... Fazer o arco. Era como nos referíamos aos cruzamentos dele. A bola fazia uma curva por trás dos beques e pegava a gente entrando, de frente, pra marcar. Era um exímio driblador. De vez em quando, fingia que ia cortar pro fundo e vinha pra dentro, batendo para o gol, de canhota”.
Heleno se emocionou. “Nossa, que prazer em te ver. Passamos 16 anos juntos. Foi desde o infantil, quando tínhamos 11 anos. É muita história, muitas conquistas. E agora estamos juntos novamente e não vamos mais nos separar.”
"Ele era impressionante (...) A bola fazia uma curva por trás dos beques e pegava a gente entrando, de frente, pra marcar"
Marcelo, ex-armador alvinegro, sobre os cruzamentos certeiros de Marinho
Marcelo voltou a 1977 para lembrar de uma viagem que fizeram. “O Atlético marcou uma excursão à Indonésia, em fevereiro. Foi durante o carnaval. O Marinho sempre foi sambista. Estávamos em Jacarta. Lá, era muito rígido. Não podíamos sair do hotel. Pois não é que o Marinho chamou a gente pro quarto dele? Lá tinha cerveja e muito samba. Ela se fantasiou de árabe e dava um show. Mas o Barbatana desconfiou e mandou a camareira bater na porta. Abrimos e ele apareceu. Começou a xingar. Mas o Reinaldo contornou. Disparou: 'Chefinho, fica bravo não'. Na verdade, a situação só ficou tranquila porque ganhamos o jogo seguinte de goleada, 4 a 1 na Seleção do Catar. Esse era o Marinho, a alegria do nosso grupo.”
Paulo Isidoro reclamou de Marinho e fez uma intimação. “Olha, a gente tem o máster. Já te chamei e você não apareceu. Vai ter de ir no próximo, de qualquer jeito. Vou te buscar em casa. Assim, não tem como escapar.”
Juntos, relembraram a maneira como pensavam o futuro naquela época, o que seria deles dali para a frente. “A gente queria vencer, sempre”, disse Marinho. “Tínhamos objetivos maiores”, falou Marcelo. “De jogar a Copa do Mundo”, emendou Paulo Isidoro. “Queríamos o Atlético grande, muito grande, e nós juntos”, afirmou Heleno.
"Olha, a gente tem o máster. Já te chamei e você não apareceu"
Paulo Isidoro, ex-meio-campista, brincando com Marinho sobre voltar a jogar
A conversa continuou e Paulo Isidoro, sem querer, mexeu com o coração de Marinho. “E dona Efigênia [a mãe de Marinho], que era a mãe de todos?” Marinho o abraçou, mais uma vez.
Depois de algum tempo, Marinho confessou: “Eu não os reconheci de cara. Mas aí, olhei bem o Paulo Isidoro. Está a mesma coisa. O Marcelo, caiu o cabelo. Mas o Heleno não reconheci. Mas agora, que sei que são vocês, digo: não quero ficar longe nunca mais. O Rio, no Bangu, foi muito bom. Mas minha vida, meus amigos, estão aqui”.
Lembrando-se de tudo que aconteceu na vida, o ex-ponta-direita reconheceu: “Eu mesmo acabei com a minha vida. Eu me entreguei à bebida. Não fiquei com nada. Tive muito, mas, hoje, não tenho nada. Só meus filhos e, a partir de agora, os amigos. Graças a Deus”.
Depois de matar a saudade do Mineirão e dos amigos, Marinho recebeu o convite da administração do Gigante da Pampulha para voltar ao estádio em 26 de setembro, quando o Atlético enfrentará o Colón-ARG, no jogo de volta das semifinais da Copa Sul-Americana. Aí será a vez de matar a saudade de ver o seu Galo jogar.