Jornal Estado de Minas

DESPEDIDA

No dia da despedida, lembranças mineiras de Fred



Mineiro de Teófilo Otoni, Fred surgiu como um raio no América. Tão acelerado que o mundo demorou 3,16 segundos para conhecê-lo. Foi esse o tempo que o atacante levou para colocar a bola nas redes em um jogo pela Copa São Paulo de Futebol Júnior, em 2003. O feito foi parar no “Guinness Book” como o gol mais rápido de todos os tempos. Depois disso, ele continuou fazendo história – tornou-se ídolo do Fluminense e chegou à Seleção Brasileira – e stories, virando o rei das redes sociais pelo seu jeito brincalhão e boa-praça.  Menos de 20 anos após os primeiros passos no time profissional do Coelho, Fred se despede do futebol aos 38 anos. Hoje, após o jogo entre Fluminense e Ceará, no Maracanã, pela 16ª rodada do Campeonato Brasileiro, o atacante abandonará os gramados. O Estado de Minas/Superesportes procurou ex-dirigentes de América, Atlético e Cruzeiro para ouvir os bastidores da passagem dele pelos três maiores times do futebol mineiro

Início fulminante no América

Fred começou na base do América, em 2001. Precoce, o atacante ganhou fama internacional antes mesmo de subir ao time profissional. Então com 19 anos, ele arriscou um chute do meio-campo ao ouvir o apito inicial do árbitro da partida, em jogo contra o Vila Nova-GO, pela Copa São Paulo de Futebol Júnior de 2003.





Em entrevista ao Estado de Minas/Superesportes em 2012, o atacante explicou o quanto aquele lance foi importante para ele.

"Foi um gol fundamental na minha carreira. Tinha sido expulso no primeiro jogo da Copa São Paulo, já diziam que eu estava na lista de dispensas. Aquele gol foi importante para que eu continuasse no clube. Na preleção, o Hamilton, que era o nosso treinador, tinha dito que o goleiro deles jogava adiantado. Quando fomos iniciar o jogo, cheguei para o Émerson, meu companheiro de ataque, e pedi para ele rolar a bola que eu iria chutar direto. Ele tocou, e fiz o gol. Pena que perdemos (risos)", relembrou.

Posteriormente, subiu ao profissional e se tornou o destaque do América. Pelo clube, Fred participou de 57 jogos, entre 2003 e 2004, com 34 gols marcados.

Destaque em campo, o Coelho se viu obrigado a repassar Fred ao Feyenoord em função de uma parceria que tinha com o clube holandês. Apesar disso, o atacante não quis ir para a Europa e continuou em BH. 

Ainda em 2004, Fred recebeu uma proposta do Braga, de Portugal, mas o acordo também não saiu. Acabou sendo comprado por um dos maiores rivais do América, o Cruzeiro, o que desagradou a muitos americanos.

Presidente do Coelho entre 2002 e 2005, Afonso Celso Raso explica a saída conturbada do artilheiro: “O Feyenoord podia escolher um jogador por ano do América. Ele foi escolhido, mas não quis ir porque tinha pretensões maiores. Depois, o Braga, de Portugal, mandou um representante a Belo Horizonte para fechar negócio, mas o irmão do Fred exigiu cláusulas que não foram aceitas. O que o Feyenoord fez? Mandou uma autorização para vender o Fred para qualquer clube que pagasse o valor determinado”, diz o ex-presidente americano.





Ele contou como a transação para a ida de Fred para a Toca da Raposa ajudou o Coelho financeiramente: “O Cruzeiro entrou na jogada e levou o Fred. O América recebeu o dinheiro, cerca de um R$ 1 milhão; a outra parte ficou com o Feyenoord. O dinheiro me ajudou a botar a coisa em ordem, foi um desafogo espetacular naquele momento”.

Na negociação, o Feyenoord levou uma quantia em dinheiro e o volante Gérson Magrão, além de ficar com 10% dos direitos econômicos do atacante.

“Para alguns americanos, o Fred não saiu pela porta da frente. Considero que ele foi muito útil como jogador. A venda também na época foi muito boa para o clube", disse Raso.

Fases distintas no Cruzeiro

No Cruzeiro, Fred viveu dois momentos bem diferentes. Em 2004 e 2005, marcou muitos gols e virou o xodó da torcida. No retorno, de 2018 a 2020, participou do inédito rebaixamento na história celeste e precisou se “esconder na roça”, palavras do próprio artilheiro, pela vergonha da queda para a Série B. 





No primeiro ano na Toca II, disputou 28 jogos e balançou as redes 16 vezes. Em 2005, foram 43 partidas e 40 gols. A grande fase chamou a atenção do Lyon, que o comprou por cerca de 15 milhões de euros.

Em dezembro de 2017, o atacante voltou ao Cruzeiro, no que é considerado um dos piores negócios da história do clube até por quem participou da gestão Wagner Pires de Sá – caso do então diretor-geral do Cruzeiro, Sérgio Nonato.  

“Em termos financeiros, foi péssimo para o Cruzeiro. Foi uma contratação de Itair e Wagner, eu só fiquei sabendo quando estava acertado. O Cruzeiro tem o prejuízo até hoje”, relembra Serginho. Naquela época, Fred fez um acordo de rompimento de contrato com o Atlético. Contudo, havia multa de R$ 10 milhões caso o camisa 9 se transferisse para o Cruzeiro. 

Foi o que aconteceu. A diretoria celeste concordou, e hoje a dívida supera os R$ 23 milhões.

No ano passado, Fred chegou a acionar o Cruzeiro na Justiça para o clube assumir o débito com o Atlético. Além disso, a Raposa tem uma dívida trabalhista de R$ 25 milhões com o centroavante.





Ao todo, Fred fez 138 jogos oficiais pelo Cruzeiro, com 81 gols.

“A gente não pode colocar a culpa no jogador. Ele teve uma lesão muito séria no Cruzeiro, sempre foi um profissional exemplar, da melhor qualidade. Isso tudo é culpa de quem fez o contrato. O retorno do Fred todo mundo sabe que não foi bom nem para o Fred nem para o Cruzeiro”, acrescentou Serginho. 

A reportagem entrou em contato com o ex-diretor de futebol celeste Itair Machado, que articulou o negócio, mas ele não respondeu. Serginho, Itair e Wagner são réus na Justiça por supostas práticas criminosas contra o Cruzeiro. Eles negam.

Gols e saída polêmica do Atlético

Em junho de 2016, o Atlético anunciou a contratação do atacante Fred. No Galo, ele fez 28 jogos na primeira temporada, com 12 gols. Em 2017, foram 55 jogos e 30 bolas nas redes. Apesar disso, o centroavante não caiu nas graças da torcida alvinegra.





Quando acertou com o Cruzeiro, ele apagou todas as fotos com a camisa do Atlético. Isso gerou grande repercussão nas redes sociais.

“Acho que isso faz parte. De alguma forma, ele entendeu que deveria ter feito aquilo, não faço esse juízo de valor porque a gente não sabe o motivo, o que aconteceu”, diz Domênico Bhering, que era diretor de comunicação do Atlético na ocasião.

“Na diretoria, não teve indignação, teve uma surpresa. Ele saiu do Atlético daquela forma, a gente pensou que ele iria para o exterior ou para o Flamengo, mas acertou com o Cruzeiro. Normal, quantos jogadores já não trocaram de lado assim? É do futebol”, acrescentou. Domênico ainda elogiou a carreira de Fred. “Como jogador, dispensa comentários. Tenho certeza de que ele termina a carreira com o dever cumprido”, resumiu.