Natural de Belo Horizonte, Bryan Silva Garcia, de 28 anos, é um velho conhecido das torcidas do América e do Cruzeiro. Após rodar por vários clubes do país, o lateral-esquerdo optou no início do ano por jogar em um mercado totalmente desconhecido dos mineiros. Em fevereiro, ele aceitou proposta para jogar quatro meses no Alashkert, uma das equipes mais populares da Armênia. Não bastasse a difícil adaptação em um país com cultura diferente, o jogador mal sabia que teria de conviver com a pandemia do coronavírus e com o conflito do país euro-asiático com o Azerbaidjão, com intensos bombardeios na região de Nagorno-Karabakh.
Desde fevereiro, quando se aventurou pela Armênia, Bryan está longe da esposa, Paula Garcia, e dos filhos Alice, de 4, e Bryan Filho, de 3, que continuam em Belo Horizonte. O jogador vive atualmente na capital, Yerevan, e firmou contrato, inicialmente, até junho. No entanto, com a pandemia, o vínculo foi prorrogado até dezembro.
“Depois de sair do CRB, meus planos eram ir para o Boavista, de Portugal, mas o clube foi punido pela Fifa e não pôde contratar. Até o último dia da janela fiquei esperando uma definição. Tinha outras propostas, com contratos menores, mas apareceu esse time da Armênia. Tinha outros brasileiros que me falavam como era o clube. Meu contrato tinha uma cláusula que me permitia sair em junho, mas o coronavírus mudou meus planos. Estou aqui até hoje”, ressalta o lateral-esquerdo, que foi revelado nas divisões de base do América e promovido em 2012 pelo técnico Givanildo Oliveira.
CONFLITO
Yerevan fica a cerca de 300 quilômetros de Nagorno-Karabakh. A nova etapa do conflito começou há duas semanas, encerrando um período de quatro anos de trégua entre Armênia e Azerbaidjão. A região pertence ao território azeri, mas sua população de cerca de 150 mil habitantes é 99% constituída por armênios e rejeitam o domínio do próprio Azerbaidjão. Desde então, mais de 300 pessoas foram mortas nos bombardeios. O choque existe desde a Revolução Russa de 1917, que anexou os dois países à antiga União Soviética.
Bryan relata que ficou surpreso ao saber do clima de guerra que se instalou em uma parte do país: “Quando você chega na Armênia, logo fica sabendo de cara sobre os conflitos. Você é proibido de entrar no Azerbaidjão e vice-versa. Eles são rivais há muitos anos. No último domingo, do nada, ficamos sabendo que um novo conflito se iniciou. A gente mora na capital e a zona de conflito ficava em um local próximo da fronteira. Faz parte do Azerbaidjão, mas é um território habitado por armênios. Isso faz muitos anos. E vira uma disputa por terra”.
O Alashkert interrompeu os treinos durante dois dias em virtude da insegurança, mas retornou a programação assim que as autoridades do país deram garantia aos atletas de que o terror não se espalharia pelo restante do país. “Ficamos com muito medo. Nos primeiros dias do conflito, a gente não entendia nada do que estava passando na televisão ou no rádio. Víamos vídeos na internet para tentar acompanhar. Era míssil para todo lado. E havia o medo de que outros países entrassem na guerra. Ficamos inseguros e com muito medo. Aqui vivem oito brasileiros. Aqui vive um pastor brasileiro, que mora há muitos anos e fala o idioma local, fala russo. Ele nos reuniu e ligou no consulado para saber se havia algum risco de continuarmos lá. Tínhamos medo de o aeroporto fechar às pressas. E nossa família falava sempre para irmos embora de vez”, afirmou Bryan.
Nos últimos dias, Bryan presenciou uma cena jamais vista no Brasil: todo o país se concentrando em torno do esforço do conflito. “Eles são muito patriotas. A cada esquina e na frente dos mercados, eles recolhem alimentos e água para levar para os militares. Vemos bandeiras nas janelas. É como se fosse o Brasil na época da Copa. Eles levam muito a sério o Exército.”
Nesse período de disputa, é comum os jogadores de futebol serem chamados para servir nas forças armadas. Não por acaso, o zagueiro Varazdat Haroyan, capitão da Armênia e jogador do FK Ural (Rússia), se afastou do futebol para combater na guerra. Já o atleta Liparit Dashtoyán, que defendeu o próprio time B do Alashkert até 2019, morreu ao ser baleado no conflito.
COVID-19
Antes do conflito armado, Bryan passou por outra situação difícil, já que a pandemia do coronavírus o pegou de surpresa bem no começo de sua trajetória na Armênia. Longe da família, ele encontrou consolo nos próprios brasileiros que atuam na equipe, o lateral Tiago Cametá e os atacantes Perdigão e Tiago Galvão, que vivem no mesmo condomínio, em Yerevan.
“Ficávamos vendo as lives dos cantores no Brasil ou jogávamos futevôlei em uma quadra aqui perto. Nossas famílias ficaram no Brasil e eu tinha acabado de chegar à Armênia. Achei muito estranho. Aqui, eles foram muito rígidos com a pandemia. Proibiram que as pessoas saíssem de casa de verdade. Só éramos liberados para ir ao mercado. Todo mundo era obrigado a usar máscara e luvas. Mas, em abril, tudo começou a voltar ao normal e o campeonato voltou.”
Apesar dos momentos tensos durante a quarentena, Bryan acredita que fez a escolha certa ao optar assinar com o Alashkert. Em 16 partidas pela equipe, ele já marcou 2 gols e deu seis assistências.“Vimos as dificuldades que os clubes tinham para pagar salários em virtude da queda na receita. E aqui eles quitam os compromissos certinho. E é bom estar sempre jogando, crescer profissionalmente. Mesmo em um mercado desconhecido, estou sempre sendo escalado. E o brasileiro é muito valorizado por aqui. Estou feliz, fazendo bons jogos e isso é muito importante”, afirma o jogador.
QUEM É ELE?
- Nome: Bryan Silva Garcia
- Nascimento: 28/3/1992, em Belo Horizonte
- Posição: lateral-esquerdo
- Clubes: América (2012); Benfica B (2013); Portuguesa (2013); Ponte Preta (2014); Cruzeiro (2016-2017); Vitória (2018); CRB (2019); Alashkert (2020)
- Títulos: Campeonato Mineiro'2016 e Copa do Brasil'2017
ENTENDA O CASO
Ex-repúblicas soviéticas
A relação diplomática entre Azerbaidjão e Armênia, duas ex-repúblicas soviéticas, está abalada desde os anos 1980, quando ambas se tornaram independentes com o fim da própria União Soviética
Disputa armada
No fim dos anos 1980 e início dos 1990, as duas nações travaram uma sangrenta disputa por Nagorno-Karabakh, até um cessar-fogo ser decretado em 1994. No entanto, um acordo de paz permanente nunca foi acertado. Desde então, várias batalhas ocorreram
Movimento separatista
Com população de 150 mil habitantes, Nagorno-Karabakh é uma região que fica dentro do território do Azerbaidjão e próximo à fronteira da Armênia. Mas a etnia é constituída por 99% de armênios, que rejeitam o domínio azeri e querem propor um movimento separatista.
Novo conflito
Uma nova onda de bombardeios agitou os dois países no fim de setembro, depois que o Arzebaidjão lançou uma ofensiva aeroterrestre. Na batalha, cinco aldeias armênias foram conquistadas, embora os azeris tenham perdido carros blindados, drones e helicópteros.
Diplomacia
Países como Rússia e Turquia já entraram com pedido de cessar-fogo, mas o conflito não terminou. Além disso, a ONU tem procurado suavizar a disputa entre os envolvidos.