Jornal Estado de Minas

CRISE

Sem jogos e eventos, estádios mineiros amargam prejuízos durante a pandemia

A administradora Luarenas optou pela suspensão do contrato de cerca de 20 funcionários que trabalham no Independência (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)


A profunda crise econômica causada pelo novo coronavírus vai muito além da perda de receitas dos clubes grandes e pequenos do futebol brasileiro. Os prejuízos atingem as administrações da maioria dos estádios do país, muitos deles totalmente remodelados para a Copa do Mundo de 2014. Sem receber jogos ou eventos, o cenário é de apreensão, já que eles são responsáveis pela manutenção de empregos diretos ou indiretos. Em Minas, gestores do Mineirão e do Independência tentam se ambientar a uma nova realidade em busca de sobrevivência durante a pandemia, ainda que haja quedas assustadoras na arrecadação.


 
O Gigante da Pampulha conta atualmente com um repasse de cerca de R$ 8 milhões do governo do estado, que está sendo mantido mesmo com a pandemia. De acordo com estudo do Instituto de Pesquisas Econômicas e Administrativas (Ipead), da UFMG, o estádio teve um faturamento de R$ 660 milhões até o ano passado, sendo R$ 487 milhões em jogos e R$ 173 milhões em eventos culturais. No ano passado, a Minas Arena, que administra o empreendimento, recebeu 251 eventos.
 
 
 
Apesar das altas cifras acumuladas, a empresa precisou se readequar nos gastos. “Ainda é cedo para afirmar sobre prejuízos, mas sabemos que não será um ano de expansão como estávamos acostumados. Para 2020, projetávamos um crescimento em torno de 30%, além da manutenção dos jogos do Cruzeiro e de grandes festivais que marcavam presença em nossa agenda. Era sabida também por todos a volta do Atlético, como mandante frequente. Para esse crescimento, tínhamos contratado alguns reforços para a equipe, ainda em contrato de experiência, que foram terminados. Os demais funcionários foram mantidos. Todos os contratos de serviços foram renegociados”, ressalta Samuel Lloyd, diretor comercial da Minas Arena.
 
O Mineirão já tinha grandes eventos programados para 2020. A banda de heavy metal Metallica iria se apresentar no estádio, mas o show foi adiado para dezembro – os ingressos estavam praticamente esgotados. Neste período de pandemia, a Minas Arena vem fazendo um projeto das lives. A primeira a se apresentar foi o Skank. A gestora do estádio também aproveitará o período para fazer manutenções e reparos na estrutura.


 
Se vários funcionários precisaram negociar individualmente seus contratos, o mesmo não se pode dizer dos serviços indiretos que têm relação com o Mineirão “O maior impacto não é interno, mas em diversos negócios e pessoas que dependem da atividade, assim como, em nossos parceiros de conteúdo, como clubes e produtores culturais, para se garantirem de forma sustentável. O estádio é uma locomotiva que carrega milhares de empregos. São redes hoteleiras, motoristas e meios de transporte, profissionais de eventos, seguranças, bombeiros civis, profissionais da alimentação, comércio, serviços e muito mais. É muita gente que se beneficia da nossa atividade”, explica Lloyd.
 
Ainda que o retorno dos eventos de aglomerações não tenha data prevista, ele entende que o estádio terá papel importante quando o período de pandemia for superado: “Inicialmente, voltaremos sem torcida, mas com um retorno gradual dos torcedores. Estamos certos de que o Mineirão ganha ainda mais relevância na retomada e em seu papel histórico de auxiliar os clubes mineiros a cativarem seus torcedores e se recuperarem financeiramente no futuro próximo. Sempre foi assim”.

Contratos suspensos


 
Nesse momento de pandemia, o Independência, que durante o ano sedia partidas do América e do Atlético, tem a situação mais preocupante. A administradora Luarenas optou pela suspensão do contrato de cerca de 20 funcionários que trabalham na empresa por três meses, conforme a medida provisória 936 sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no início da pandemia. Há ainda pelo menos 200 pessoas que perderam renda com a suspensão do futebol, casos dos prestadores de serviços e comerciantes do entorno da arena.


 
“Existem hoje dois Indepêndências distintos. Há aquele que o torcedor vai, olha, vibra e aproveita os jogos. E tem também a empresa, que tem contas a pagar e um custo operacional mensal alto. Sem receita, ele não sobrevive se não tiver aportes para sustentá-lo. Estamos com faturamento zerado, já que não temos camarotes ou aluguel do estádio, bares e estacionamento. Tudo isso é atrelado ao controle do estádio”, explica Flávio Portela, vice-presidente da Luarenas, que de 2014 a 2018 também administrou o Castelão.
 
De acordo com o gestor, o Independência atualmente gera um custo operacional de cerca de R$ 400 mil mensais. Com a pandemia, o prejuízo ficou em torno de R$ 250 mil mensais. A administração manteve apenas os serviços básicos do Horto, como a manutenção do gramado, tecnologia e funcionamento do sistema de geradores. Diferentemente do Mineirão, a arena não recebe repasse do governo do estado.
 
O panorama pode até piorar no caso da volta dos jogos sem público. Portela entende que a realidade será totalmente diferente quando as autoridades de saúde liberarem a volta das partidas no Brasil. “Estamos acompanhando o que vem ocorrendo na Alemanha e na França, e não está sendo fácil. Certamente, vamos ter de discutir o melhor para todas as partes. Os clubes brasileiros dependem muito de bilheteria e sócio-torcedor. Se esses valores forem cortados, fica muito mais complicado. Há ainda o fator psicológico do futebol, já que o jogador não terá o calor humano. Os times terão que reaprender a jogar em casa”.


 
ENQUANTO ISSO...

 
Gramado vira hospital
 
Sem receber partidas nesse período de pandemia, diversos estádios do país se transformaram em hospitais de campanha. O Pacaembu, que em 2020 completou 80 anos de sua construção, foi o primeiro a ter uma estrutura para atender pacientes da COVID-19. O estádio, que comporta 40 mil torcedores, tem 192 leitos de baixa complexidade e oito semi-intensivos para doentes, e começou a receber pessoas infectadas no mês passado. Já o Mané Garrincha, em Brasília, estádio mais caro do Brasil (custou R$ 1,2 bilhão para a Copa de 2014), recebeu 200 leitos em seu primeiro andar. O Maracanã conta com 400 leitos, sendo 80 de UTI. Em Salvador, a Fonte Nova tem vagas para 100 pacientes da doença. Outro estádio que se transformou em hospital foi o Presidente Vargas, no Ceará, que tem capacidade para 204 leitos num dos estados com mais infectados do Brasil. O Mineirão chegou a ser oferecido para receber hospital de campanha, mas o governo de Minas optou pelo Expominas para instalar os cerca de 790 leitos.