Jornal Estado de Minas

SÉRIE B

Ex-jogadores comentam situação do clube e possível greve no Cruzeiro

A crise no Cruzeiro, com ameaça de greve por parte dos jogadores profissionais (já são, em média, seis meses de atrasos salariais), assim como outros funcionários, mexe com o emocional de muita gente, como ex-atletas que estão estarrecidos e veem uma situação insustentável, que coloca em xeque o próprio clube e afeta também a torcida. Procópio, Nelinho, Dirceu Lopes, Neco e Wilson Gottardo não entendem como o Cruzeiro pode ter chegado a essa situação e contam experiências, nesse sentido, que já vivenciaram.




 
Procópio, ex-zagueiro, se diz chateado. “É uma hora muito ruim. A fase é péssima. O time apresenta uma pequena melhora e surge essa situação, essa bomba, por assim dizer. O pior de tudo é que o presidente não está presente, está em Portugal. Tudo, os últimos acontecimentos, digo desde 2019, colocam o Cruzeiro como um time acéfalo. É lamentável”.
 
Para ele, os jogadores estão tomando uma medida extrema e é preciso ponderar que o clube não vem cumprindo com suas obrigações. E vê, também, a falta de diálogo, que nesse momento seria fundamental. “O clube caiu para a Segunda Divisão e está aos trancos e barrancos. Essa é uma mancha, para o clube, inimaginável”, alerta. 
 
Procópio diz que já enfrentou situações parecidas, uma delas, quando foi jogador do Cruzeiro, mas que foi solucionada com sabedoria. “Eu estava voltando de uma contusão. Fiquei praticamente cinco anos afastado do futebol. Quando voltei, no Cruzeiro, havia um problema por causa de um mês de salário atrasado. Eu não tinha voz no grupo, mas levantei e falei que quem estava jogando tinha de aguentar. E que tínhamos de jogar e ganhar, pois esta seria a única forma de resolver”. 




 
Ele conta ainda uma situação de quando era treinador no Atlético. ”O clube estava sem dinheiro. Os salários estavam atrasados havia cinco meses. O Paulo Cury era o presidente. Taffarel, Euler, e mais três jogadores, que tinham condições melhores, eu também participei, nos juntamos. Fizemos uma vaquinha e esse dinheiro deu para pagar os funcionários e ajudamos os jogadores a pagar as despesas principais, de aluguel, condomínio, luz, alimentação. O grupo resolveu o problema.”
 
A solução definitiva, segundo Procópio, só veio algum tempo depois, com uma excursão ao Japão. “Ficou acertado que o dinheiro que seria recebido por um diretor, que era o chefe da delegação, Mazinho, receberia o dinheiro, eram US$ 30 mil, seria repassado, imediatamente, aos jogadores, ainda no Japão. Só que ele não queria fazer isso, e não o fez”.
 
A decisão do dirigente, segundo Procópio, foi a gota d’água. “Fui falar com ele, que aquela era uma decisão do presidente do clube e que ele teria que cumprir. Como não aceitou o que disse, tomei o dinheiro dele e fiz o repasse a todos os jogadores. Fiz o que o presidente tinha determinado. Quando chegamos de volta a Belo Horizonte, o presidente me deu razão”, relembra.




 
Para Procópio, existem outras soluções que não sejam tão radicais. “Sempre há uma solução. Tem de partir para o diálogo. O compromisso tem de ser de homem para homem. A palavra dada, tem de ser cumprida. Os jogadores, com essa decisão radical, são os mais prejudicados. Alguém precisa explicar isso para eles. Os extremos nunca são bons. Têm de chegar a um meio termo. Se fizerem greve, aí é que não vão receber. Só ofendem o clube. E o pior é que o torcedor é quem paga mais ainda pelo que está acontecendo”.

Direito do trabalhador

O ex-lateral-direito Nelinho reconhece que a greve é um direito do trabalhador, mas que não acha que esse é o momento. “Eu hoje entendo que deveriam ponderar. Se não jogarem, perderão os pontos. Pior, se não treinarem, perderão a condição física e se tiverem de voltar a jogar, não vão conseguir ter um bom desempenho”.
 
Nelinho entende que fazer ameaças não resolve. “Ninguém aguenta isso. O jogador está sofrendo, pois tem suas contas, tem de comprar comida, precisa colocar gasolina no carro para ir treinar. Mas o clube, que é obrigado a pagar, pode ser punido de diversas formas. Existem sanções, inclusive da Fifa, para esses casos”.




 
Ele entende que essa ideia não pode ser levada adiante. “Os jogadores estão dentro de seu direito, mas pode não ser a melhor solução. E o torcedor, que sofre, tem de entender a situação e não pode colocar esse problema na conta do jogador”.

Descontrole

Para o ex-lateral-esquerdo Neco, campeão da Taça Brasil em 1966, o que acontece com o Cruzeiro hoje é fruto do descontrole. “Nossa Senhora. A coisa tá feia demais. Que fase horrível o clube passa. É muito ruim ver tudo isso acontecer e, confesso, jamais imaginei que isso pudesse acontecer”.
Para ele, o pior é a fama que o clube terá de carregar daqui por diante. “Vai passar por caloteiro. No futuro, como contratar jogadores? Todos saberão do calote. O pior é o risco de cair para a Série C. Punições maiores acontecerão. Entendo que na situação atual, não tem para onde correr. Só resta rezar”.




Quem diria

Dirceu Lopes, o ex-dono da camisa 10, que participou da famosa partida do título da Taça Brasil, em 1966, está estarrecido. “Quem diria. Que situação. O Cruzeiro era modelo de gestão no Brasil e acabou chegando nessa situação. Inacreditável”.
 
Para ele, a greve não é solução. “Pra mim, está na hora desse presidente renunciar. O time é fraco. Não vejo destaques. Assim, vão queimar todos os meninos que surgirem”.
 
O ex-jogador está desolado com o que está acontecendo. “Isso me dói muito. Era preciso ter tomado cuidado. É preciso ter cabeça fria para tomar uma decisão sábia agora. Para que não aconteça o pior”.




Organização e estrutura

Wilson Gottardo, que foi zagueiro da conquista da segunda Libertadores, lembra que essa situação já aconteceu no futebol brasileiro, há pouco tempo, mas com um time que não tinha a estrutura do Cruzeiro: com o Paraná, que não foi a campo jogar uma partida e foi punido.
 
Ele lembra que em sua época o Cruzeiro era um clube organizado e estruturado. “Eram outros tempos”. Mas não entende que seja hora de se tomar uma medida extrema como a dos jogadores atuais de se fazer uma greve.
 
“Os conceitos da minha época e a qualidade estrutural das equipes eram inferiores. Me recordo que tivemos um problema de atraso de salário quando estávamos no Japão para o Mundial de Clubes. Era um mês de salário atrasado. Mas esse período a gente não considerava atraso, e conversando, foi encontrada a solução”, disse.




 
Para ele, o momento é de detectar os erros e é preciso olhar o lado do trabalhador. “Os jogadores têm seus direitos, mas eles têm de entender, também, que têm de se cuidar física e mentalmente. É hora de conversar. Têm de fazer isso. O clube tinha de arranjar uma forma de colocar pelo menos o salário dos funcionários em dia.”
 
Ele conta que nessa crise que enfrentou no clube, eles se reuniram com a diretoria e deram uma solução. “Os funcionários recebiam na totalidade, assim como os jogadores que ganhavam pouco. Os que ganhavam mais, recebiam uma parte. Não vejo esse radicalismo, de fazer greve, como solução.”
 
E também faz um alerta. “O atleta tem de continuar se cuidando. Ficar inativo provoca perdas. Está diante de uma situação que é seu direito constitucional tomar uma posição extrema, como a greve. Mas essa decisão pode gerar perdas enormes”.

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